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Processo n.º 440/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Cadilha
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Veio o recorrente A. reclamar para a conferência da decisão sumária, proferida nestes autos, de não conhecimento do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade por si interposto, pedindo, a final, seja revogada a decisão sumária e, em consequência, apreciado o recurso, com as legais consequências.
Alega, para tanto, que, contrariamente ao sumariamente decidido, também suscitou, na sua reclamação para conferência da decisão do relator, no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que indeferiu o recurso para esta última instância, «a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretado no sentido de que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o acórdão condenatório, proferido em recurso, pelas Relações, apesar de não confirmar a decisão de primeira instância, reduzindo a medida da pena, que a mesma se considera confirmada, uma vez que a alteração melhora a situação penal do condenado, e a pena aplicada não seja superior a 8 anos de prisão, sendo desse modo a decisão irrecorrível, funcionando apenas ‘a dupla conforme’ para condenações em pena (concreta) superior a 8 anos de prisão, por violação do disposto no art.º 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP)».
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Decidiu-se, na decisão sumária, objecto da presente reclamação, não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante, com o relatado objecto, por não observância, quanto a tal específica questão de inconstitucionalidade, do ónus de suscitação imposto, como condição do seu conhecimento, pelas disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).
Com efeito, sustenta a decisão sumária, no que respeita à verificação de um tal pressuposto processual, o seguinte:
“(…) relativamente à questão da qualificação como confirmativa da decisão do Tribunal da Relação que, mantendo a qualificação jurídico-penal dos factos, apenas diminui a medida da pena aplicada pela 1ª instância, o recorrente limita-se a dizer:
O arguido foi condenado em 1ª instância na pena de prisão de 6 anos, sendo certo que o douto Tribunal da Relação não confirmou esta decisão.
Efectivamente o Venerando Tribunal da Relação alterou a decisão da 1ª instância, reduzindo a condenação do arguido para a pena de 5 anos e 6 meses.
Ora, é pressuposto da al. f) do artigo 400º, n.º 1, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que, para que não sejam recorríveis os acórdãos proferidos pelas relações, a necessidade de 2 requisitos: a) a confirmação da decisão de 1ª instância; b) a não aplicação de pena de prisão superior a 8 anos.
Ora, no caso sob reclamação não se verifica o 1º supra mencionado requisito: “a confirmação da decisão da 1ª instância”.
A verificação destes dois requisitos é cumulativa, motivo pelo qual na ausência da verificação de um tal requisito, a decisão é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.
Ou seja: em nenhum momento da reclamação para a conferência, questiona o recorrente a legitimidade constitucional do entendimento, sufragado pelo relator, na decisão sumária posta em crise, de que deve ser ainda considerada decisão confirmativa, para efeitos do disposto na norma do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção vigente, a decisão que, mantendo a qualificação jurídica definida na 1ª instância, aplica pena inferior ou menos grave.
O que, a este propósito, o arguido se limitou a dizer, em sede de reclamação, reportando-se ao seu caso concreto, foi que o Tribunal da Relação, ao reduzir a pena que lhe foi aplicada pela 1ª instância, «não confirmou esta decisão», pelo que, a seu ver, não se verificava, desde logo, o pressuposto de aplicação do citado normativo legal, ainda que se considerasse ser o mesmo aplicável à luz do regime vigente em matéria de aplicação da lei processual penal no tempo.
Por isso que, quanto a esta questão em concreto, não formulou o Tribunal recorrido – nem tinha a obrigação processual de o fazer – qualquer juízo de não inconstitucionalidade que ora pudesse ser, legitimamente, reapreciado por este Tribunal Constitucional, tendo-se limitado a afirmar, num único parágrafo, o seguinte:
Por fim, não questionando o próprio reclamante a absoluta identidade de enquadramento fáctico e, no plano da integração penal, da precisa moldura penal aplicável à consignada actuação, não se vê que tenha o mesmo apresentado qualquer razão susceptível de infirmar, embora a diga inexistente, a declarada confirmação “in melius”, operada pela Relação do Porto e como tal reconhecida na decisão sumária.
Ora, a formulação de um mero juízo de discordância quanto ao modo como o Tribunal recorrido interpretou e aplicou ao caso concreto dada norma jurídica não releva como cumprimento, pelo recorrente, do ónus de suscitação imposto pelo citado n.º 2 do artigo 72º da LTC.
E, neste ponto, foi concretamente isso que o recorrente fez”.
Para demonstrar o contrário, isto é, que observou, também em relação a tal questão de inconstitucionalidade, o ónus de suscitação legalmente imposto, transcreve o reclamante excerto acima transcrito da sua reclamação para a conferência, aditando, de relevante, um último ponto com o seguinte teor:
Entende assim o reclamante/recorrente que, face ao não admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o arguido/reclamante vê as suas garantias de defesa diminuídas, na dimensão do direito ao recurso, garantido pelo artigo 32º, n.º 1, da Constituição.
Ora, cumpre, antes de mais, precisar que a transcrita afirmação não se enquadra na sequência lógica da argumentação especificamente expendida a propósito da questão da qualificação como confirmativa da decisão da Relação que alterou, para menos, a medida da pena aplicada pela 1ª instância, traduzindo, antes, uma conclusão formulada, a final, relativamente à fundamentação integral da reclamação, onde, conforme reconhecido pela decisão sumária, foi, de facto, suscitada uma outra questão de inconstitucionalidade, com referência à norma do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, mas que não integra o objecto do recurso de constitucionalidade interposto pelo arguido/recorrente.
Crê-se, pois, que a invocação, a título conclusivo, da violação de um tal preceito constitucional, apenas se poderá reportar directamente, na economia da reclamação para a conferência, devidamente interpretada, à questão da inconstitucionalidade da interpretação, acolhida pela decisão reclamada, que considera aplicável a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a processos iniciados antes da sua entrada em vigor, a propósito da qual foi precisamente alegada, em sede de fundamentação, a violação do parâmetro de constitucionalidade consagrado no citado normativo constitucional.
Mas ainda que descortine, no transcrito parágrafo, uma conexão lógica com a própria impugnação da decisão de qualificar, como confirmativa, a decisão do Tribunal da Relação que se limitou a alterar, para menos, a medida da pena aplicada pela 1ª instância, a verdade é que não é defensável o entendimento, sustentado pelo reclamante, que, desse modo, foi suscitada, a este propósito, uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa.
Na verdade, o arguido, ao concluir, na reclamação para a conferência, que a não admissão, pelo despacho reclamado, do seu direito ao recurso, violou as suas garantias de defesa, na dimensão do direito ao recurso, garantido pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, não está, claramente, a questionar a constitucionalidade de uma norma jurídica ou de uma certa interpretação normativa nela acolhida mas antes a da própria decisão judicial, enquanto não lhe admite tal recurso.
Ora, como é sabido, o recurso de fiscalização da constitucionalidade, nas suas diferentes modalidades, apenas tem por objecto normas jurídicas ou, no máximo, interpretações, de alcance geral e abstracto, que delas sejam feitas pelos tribunais, pelo que apenas se tem por observado o ónus de suscitação imposto pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC quando, contrariamente ao que sucede no caso concreto, o recorrente tenha suscitado, perante o tribunal recorrido, uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa.
Não o tendo feito, como lhe competia, não está o presente recurso em condições de prosseguir para a reclamada apreciação de mérito, como sumariamente decidido.
Cumpre, pois, indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária dela objecto.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se, em consequência, a decisão sumária proferida nos presentes autos.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 14 de Julho de 2010. –Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão