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Processo n.º 507/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão:
'1. Vem interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da seguinte decisão, proferido pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em reclamação deduzida ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal:
“I. Por Acórdão da 1.ª instância de 9.10.2009 foi decidido:
- absolver o arguido A. da prática de um crime de tráfico de estupefacientes na forma agravada, p. e p. pelos arts.21º, n.º 1 e 24º, al. c), do DL n.º 15/93, de 22/01;
- por convolação da qualificação jurídica, condenar aquele arguido como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/01, por referência à tabela 1-A anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- condenar o mesmo arguido como autor material, em concurso real efectivo, de 14 (catorze) crimes de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03/01, na pena, para cada um dos crimes, de 6 (seis) meses de prisão;
- operando o cúmulo jurídico das penas atrás aplicadas, nos termos do art. 77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal (CP), condenar o arguido A. na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
-declarar perdidos a favor do Estado vários bens apreendidos, determinando o levantamento da apreensão doutros.
Por se manterem inalterados os pressupostos, de facto e de direito, que levaram à sua aplicação, determinar que o arguido A. continue sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, que assim se mantém (artigo 213.º, n.º 1, alínea b) do C6digo de Processo Penal).
Não se conformando com esta decisão, recorreu dela o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 16 de Março de 2010, na parte relevante, negou provimento ao recurso interposto confirmando a decisão da 1 a instância.
Ainda inconformado com este acórdão interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator, o recurso interposto pelo arguido não foi admitido, face ao disposto no art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.
Desse despacho apresentou o recorrente reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, onde suscita a inconstitucionalidade do art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, por violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP
II. Cumpre apreciar e decidir.
No domínio dos recursos e das normas que disciplinam a competência em razão da hierarquia, a nova redacção do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, dispõe que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas em recurso pelas relações nos termos do artigo 400.º.
E o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), na nova redacção após a Lei n.º 48/2007, determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos.
Assim, nos termos da actual redacção da alínea f), o acórdão questionado, ao ter confirmado a decisão condenatória da 1.ª instância, é insusceptível de recurso, tendo em conta a pena aplicada ao arguido que, no caso, não foi superior a 8 anos.
O reclamante suscita a inconstitucionalidade do art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, por violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP. A invocação não tem fundamento.
Com efeito, no plano constitucional a garantia do direito ao recurso prevista no n.º 1 do art. 32.º da Constituição tem como dimensão apenas a exigência de um único grau que, no caso, foi garantido através do recurso interposto para a Relação pelo reclamante. É esta a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional (cf., v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/01 e 377/2003 de 3 de Maio de 2001 e de 15 de Julho de 2003, respectivamente).
III. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação.”
2. O Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência consolidada no sentido de que no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição se consagra o direito ao recurso em processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas também constitui jurisprudência sem divergências a de que a Constituição não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. E que não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (Cfr., entre muitos, a propósito da anterior redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na peculiar interpretação acima referida do que era a pena aplicável, acórdão n.º 64/2006 (Plenário), publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Maio de 2006). Essa limitação do recurso apresenta-se como “racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação” (citado Acórdão n.º 451/03).
Não havendo razão para rever este entendimento, tem de ser negado provimento ao recurso ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LTC.
3. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o recorrente nas custas, com 7 UCs de taxa de justiça.”
2. O recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), insistindo em que a limitação de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, com o consequente esvaziamento das garantias de defesa, deve ser julgado inconstitucional.
O Ministério Público responde que a reclamação deve ser julgada improcedente, uma vez que o recorrente não adianta quaisquer argumentos capazes de por em dúvida os fundamentos da decisão.
3. A decisão de que se reclama filia-se numa jurisprudência uniforme e constante do Tribunal no sentido de que a Constituição não garante o direito dos arguidos a um duplo grau de recurso em processo penal e na ponderação, que também corresponde a entendimento corrente, de que a inadmissibilidade de recurso em caso de “dupla conforme” que aplique pena não superior a 8 anos de prisão não é um modo arbitrário de regular o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, o recorrente limita-se a protestar contra o modo como a Relação julgou o caso e contra a perpetuação da injustiça que resulta de lhe ser vedado o acesso ao Supremo, não aduzindo qualquer argumento que seja susceptível de ser reexaminado no plano em que a decisão reclamada se sustenta da constitucionalidade da norma em causa. Não há, pois, razão para rever o decidido ou necessidade de acrescentar qualquer outra fundamentação.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, com 20 unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 14 de Julho de 2010 – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão