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Processo n.º 43/10
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., professora, instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, acção administrativa especial contra o Ministério da Educação, pedindo – na parte que ao presente recurso concerne – que seja declarado nulo o acto de não provimento da autora na categoria de professora titular, praticado no âmbito de concurso, que teve lugar em 2007, nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 15/2007 de 19 de Janeiro; que sejam desaplicadas, no seu caso, as normas dos artigos 10.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 200/2007 de 22 de Maio, por violarem os artigos 47.º, n.º 2, e 112.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (doravante designada por CRP) e, consequentemente, que seja o réu condenado a dar provimento à autora no aludido concurso para professora titular.
2.
Por sentença de 19 de Novembro de 2009, o referido tribunal julgou a acção parcialmente procedente, recusando a aplicação do regime legal do primeiro concurso para acesso à categoria de professor titular, conformado pelos artigos 15.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/2007 de 19 de Janeiro e 2.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 22.º do Decreto-Lei n.º 200/2007 de 22 de Maio, por inconstitucionalidade material; anulando o acto administrativo de não provimento da autora na categoria de professora titular, no âmbito do aludido concurso e, finalmente, condenando o réu a reintegrar a autora no seu direito subjectivo de se candidatar, em igualdade de condições e oportunidades com todos os demais candidatos, no primeiro concurso de acesso à categoria de professor titular, de acordo com as vinculações determinadas pelo tribunal.
2. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), visando a apreciação da constitucionalidade dos artigos 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, e artigos 2.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 22.º do Decreto-Lei n.º 200/2007 de 22 de Maio, cuja aplicação foi recusada pela sentença recorrida, com fundamento na violação dos artigos 13.º e 47.º, n.º 2, da CRP.
Após notificação para apresentação de alegações, apenas o Ministério Público veio alegar, concluindo pela não inconstitucionalidade das normas em análise e pugnando pela procedência do recurso.
Com pertinência para apreciação da questão, cumpre referir que sobrevieram alterações no Estatuto da Carreira Docente (originariamente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril), introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, conforme melhor explicitaremos infra.
II. Fundamentação
3. A questão fulcral do presente recurso prende-se com o regime do primeiro concurso de acesso para lugares da categoria de professor titular, previsto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, cujas regras se encontram plasmadas no Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de Maio.
Sobre este regime legal e a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, já se pronunciou o Acórdão n.º 298/2010, deste Tribunal Constitucional (disponível in www.tribunalconstitucional.pt), que trata de situação, cujo paralelismo com a vertida nestes autos, justifica que nos detenhamos sobre a fundamentação aí exarada.
Refere-se no aludido aresto o seguinte:
“Imediatamente antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, o pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário integrava-se numa carreira única com 10 escalões (artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 312/99, de 10 de Agosto).
A partir de 20 de Janeiro de 2007, a carreira docente passou a desenvolver-se pelas categorias hierarquizadas de professor e professor titular, sendo cada categoria integrada por escalões, a que correspondem índices remuneratórios diferenciados (artigo 34.º, n.ºs 2 e 3, e anexo I do Estatuto da Carreira Docente, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007).
O recrutamento para a nova categoria de professor titular fazia-se mediante concurso documental a que podiam ser opositores os professores previamente aprovados em prova pública e que reunissem as demais exigências em matéria de antiguidade e avaliação (artigo 38.º do Estatuto da Carreira Docente, e regime ulteriormente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 104/2008, de 24 de Junho).
Porém, o artigo 15.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, estabeleceu um regime transitório de recrutamento para o primeiro concurso de acesso para lugares da categoria de professor titular, com duas fases sequenciais destinadas, sucessiva e respectivamente, aos professores posicionados no 10.º escalão e aos professores posicionados nos 8.º e 9.º escalões (ulteriormente concretizado pelo Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de Maio).
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, a carreira docente passou, novamente, a estruturar-se numa única categoria (professor), com 10 escalões e igual número de índices remuneratórios, terminando, assim, a distinção entre professores e professores titulares (artigo 34.º, n.º 2, e anexo I, do Estatuto da Carreira Docente, na novíssima redacção).
Simultaneamente, o referido Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, apresenta um regime transitório imediatamente aplicável aos professores já providos na categoria de professor titular, cujo conteúdo não pode deixar de se repercutir na utilidade do presente recurso de constitucionalidade.
Para esse efeito, concretizando, o regime transitório em apreço apresenta os seguintes traços relevantes:
- Os lugares ocupados nas categorias de professor e professor titular são automaticamente convertidos em igual número de lugares da categoria de professor (artigo 5.º);
- Os cargos e as funções específicas da categoria extinta de professor titular mantêm-se ocupados pelos docentes que actualmente os exercem, até à sua substituição, caso se mostre necessário, de acordo com as regras previstas no Estatuto da Carreira Docente, no início do ano escolar de 2010-2011 (artigo 6.º, n.º 1);
- Os docentes que, independentemente da categoria, se encontram posicionados nos escalões da estrutura da carreira docente prevista no Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, transitam para a categoria de professor da nova estrutura de carreira para índice a que corresponda montante pecuniário de remuneração base idêntico ao que actualmente auferem (artigo 7.º, n.º 1);
- Da transição entre estruturas de carreira não pode decorrer diminuição do valor da remuneração base auferida pelo docente (artigo 7.º, n.º 3);
- A transição para o índice e escalão da nova estrutura de carreira efectua-se sem quaisquer formalidades, para além da elaboração, pelo agrupamento de escolas ou escola não agrupada, de uma lista nominativa de transição a afixar em local apropriado que possibilite a consulta pelos interessados (artigo 7.º, n.º 6);
Os docentes que, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, estejam, independentemente da categoria, posicionados no índice 340 são, a partir do ano civil de 2012, reposicionados no índice 370, de acordo com as seguintes regras cumulativas:
- Possuam no índice pelo menos seis anos de tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira;
- Reúnam os requisitos legais necessários para a aposentação, incluindo a antecipada, e demonstrem que a requereram;
- Tenham obtido nos dois ciclos de avaliação do desempenho imediatamente anteriores a menção qualitativa mínima de Bom (artigo 8.º, n.º 2);
- Da transição entre a estrutura da carreira regulada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, e a estrutura de carreira definida no Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, não podem ocorrer ultrapassagens de posicionamento nos escalões da carreira por docentes que, no momento da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, tivessem menos tempo de serviço nos escalões (artigo 10.º, n.º 1).”
Ora, no processo-base de que emerge o presente recurso de constitucionalidade – à semelhança do que acontece na situação a que se reporta o aresto que analisámos – a autora, com a categoria de professora, posicionada no 10.º escalão e no índice remuneratório 340 da estrutura da carreira aprovada pelo Decreto-Lei n.º 312/99, de 10 de Agosto, pretende ser provida na categoria de professora titular, por via do primeiro concurso de acesso previsto no artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro.
O tribunal de primeira instância, por decisão ainda não transitada em julgado, reconheceu à autora o direito de se candidatar, em igualdade de condições e oportunidades com todos os demais candidatos, no referido concurso de acesso à categoria de professor titular.
Porém, atendendo à superveniente entrada em vigor do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, concluímos que, mesmo que a autora já tivesse sido provida na categoria de professora titular, em resultado do juízo de inconstitucionalidade que fundamentou a decisão recorrida, tal circunstância não assumiria qualquer utilidade prática na carreira docente da mesma.
Na verdade, a lei nova operou o fim da distinção entre professores e professores titulares, não atribuindo efeitos a tal diversidade de categorias, na transição para a nova estrutura da carreira docente, que se estrutura numa categoria única de professor.
Assim, o juízo de inconstitucionalidade que fundamentou a decisão recorrida não produziu, nem é susceptível de vir a produzir, o efeito pretendido, face à alteração legislativa ocorrida, que subtraiu interesse útil à questão de constitucionalidade colocada.
Nestes termos, por o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade ter um carácter instrumental relativamente à decisão da causa, conclui-se – tal como no aresto supra referido – pela inutilidade do prosseguimento do presente recurso [artigo 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º da L.T.C].
III. Decisão
4. Pelas razões expostas, julga-se extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Outubro de 2010.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.