Imprimir acórdão
Processo n.º 361/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por acórdão da 1ª instância foi o arguido A. condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, n.º 1 e 2, 23.º, n.ºs 1 e 2, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas d) e h) [actualmente e) e i)], todos do Código Penal, na pena de 7 anos de prisão.
Não se conformando com o assim decidido interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 21.04.2009, concedeu provimento parcial ao recurso, tendo-o condenado pela prática do referido crime na pena de 6 anos e 4 meses de prisão.
Inconformado com o assim decidido, interpôs o arguido A. recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por despacho da Desembargadora Relatora de 25.06.09 não foi o recurso admitido.
O Recorrente veio requerer a aclaração/correcção da decisão que não admitiu o recurso, o que foi indeferido por despacho proferido em 07.09.2009.
Notificado deste despacho veio o Recorrente novamente interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do despacho de 25.06.09 que não admitiu o recurso.
Por despacho da Desembargadora Relatora de 30.10.2009 foi entendido não convolar em reclamação o requerimento de interposição de recurso contra o despacho que não admitiu o recurso, por este ter sido apresentado para além do prazo de 10 dias estipulado no art. 405.º, n.º 2, do CPP, e ainda por o despacho em causa não ser recorrível. Assim, foi decidido rejeitar o respectivo requerimento, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), 414.º, n.º 3, e 417.º, n.º 6, alínea b), todos do Código de Processo Penal.
O Recorrente arguiu a nulidade deste despacho que foi julgada improcedente por decisão de 16.12.2009.
Em 04.01.2010 veio o Recorrente apresentar reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu esta reclamação, por decisão proferida em 20-1-2010.
O Recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, “entendendo que a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça viola o direito ínsito nos artigos 16º, 20º e 32º, da Constituição da República Portuguesa.”.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu despacho de não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional com a seguinte fundamentação:
“…o recurso de inconstitucionalidade no nosso sistema jurídico só pode incidir sobre normas e não sobre decisões judiciais, como resulta do n.º 1 do art. 280.º da CRP.
E como o recurso para o Tribunal Constitucional vem reportado à decisão que indeferiu a reclamação não a qualquer norma em que a mesma se tivesse baseado, o mesmo não é admissível.”
Após pedido de aclaração deste despacho que foi indeferido, o Recorrente reclamou do mesmo para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
“1 – O arguido interpôs recurso para esse Tribunal nos termos constantes de fls…
2 – O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu tal interposição, com os fundamentos constantes de fls..., sem que tivesse dado cumprimento ao nº 5 do artigo 75º-A da LTC.
3 – O arguido requereu a aclaração do referido Despacho de indeferimento, nos termos que melhor constam do seu requerimento de fls... -
4 – Todavia, o Presidente do STJ, entendendo que nada havia a aclarar, manteve o indeferimento, do qual, segundo o mesmo, apenas caberia reclamação para esse Venerando Tribunal.
5 – Em face do exposto, vem requerer a apreciação da presente reclamação e, em consequência, dando-lhe provimento, seja reparada a falta de cumprimento do citado art.75º-A, nº 5 da LTC.”
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferida a reclamação apresentada com os seguintes argumentos:
“1. O recorrente, inconformado com a decisão proferida no Supremo Tribunal de Justiça, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, considerando violados os artigos 16º, 20º e 32º da Constituição.
2. O requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, está sujeito aos requisitos constantes do nº 1 e 2 do artigo 75º-A da LTC, havendo lugar ao convite referido no nº 5, quando faltam alguns desses requisitos.
3. Ora, o requerimento apresentado pelo requerente é inidóneo não constando sequer nenhum dos requisitos exigidos, mas limitando-se a transmitir numa discordância com o decidido.
4. O recorrente, posteriormente, quando pediu a aclaração e reclamou para este Tribunal do despacho de não admissão do recurso, poderia ter adiantado alguns dos elementos em falta, por forma a que se pudesse saber, minimamente, o que pretende com o recurso de constitucionalidade.
5. Não o tendo feito, deve indeferir-se a reclamação.
6. Por outro lado, independentemente de se averiguar se durante o processo foi suscitada, adequadamente, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa relacionada com o artigo 400º, nº 1, alínea f) do CPP (única em relação à qual é referida a Constituição), a decisão recorrida não aplicou, nem podia ter aplicado, tal norma.
7. Efectivamente, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação porque entendeu que os recursos tinham sido interpostos fora do prazo
8. Isto porque o recorrente tinha recorrido em vez de reclamado para o Senhor Presidente do Supremo do despacho proferido na Relação e, tendo sido ultrapassado o prazo de 10 dias, o recurso não podia ser convolado para reclamação.
9. Portanto, as únicas normas aplicadas foram o artigo 405º do CPP e o artigo 608º, nº 5, do CPC, na versão aplicável.
10. Em relação a elas, na reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não foi invocada qualquer dúvida de constitucionalidade, sendo certo que na Relação, essa questão já tinha sido tratada, não estando, pois, o recorrente dispensado do ónus da suscitação.
11. Aliás, nunca estaria dispensado daquele ónus, uma vez que a interpretação daquelas normas, acolhida na decisão recorrida, é, não só “normal”, como a absolutamente previsível.
*
Fundamentação
O Reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional de decisão proferida pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
O recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n.º 1, do artigo 70.º ao abrigo do qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC).
Quando o objecto de impugnação é uma interpretação normativa esta deve ser enunciada no requerimento de interposição de recurso de forma explícita e precisa.
Sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, como sucede no presente caso, deve ainda constar do requerimento a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão de constitucionalidade.
No requerimento de interposição de recurso aqui em causa não foi indicada a norma ou interpretação normativa questionada, nem o local onde foi suscitada previamente a questão de constitucionalidade.
O n.º 5, do artigo 75.º-A, da LTC dispõe que se o requerimento de interposição de recurso não indicar algum dos elementos previstos no artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça poderia ter utilizado este mecanismo de correcção, mas não o fez, não competindo, contudo, ao Tribunal Constitucional sindicar a sua não utilização, nem a suprir.
Na verdade, não tendo sido o Recorrente convidado no tribunal recorrido a corrigir o requerimento de interposição de recurso, fica com ónus de tomar a iniciativa de vir espontaneamente satisfazer os requisitos formais em falta na reclamação apresentada, sob pena do seu indeferimento (vide, neste sentido, Lopes do Rego, em “Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional” pág. 216, da ed. de 2010, da Almedina, e os acórdãos do Tribunal Constitucional aí citados).
Não tendo cumprido esse ónus, deve a reclamação ser indeferida.
*
Decisão
Pelo exposto, indefiro a reclamação deduzida por A. do despacho de não admissão do recurso proferido pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça nestes autos.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
X
Lisboa, 25 de Maio de 2010
João Cura Mariano
Catarina Sarmento e Castro
Rui Manuel Moura Ramos