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Processo n.º 629/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No âmbito da acção declarativa de condenação proposta por A. contra o Instituto
da Habitação e da Reabilitação Urbana (anteriormente denominado Instituto
Nacional de Habitação), que correu seus termos na 1.ª Secção da 14.ª Vara Cível
de Lisboa, sob o n.º 429/07.3 TVLSB, a demandante pediu inter alia que o
demandado fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 51.802.49, a título de
indemnização pelos danos causados pela cessação antecipada das funções que vinha
exercendo como vogal no conselho directivo do segundo, em virtude de exoneração
por mera conveniência de serviço.
Foi proferido despacho saneador, datado de 21 de Novembro de 2007, que conheceu
logo do mérito da acção e julgou a aludida pretensão parcialmente procedente.
Na sequência de recursos sucessivamente interpostos pela Autora, tal decisão
viria a ser integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo
Supremo Tribunal de Justiça, mediantes acórdãos proferidos, respectivamente, em
8 de Julho de 2008 e em 4 de Junho de 2009, apresentando este último, na parte
que ora releva, a seguinte fundamentação:
«[...]
1 A primeira questão colocada pela recorrente é a do cálculo da indemnização
devida pelo réu à autora, atendendo à sua exoneração, por mera conveniência de
serviço.
A questão é contemplada nos nºs 2 e 6 do artº 6º do DL 464/82 de 09.12.
No nº 2 estabelece-se que o gestor exonerado nos casos como o da autora tem
direito a uma indemnização correspondente aos ordenados vincendos, até o limite
do vencimento anual.
No nº 6 ressalva-se que essa mesma indemnização será reduzida ao montante da
diferença do vencimento como gestor e do vencimento do lugar de origem, se o
gestor, como no caso da autora, exerceu as funções em comissão de serviço, ou em
requisição.
As instâncias determinaram os vencimentos anuais da autora no lugar de origem e
como gestora, estabelecendo que a respectiva diferença constitui a sua
indemnização.
A recorrente, porém, entende que deve ser calculado a totalidade dos vencimentos
de gestor durante a comissão ou requisição e a totalidade dos vencimentos no
lugar de origem no mesmo período e será sobre a diferença desses montantes que
deve ser estabelecido o limite do vencimento anual.
Quid juris-
A intenção do legislador é clara. O gestor exonerado por mera conveniência de
serviços tem direito a uma indemnização calculada com base nas remunerações
vincendas até ao limite máximo de um vencimento anual.
Só que, no caso de comissão de serviço ou requisição, em que existe um lugar de
origem, onde, durante o período anual das referidas remunerações vincendas, o
gestor exonerado vai receber ordenados, há que descontar estes mesmos ordenados,
por forma a tornar iguais para todos os gestores exonerados o cálculo da
indemnização. E a única forma de conseguir a finalidade da lei é calcular a
indemnização nos termos em que o fizeram as instâncias.
A não se entender assim, como se assinala na decisão em apreço, poder-se-ia até
neutralizar o efeito pretendido no aludido nº 6 e “que é o de evitar a
acumulação de rendimentos.”
No presente caso, como a diferença dos vencimentos é superior ao vencimento
anual da recorrente como gestora é este último que seria, no seu entendimento, o
montante da indemnização. O que a não impediria de receber os ordenados no lugar
de origem após o termo da comissão ou da requisição. Significaria isto que ia
receber realmente mais de que quem não tivesse um lugar de origem e tivesse sido
exonerado na mesma altura em que o foi a recorrente, pois este último apenas
tinha garantido o vencimento anual de gestor.
Por isso, não se diga, como o faz a recorrente que esta forma de calcular a
indemnizar afecta o princípio constitucional da igualdade de tratamento. E
precisamente ao contrário.
A igualdade obtém-se tratando de forma desigual o que é desigual. E só fazendo o
desconto a quem tem um lugar de origem é que se assegura que este não é
beneficiado em relação a quem não o tem.
[...]»
O recorrente interpôs então recurso da referida decisão do Supremo Tribunal de
Justiça para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do
n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), onde, na
sequência de convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de
recurso de constitucionalidade, arguiu a inconstitucionalidade da norma
constante do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, na
interpretação segundo a qual a indemnização devida ao gestor público, que exerça
as suas funções em regime de requisição, não pode ser superior à diferença
existente entre as remunerações vincendas como gestor público e as processadas
no seu lugar de origem, durante o período de um ano.
A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
“O princípio da igualdade, enquanto princípio basilar da Constituição da
República, desdobra-se em dois comandos: impor um tratamento igual a indivíduos
que se encontrem, nomeadamente, em situações económicas tendencialmente iguais e
desigual, quando aquelas situações económicas também o forem.
Aplicando este princípio da igualdade, na parte em que ele manda tratar
desigualmente o que desigual for, o n.º 6 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82,
de 9 de Dezembro, postula que a indemnização devida a um gestor público, cujo
mandato antecipadamente cessou por conveniência de serviço, varia consoante este
exerça ou não aquelas funções em regime de comissão de serviço ou de requisição.
A situação económica de quem, exercendo funções de gestor público em regime de
comissão de serviço ou de requisição, as vê antecipadamente cessar é uma:
regressa ao lugar e ao vencimento de origem, ao passo que nos restantes casos é
outra: eventualmente passará a uma situação de desempregado.
Em termos de remunerações auferidas, o dano, no primeiro caso, limita-se às
diferenças salariais entre o vencimento auferido como gestor público e o devido
pelo lugar de origem a que regressa. E pode mesmo nem sequer se verificar um
qualquer dano, bastando que a remuneração abonada no lugar de origem seja
superior à auferida pelo exercício das funções de gestor público.
Já, no segundo caso, o dano corresponde à totalidade da remuneração que o gestor
deixou de auferir, quando o seu mandato é feito antecipadamente cessar por
conveniência de serviço.
O teor do n.º 6 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 corresponde, assim, à
concretização desse princípio constitucional da igualdade e também reflecte a
mera aplicação de um dos princípios básicos do instituto da indemnização por
danos, que associa o cálculo do montante da indemnização à determinação dos
danos sofridos pelo indemnizado.
Já, porém, o n.º 2 do art. 6 do mesmo Decreto-Lei n.º 464/82 não tem por vocação
concretizar o princípio da igualdade, antes sim o de limitar a responsabilidade
indemnizatória por cessação antecipada e por conveniência de serviço do mandato
de um gestor público.
O n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 estabelece um limite indemnizatório
que se poderia sintetizar do seguinte modo: em circunstância alguma, o montante
da indemnização devida pode ultrapassar uma verba correspondente às remunerações
de um ano de vencimentos do gestor público exonerado.
Este limite à responsabilidade indemnizatória, pode até nunca operar: será o
caso em que a cessação antecipada do mandato ocorre no decurso do último ano
deste. E poderá ter uma aplicação bem mais gravosa: será o caso do gestor
público, que vê cessado o seu mandato pouco depois de o ter iniciado.
O n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 estabelece um limite – o do montante
máximo da indemnização devida – que é aplicado, ou não, depois do valor desta
ter sido determinado.
O dano pela cessação antecipada do mandato há-de sempre ser balizado pelo tempo
em que o gestor público, por conveniência de serviço, deixou de exercer aquelas
funções.
Este tempo é convertido nas remunerações vincendas perdidas, caso o gestor
público exonerado não exercesse as suas funções em regime de comissão de serviço
ou requisição, ou nas diferenças remuneratórias entre os vencimentos abonados ao
gestor público e os devidos pelo seu lugar de origem, no caso do exercício de
funções se fazer naqueles regimes de comissão de serviço ou requisição.
Este é o dano efectivamente sofrido por quem vê cessar antecipadamente as suas
funções de gestor público. O n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82
estabelece que, independentemente do valor deste dano, o montante máximo da
indemnização não pode ultrapassar um determinado montante: o correspondente ao
vencimento auferido ao longo de um ano pelo gestor exonerado.
O n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 funciona, assim, de modo em tudo
idêntico ao das cláusulas de limitação de responsabilidade.
Sucede, porém que esta norma do n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 foi
indevidamente interpretada como fixando um duplo limite na responsabilidade
indemnizatória: se o gestor público, cujo mandato foi antecipadamente cessado, o
exercia em regime de comissão de serviço ou requisição, a responsabilidade
indemnizatória limita-se às diferenças remuneratórias apuradas ao longo de um
ano, nos restantes casos, esse limite corresponde ao do valor do vencimento
anual do gestor público exonerado.
Esta interpretação legal é indevida, pois não encontra qualquer sustentação na
letra da Lei, violando assim uma das regras basilares de interpretação
estatuídas no Código Civil.
Mas esta interpretação, e é isso que interessa a esse Venerando Tribunal
Constitucional, representa uma violação frontal do princípio constitucional da
igualdade.
É que este princípio constitucional da igualdade já surge aplicado no n.º 6 do
art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82.
Ora, nada justifica fixar, aliás ao arrepio da letra da Lei, também um duplo
limite indemnizatório aos que exercem as funções de gestor público em regime de
comissão de serviço ou requisição.
O tratamento desigual é feito pela aplicação do disposto no n.º 6 do art. 6 do
Decreto-Lei n.º 464/82, que diferencia o modo de cálculo da indemnização que,
nuns casos, atende aos ordenados vincendos e, nos outros casos, às diferenças
remuneratórias, com o pressuposto de serem diferentes as dificuldades sentidas,
por força da cessação antecipada de mandato de gestor público, por quem tenha ou
não um lugar de origem a que possa regressar.
Estabelecer, a par deste tratamento desigual que resulta da aplicação do n.º 6
do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82, um outro que advém dum duplo limite na
responsabilidade indemnizatória, que decorreria da aplicação do n.º 2 deste
mesmo art. 6, viola o princípio constitucional da igualdade. E isto porque:
Qual é a justificação para que o limite indemnizatório, estabelecido nesse n.º 2
do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82, se situe no montante de um vencimento anual
do gestor público exonerado e não em um qualquer outro valor- Porque o
legislador estimou que o prazo de um ano seria um limite de tempo razoável para
que um gestor público exonerado, não tendo um lugar de origem ao qual pudesse
regressar, encontre uma nova colocação profissional.
Ora, uma vez encontrada uma colocação profissional, a situação deste gestor
público exonerado em nada difere da de um outro que, quando também lhe é feito
antecipadamente cessar o mandato, regressa ao seu lugar de origem.
Pode até dar-se o caso de o gestor público exonerado, que não tenha um lugar de
origem, encontre, de imediato, uma nova colocação profissional, porventura até
melhor remunerada da que anteriormente exercia.
Representa, assim, uma violação frontal do princípio da igualdade, ao
interpretar o n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82, como fixando dois
limites indemnizatórios.
Para efeitos da identificação de um tecto para a responsabilidade
indemnizatória, todos os gestores públicos, cujo mandato é feito cessar
antecipadamente, estão em situação de igualdade: sabem à partida que, verificada
esta cessação, o limite da indemnização é um e um mesmo: o valor correspondente
aos seus vencimentos durante um ano.
É pois aqui, e só aqui, que se situa a divergência entre recorrente e recorrida
que o Douto Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de aqui se
recorre, que veio a resolver, dando razão ao Instituto Nacional de Habitação,
mas por força duma interpretação inconstitucional do n.º 2 do art. 6 do
Decreto-Lei 464/82 que o Venerando Tribunal Constitucional por certo reparará
dando provimento ao presente recurso.
Sucede, porém, no que a recorrente entende como sendo elemento coadjuvante para
a boa resolução do presente recurso, o conhecimento por esse Tribunal das
conclusões do processo que correu pela Inspecção Geral das Obras Públicas, em
processo de inquérito ao Instituto Nacional de Habitação, a que corresponde o
processo n.º 251/02-1, que veio também a defender a tese da recorrida no que
respeita ao cálculo da indemnização que lhe é devida.
O relatório do processo de inquérito atrás referido foi remetido para o Tribunal
de Contas.
A recorrente tem tentado, sempre infrutiferamente, obter certidões relativas a
esse processo de inquérito na parte que lhe diz respeito.
Recentemente, formulou novo pedido, conforme resulta dos documentos em anexo 1 e
2, seja àquela Inspecção seja ao Tribunal de Contas só que, até agora, também,
sem obter qualquer resposta.
Razão pela qual, e por ser de manifesto interesse para a boa decisão da causa,
se requer que seja agora esse Venerando Tribunal Constitucional a providenciar a
junção ao processo das certidões já solicitadas pela recorrente.
Em síntese final:
A interpretação adequada e conforme ao princípio constitucional da igualdade do
disposto no art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 para determinação do montante da
indemnização devida à recorrente por cessação antecipada e por conveniência de
serviço do seu mandato como gestor público deve, portanto, obedecer aos
seguintes passos:
Apuramento dos meses que, por força da cessação antecipada, a recorrente deixou
de exercer as suas funções de gestor público.
Tendo por base esse período de tempo, calcular as diferenças entre as
remunerações vincendas devidas pelo exercício de funções como gestor público e
no seu lugar de origem. Ao assim proceder, cumpre-se o estatuído no n.º 6 do
art. 6 do Decreto-Lei n.º 565/82 e concretiza-se aqui, e só aqui, a aplicação
adequada do princípio da igualdade.
Apurada esta diferença remuneratória, então há apenas que verificar se se aplica
ou não o limite de responsabilidade indemnizatória fixado, para TODAS AS
SITUAÇÕES, pelo n.º 2 do aludido art. 6.
Deve, assim ser revogada a Douta Decisão de que se recorre tendo em conta a
declaração como inconstitucional da Interpretação que foi dada ao nº 2 do artigo
6º do DL 464/82 por estar a mesma em desconformidade com o princípio
constitucional constante do artigo 13 do CRP.”
Por seu turno, a entidade recorrida contra-alegou nos seguintes termos:
“A lei distingue dois tipos de gestores públicos (aqueles que à data da sua
nomeação como gestor não possuíam outro vínculo e os outros, os quais são
nomeados em comissão de serviço ou requisitados), aos quais associa duas formas
de cálculo da indemnização devida por cessação de funções.
Assim,
Quando haja lugar ao pagamento de indemnização pela cessação de funções como
gestor, isto é, quando a mesma se funde em mera conveniência de serviço, a lei
manda atender, como regra geral, ao montante dos vencimentos que o exonerado
haveria de auferir até ao termo do seu mandato. Todavia, tal indemnização não
pode ultrapassar um determinado limite fixado por lei.
O mesmo é dizer que a lei pretende que a indemnização pela cessação de funções
de gestor cubra o prejuízo decorrente do fim do mandato prejuízo esse que, caso
não existisse qualquer limitação, ascenderia à totalidade da remuneração
expectável até ao termo do mandato por decurso do prazo, pois seria essa a
legítima expectativa do gestor.
Todavia, a lei introduz uma limitação à expectativa do gestor cessante. De
acordo com a parte final do nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 464/82, a
expectativa do gestor cessante só é legítima até ao montante máximo do seu
vencimento anual como gestor. Isto é, ainda que o termo do mandato se situe para
além de um ano em relação ao momento da exoneração, o gestor tem como horizonte
máximo da sua legítima expectativa indemnizatória o seu vencimento anual nesse
cargo.
É lógica e justa a solução da lei. Ao aceitar a nomeação, o gestor público
conhece as possibilidades de cessação do seu vínculo, nomeadamente conhece a
margem de liberdade que assiste às entidades que o nomearam, no que respeita à
sua exoneração e, consequentemente, à precariedade do seu cargo. Tal
precariedade prende-se, claro está, com a natureza do cargo e respectivas
funções, matéria essa, no entanto, estranha ao objecto da presente análise. O
que importa, porém, realçar é que em função de todos esses elementos, a lei
considera que a expectativa do gestor, no que respeita àquela indemnização, só é
legítima até certo ponto ou limite-o do seu vencimento anual.
Mas a lei determina ainda um limite adicional nas situações em que a prestação
de funções de gestor o é em regime de comissão de serviço ou de requisição.
Nestes casos, estabelece o nº 6 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 464/82 que
“Quando as funções forem prestadas em regime de comissão de serviço ou de
requisição, a indemnização eventualmente devida será reduzida (sublinhado nosso)
ao montante da diferença entre o vencimento do gestor e o vencimento do lugar de
origem à data da cessação de funções do gestor.”
Mais uma vez, à lógica e justa a solução da lei.
Efectivamente, a prestação das funções de gestor em regime de comissão de
serviço ou de requisição pressupõe que o gestor nomeado detém um lugar de
origem, cujas funções temporariamente abandona para poder exercer o novo mandato
para que foi nomeado.
Ora, a tal lugar de origem corresponde uma determinada remuneração, remuneração
essa que, regra geral, é inferior àquela auferida pelo gestor no desempenho
desse novo cargo para que é nomeado.
Em consequência, é evidente que a nomeação como gestor público traz um maior
benefício económico a quem não tinha já um lugar de origem do que a quem tinha
já um lugar de origem, no qual percebia a correspondente remuneração. Do mesmo
modo, aquando da cessação de funções de gestor, é menos lesado aquele que tem um
lugar de origem ao qual retoma, percebendo a respectiva remuneração, do que
aquele que não tem um lugar de origem ao qual retornar. Por outras palavras, o
lucro cessante daquele que tem tal lugar de origem é menor do que o lucro
cessante daquele que, findo o mandato, não tem lugar para onde retomar,
percebendo unicamente a indemnização devida e ficando sem qualquer posto de
trabalho.
Em suma, a atribuição de uma indemnização, motivada pela exoneração do cargo de
gestor público, visa compensar o exonerado pelas expectativas que possuía em
relação ao mandato. Ora, de acordo, com o supra exposto quando o gestor detenha
um lugar de origem, com a correspondente remuneração, como é o caso da ora
recorrente, o prejuízo sofrido será bem menor do que se não tiver tal lugar de
origem.
Por conseguinte, faz todo o sentido, segundo um critério de justiça material,
que o legislador estabeleça uma forma diferenciada de cálculo da indemnização
devida aos gestores com cargo de origem, pelo que o nº 6 do artigo 6º do
Decreto-Lei nº 464/82 não faz mais do que tomar em consideração esta
diferenciação de situações, norteado pelo princípio da igualdade e
proporcionalidade (v. artigo 13º da Constituição da República Portuguesa).
A dualidade do modo de cálculo da indemnização instituída visa pois reflectir
uma diferença de legitimidade material entre os dois tipos de gestores públicos:
nenhum pode legitimamente aspirar a mais do que lhe é devido, mas ao gestor que
possui lugar de origem é devido legitimamente menos do que ao que não o possui,
em matéria de indemnização por exoneração fundada em conveniência de serviço.
Por outro lado, a tese sustentada pela recorrente nas suas, aliás, doutas
alegações levaria à perda de sentido da caracterização de “reduzida” que o
legislador intencionalmente empregou no nº 6 do artigo 6º do Decreto-Lei nº
464/82 para qualificar a indemnização eventualmente devida ao gestor requisitado
ou em comissão de serviço exonerado, como também perderiam sentido as diferenças
legais introduzidas no artigo 6º daquele diploma legal, efectuadas sob o
espírito da diferenciação material, pois sempre que faltasse mais de um ano para
o final do mandato do gestor e este fosse exonerado, à luz da posição da
recorrente, a indemnização seria idêntica para o gestor exonerado que não
tivesse outro vínculo e para o gestor que regressaria ao lugar de origem, pois
ambos receberiam o vencimento anual do gestor.
Ora, salvo o devido respeito pela posição da recorrente, não nos parece que esta
traduza fielmente as intenções do legislador vertidas no artigo 6º do
Decreto-Lei nº 464/2, uma vez que a correcta interpretação e articulação dos nºs
2 e 6 deste artigo não pode abdicar do critério de justiça material subjacente
presente no espírito da lei.
(...)
Face ao exposto, não pode pois proceder a tese avançada pela recorrente, uma vez
que a mesma uniformiza soluções que o legislador pretendeu diversas, fazendo
coincidir regimes diferentes, pugnando por uma interpretação avessa às regras
contidas no artigo 9º do Código Civil, em claro desrespeito pelo elemento
teleológico.”
Consequentemente e salvo melhor opinião, não nos parece que a interpretação dada
ao disposto nos nºs 2 e 6 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 464/82, pelas diversas
instâncias judiciais já intervenientes neste processo, viole o princípio
constitucional da igualdade.
Com efeito, conforme se refere no douto acórdão recorrido, “(...) a igualdade
obtém-se tratando-se de forma desigual o que é desigual”. A interpretação que o
recorrente pretende ver apreciada é, no essencial, a mesma que o Supremo
Tribunal de Justiça perfilhou no Acórdão…”
*
Fundamentação
1. O caso concreto e a interpretação normativa questionada
Em 1 de Setembro de 2001 a Recorrente, até então assessora principal da Câmara
Municipal de Lisboa (CML), tomou posse como vogal nomeada do conselho directivo
do Instituto Nacional de Habitação (INH), pelo período de três anos, tendo sido
requisitada à CML para efeito da referida nomeação.
A Recorrente exerceu as funções de vogal do conselho directivo do INH no período
compreendido entre 1 de Setembro de 2001 e 22 de Maio de 2002, em regime de
requisição, em virtude de ser funcionária de uma autarquia local (artigo 8.º,
n.º 2, do Decreto-Lei n.º 202-B/82, de 22 de Julho). E como membro do conselho
directivo do INH, a Recorrente estava sujeita ao Estatuto do Gestor Público
(EGP), então constante do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro (artigo 8.º,
n.º 3, do Decreto-Lei n.º 202-B/82, de 22 de Julho).
Por desempenhar as suas funções em regime de requisição, o serviço que a
Recorrente prestou no INH foi considerado como serviço prestado no quadro de
origem, com salvaguarda de todos os direitos inerentes (artigo 5.º, n.º 2, do
referido EGP).
Em 22 de Maio de 2002 a Recorrente foi exonerada, por conveniência de serviço,
das funções de vogal do conselho directivo do INH, tendo retomado as funções de
assessora principal na CML.
A Recorrente veio demandar o INH para fazer valer o seu direito a indemnização
de determinado valor que alegadamente lhe assiste, em virtude de ter sido
exonerada das funções de vogal do conselho directivo do INH com fundamento em
conveniência de serviço.
Mais concretamente, tendo sido alegado e ficado provado que a Recorrente,
enquanto vogal do INH, auferia um vencimento mensal bruto de € 4.065,57, quando
foi exonerada dessas funções em 22 de Maio de 2002, e que passou a auferir,
desde então, um vencimento mensal bruto de € 2.575,74, ao retomar as suas
funções de assessora principal na CML, a Recorrente pretende que lhe seja paga
uma indemnização no montante global de € 51.802,49, correspondente aos
vencimentos que, se não tivesse sido exonerada, teria auferido como vogal do
conselho directivo do INH desde 22 de Maio de 2002 até 31 de Agosto de 2004
(termo do período de 3 anos pelo qual a Recorrente havia sido nomeada para
exercer as funções de vogal do Conselho Directivo do INH), após a dedução dos
vencimentos auferidos nesse mesmo período como assessora principal da CML.
Tal pretensão foi parcialmente indeferida na medida em que, nas aludidas
circunstâncias de facto dadas como provadas, o tribunal recorrido decidiu que a
Recorrente apenas tem direito à indemnização no montante global de € 20.857,64,
correspondente aos vencimentos que, se não tivesse sido exonerada, teria
auferido como vogal do conselho directivo do INH desde 22 de Maio de 2002 até 21
de Maio de 2003 (1 ano), após a dedução dos vencimentos auferidos nesse mesmo
período como assessora principal da CML.
Para tanto, no caso concreto de exoneração de funções fundada em mera
conveniência de serviço, o tribunal recorrido aplicou a norma constante do
artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, na interpretação
segundo a qual a indemnização devida ao gestor público, que exerça as suas
funções em regime de requisição, não pode ser superior à diferença existente
entre as remunerações vincendas como gestor público e as processadas no seu
lugar de origem, durante o período de um ano.
É esta interpretação normativa – que se salda pelo reconhecimento do direito a
uma indemnização de valor muito inferior ao peticionado pela Recorrente – que
importa aqui sindicar apenas no plano jurídico-constitucional, uma vez que esta
entende que a mesma viola o princípio constitucional estruturante da igualdade.
2. A indemnização devida pela exoneração dos gestores públicos por conveniência
de serviço
O artigo 6.º do EGP prevê expressamente a possibilidade de exoneração do gestor
público fundada em mera conveniência de serviço – com contornos diferentes da
exoneração, assente exclusivamente na vontade do funcionário, prevista no artigo
29.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro –, cujo regime jurídico
interessa agora analisar, especialmente na parte respeitante aos respectivos
efeitos.
A referida disposição legal apresenta a seguinte redacção (na parte que releva
para a economia do presente recurso de constitucionalidade):
“1 – O gestor público pode ser livremente exonerado pelas entidades que o
nomearam, podendo a exoneração fundar-se em mera conveniência de serviço.
2 – A exoneração dará lugar, sempre que não se fundamente no decurso do prazo,
em motivo justificado ou na dissolução do órgão de gestão, a uma indemnização de
valor correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, mas não
superior ao vencimento anual do gestor.
(...)
6 – Quando as funções forem prestadas em regime de comissão de serviço ou de
requisição, a indemnização eventualmente devida será reduzida ao montante da
diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento de lugar de origem à
data da cessação de funções de gestor.
A solução legal que se traduz na possibilidade de exoneração de gestores
públicos fundada na mera conveniência de serviço foi introduzida no ordenamento
jurídico nacional com a aprovação do disposto no artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º
356/79, de 31 de Agosto, tem sido reproduzida nos sucessivos estatutos dos
gestores públicos entretanto aprovados – incluindo o mais recente aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março – e já mereceu um juízo, negando a sua
inconstitucionalidade, formulado pelo Acórdão n.º 160/92 do Tribunal
Constitucional (publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 19 de Agosto de
1992), que seguiu o pensamento já anteriormente expresso pela Comissão
Constitucional, no Parecer n.º 31/80 (em Pareceres da Comissão Constitucional,
14.º vol., pág. 15), a propósito da fiscalização preventiva do Decreto n.º
366-E/80 destinado a rever o Estatuto dos Gestores Públicos de 1976.
A ampla margem de discricionariedade assim atribuída à Administração Pública
quanto à manutenção de um indivíduo no exercício de um cargo (Cfr. NUNO CUNHA
RODRIGUES, em “Breves notas em torno do estatuto do gestor público: a caminho do
new public management-”, in “Estudos jurídicos e económicos em homenagem ao
Prof. Doutor António de Sousa Franco”, pág. 403-404, do volume III, ed. de 2006,
da FDUL) foi considerada materialmente justificada pelo Tribunal Constitucional
no referido aresto pelas seguintes razões:
“Agindo os gestores públicos dentro do sector público dos meios de produção, a
precariedade destes vínculos é algo que bem se compreende face, por um lado, às
particulares relações de confiança que devem existir entre a entidade tutelar e
o gestor e, por outro, face às particulares exigências de eficácia e
rentabilidade que o Estado tem de impor neste sector de propriedade dos meios de
produção.
Com efeito, sendo a precariedade a tónica deste tipo de prestação de serviços ou
de desempenho de cargo, a continuação do exercício de funções depende, momento a
momento, da subsistência da relação de confiança que esteve na base da sua
designação para o lugar, não podendo, por isso, afirmar-se que se encontra
«legalmente protegido» o interesse do funcionário ou gestor na manutenção do
cargo ou das funções para que fora discricionariamente designado, o que
significa não ser de exigir, em situações como a dos autos, uma obrigação de
fundamentar o acto para além da invocação da mera conveniência de serviço…”.
A precariedade do referido vínculo, estabelecida por razões de ordem pública,
mostra-se, contudo, compensada pela atribuição de uma indemnização ao gestor
público exonerado, cujo conteúdo constitui o cerne do presente recurso de
constitucionalidade.
O gestor público que cumpra os deveres do cargo tem uma expectativa legítima de
chegar ao termo do mandato para o qual foi nomeado. Se for antecipadamente
afastado das suas funções, por causa que não lhe seja imputável, a defraudação
daquela expectativa causar-lhe-á, previsivelmente, prejuízos de diversa índole
que não é exigível que ele seja obrigado a suportar.
Por isso, apesar da licitude do acto de exoneração, o legislador entendeu
atribuir aos gestores exonerados uma indemnização à forfait, que salvaguardasse
os seus interesses legítimos.
Assim, o n.º 2, do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro,
dispõe que a exoneração fundada em mera conveniência de serviço dá lugar a “uma
indemnização de valor correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do
mandato, mas não superior ao vencimento anual do gestor”, acrescentando o n.º 6
da mesma disposição legal que “quando as funções forem prestadas em regime de
comissão de serviço ou de requisição, a indemnização eventualmente devida será
reduzida ao montante da diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento
de lugar de origem à data da cessação de funções do gestor”.
A determinação legal da indemnização que assiste aos gestores públicos
exonerados por mera conveniência de serviço, quando os mesmos exerçam as suas
funções em regime de comissão de serviço ou de requisição, tem suscitado alguma
controvérsia hermenêutica na jurisprudência dos tribunais superiores que recaiu
sobre a disposição legal sob apreciação. Após o Parecer do Conselho Consultivo
da PGR n.º 42/84, de 25 de Julho de 1984 (publicado no B.M.J. n.º 351, pág. 61 e
seg.), que considerou que o limite máximo da indemnização do gestor público
requisitado ou em comissão de serviço, era o fixado no n.º 2, ou seja os
vencimentos de gestor correspondentes a um ano de serviço, o Acórdão do S.T.J.
de 25 de Novembro de 1992 (publicado no B.M.J. n.º 421, pág. 426) sustentou que
o limite máximo correspondia à diferença entre esses vencimentos e os auferidos
no lugar de origem durante um ano, enquanto o Acórdão do S.T.J. de 25 de
Setembro de 2003 (acessível em www.dgsi.pt) seguiu o critério sustentado por
aquele Parecer.
No caso concreto, o tribunal recorrido aplicou a norma constante do artigo 6.º,
n.º 2, do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, na interpretação segundo a
qual a indemnização devida ao gestor público, que exerça as suas funções em
regime de de requisição, não pode ser superior à diferença existente entre as
remunerações vincendas como gestor público e as processadas no seu lugar de
origem, durante o período de um ano.
A Recorrente entende que esta interpretação normativa viola o princípio
constitucional da igualdade, na medida em que para ela, além do critério
estabelecido para o cálculo da indemnização a receber pelos gestores exonerados
requisitados, ser mais desfavorável do que aquele que está estabelecido para os
restantes gestores sem lugar de origem na função pública, aquele montante
indemnizatório ainda está sujeito a um tecto inferior ao que está estabelecido
para as indemnizações devidas a estes últimos.
Dito isto, importa precisar que a Recorrente não reclama um regime jurídico em
matéria de indemnização dos gestores exonerados por mera conveniência de serviço
que repute irrelevantes e não reflicta as garantias do emprego e da remuneração
inerentes ao exercício das funções de gestor público em regime de requisição. A
Recorrente reconhece que os eventuais lucros cessantes verificados na esfera
jurídica do gestor público requisitado devem ser naturalmente atenuados ou mesmo
anulados pela remuneração ulteriormente recebida no lugar de origem. O que a
Recorrente reputa inconstitucional nesta matéria, à luz do princípio da
igualdade, é que a indemnização devida a um gestor requisitado tenha como limite
máximo a diferença entre as remunerações vincendas como gestor público e as
processadas no seu lugar de origem, durante um ano, enquanto a indemnização
devida ao gestor público sem lugar de origem na função pública tem como limite o
vencimento anual como gestor.
3. O princípio da igualdade e a desigualdade de indemnizações devidas aos
gestores públicos exonerados
Como tem referido o Tribunal Constitucional «o princípio da igualdade abrange
fundamentalmente três dimensões ou vertentes: a proibição do arbítrio, a
proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a
primeira a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a
interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (...); a
segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em
critérios subjectivos (v.g., ascendência, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou
condição social) e, a última surge como forma de compensar as desigualdades de
oportunidades.» (Acórdão nº 412/2002 em A.T.C., vol. 54.º, pág. 409)
No caso concreto, a Recorrente convoca a vertente da proibição do arbítrio.
“A interdependência de planos que a estrutura do princípio da igualdade exige
implica…que o critério que serve de base ao juízo de qualificação da igualdade
encontre a sua justificação no fim a atingir com o tratamento jurídico. E para
que tal aconteça a conexão entre o critério e o fim tem de ser razoável e
suficiente. Isto quer dizer que o princípio da igualdade não orienta, em
concreto, a opção por um ou outro critério valorativo, mas exige que o critério
escolhido encontre uma justificação razoável e suficiente no fim ou na ratio do
tratamento jurídico” (MARIA GLÓRIA GARCIA em “Princípio da igualdade: fórmula
vazia ou fórmula “carregada” de sentido”, em “Estudos sobre o princípio da
igualdade”, pág. 56, da ed. de 2005, da Almedina):
E nessa matéria, o Acórdão n.º 69/2008 (acessível em www.dgsi.pt) acrescentou
que:
«… a propósito do princípio da proibição do arbítrio, decorrente do nº 1 do
artigo 13º da CRP, tem sempre sublinhado o Tribunal duas ideias essenciais que
importa agora recordar. Antes do mais, que não estão aqui em causa – que não
podem estar aqui em causa – ‘juízos’ sobre a bondade das soluções legislativas;
depois, que proibindo a Constituição neste domínio apenas «as diferenciações de
tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer
justificação razoável, segundo critérios de valor constitucionalmente
relevantes» (Acórdão nº 39/88, in AcTC, 11º vol., pp. 233 e ss.), deve
descobrir-se a ratio das disposições em causa, para, a partir dessa mesma ratio,
se poder avaliar se as mesmas possuem ou não uma «fundamentação razoável»
(Acórdão nº 232/2003 e doutrina aí citada: AcTC, 56º vol., p. 39).»
Por outro lado, como ensinam J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (in
Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 399, da 4.ª Edição
revista, da Coimbra Editora), importa ter presente que:
«(...) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade
não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro
dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as
relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar
igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade
legislativa” são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado
suporte material, é que existe uma “infracção” do princípio do arbítrio.»
Na óptica da Recorrente – como se deixou dito atrás –, em matéria de
determinação do limite máximo admissível da indemnização por exoneração fundada
em mera conveniência de serviço, a interpretação normativa aplicada pelo
tribunal recorrido traduz-se num tratamento desigual dos gestores públicos
requisitados, relativamente aos gestores públicos sem lugar de origem na função
pública, sem que haja fundamento material bastante para tal diferenciação.
Para efectuarmos a ponderação necessária à aferição do parâmetro da igualdade,
temos que ter presente que estamos perante a fixação legal duma indemnização à
forfait. O legislador não deixou o cálculo do montante indemnizatório devido
pelo acto de exoneração, por conveniência de serviço, dependente da prova dos
prejuízos realmente sofridos pelos gestores atingidos, tendo-se antes optado,
por razões de certeza e igualdade, por efectuar uma liquidação antecipada dos
mesmos, com recurso a juízos de prognose abstracta.
As indemnizações fixadas no artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de
Dezembro, tiveram unicamente em conta o previsível prejuízo da perda de
vencimentos resultante da cessação antecipada das funções de gestor público.
Na economia do regime previsto no artigo 27.º, do Decreto-Lei n.º 427/89, a
requisição constitui um instrumento de mobilidade pelo qual os funcionários
prestam funções transitoriamente, sem ocuparem um lugar do quadro, em organismo
ou serviço público diferente daquele a que pertencem, podendo efectuar-se entre
os diversos serviços e organismos da Administração central, regional e local, e
mesmo entre institutos públicos (Vide PAULO VEIGA E MOURA, em “Função Pública –
Regime jurídico, direitos e deveres dos funcionários e agentes”, 1.º volume,
pág. 399-401 e 416-420, da 2.ª Edição, da Coimbra Editora).
Ora, mantendo os gestores em regime de requisição o seu lugar de origem na
função publica, onde regressam após a sua exoneração, compreende-se que a sua
indemnização inclua apenas a diferença entre o vencimento de gestor e o seu
vencimento no lugar de origem, porque só essa diferença é que, num juízo de
previsibilidade, é verdadeiramente perdida com a exoneração. Já relativamente
aos gestores sem lugar de origem na função pública, não é possível configurar,
num juízo de prognose abstracta, o seu ingresso imediato numa função remunerada,
pelo que tem justificação que a sua indemnização consista no recebimento dos
vencimentos de gestor perdidos por inteiro.
Há ainda que tomar em consideração que a relação de emprego público que os
gestores requisitados mantêm após a sua exoneração nos serviços de origem é
caracterizada por determinadas limitações que também explicam as diferenças
indemnizatórias em caso de exoneração, relativamente aos gestores que não são
sujeitos dessa relação.
Na verdade, é a própria Constituição, na redacção resultante da Revisão de 1982,
que prescreve expressamente, em matéria de regime da função pública, por um
lado, que não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos
casos expressamente admitidos por lei (artigo 269.º, n.º 4), e, por outro lado,
que a lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou
cargos públicos ou de outras actividades (artigo 269.º, n.º 5).
Acresce que esse regime especial em matéria de acumulação de funções também é
aplicável aos funcionários e agentes da administração local, como a Recorrente
(artigo 243.º, n.º 2, da C.R.P.).
É fácil compreender o alcance destes traços específicos do regime da função
pública.
Conforme assinalam JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS em anotação ao artigo 269.º da
Constituição “…a ratio do n.º 4 encontra-se no princípio da necessária eficácia
e unidade de acção da Administração (art. 267.º, n.º 2). Trata-se de acautelar o
cumprimento por parte dos funcionários e agentes das suas tarefas e de, à luz
dos princípios de universalidade e de igualdade (artigos 12.º e 13.º), fazer
corresponder a cada emprego ou cargo um funcionário ou agente e flanquear o
acesso à função pública dos que satisfaçam os correspondentes requisitos…” (in
Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, pág. 623, da ed. de 2007, da Coimbra
Editora,).
Por outro lado, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA ensinam que “a prescrição do n.º 5
traduz uma imposição legiferante de estabelecimento de incompatibilidades, de
modo a garantir não só o princípio da imparcialidade da Administração (cfr. art.
266.º-2) mas também o princípio da eficiência (boa administração). Trata-se de
impedir o exercício de actividades privadas que, pela sua natureza ou pelo
empenhamento que exijam, possam conflituar com a dedicação ao interesse público
ou com o próprio cumprimento dos horários e tarefas da função pública” (in
Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.º vol, pág. 948, da 3.ª Edição,
da Coimbra Editora),
“Entende-se ser mais rentável e eficaz para o interesse colectivo – afirma PAULO
VEIGA E MOURA (in ob. cit., p. 437) – que os funcionários e agentes só se
preocupem com o desempenho das funções próprias da sua categoria, não devendo a
sua atenção, dedicação e esforço serem partilhados na prossecução de outros
interesses”.
Não obstante a denunciada “fuga para o direito privado” a que se tem assistido
em vários domínios da Administração Pública para reagir contra o excessivo peso,
a inércia e ineficácia da máquina administrativa, a verdade é que o legislador
constituinte adoptou um modelo específico de organização dos recursos humanos da
Administração Pública, distinto do modelo laboral privado, cuja justificação
reside na prossecução do interesse público e na vinculação aos princípios da
igualdade, proporcionalidade, boa fé, justiça e imparcialidade (Vide CLÁUDIA
VIANA, em “O conceito de funcionário público – tempos de mudança-”, in Scientia
Jurídica, tomo LVI, n.º 312, Out.-Dez. 2007, pág. 610-614).
O legislador ordinário tem tornado operativo o referido comando constitucional
em matéria de proibição de acumulação de empregos ou cargos públicos e de
estabelecimento de incompatibilidades entre o exercício de funções públicas e o
de outras actividades.
Tomando apenas por referência a legislação vigente no período durante o qual a
recorrente foi nomeada para exercer as funções de vogal do conselho directivo do
INH – entre 1 de Setembro de 2001 e 31 de Agosto de 2004 –, importa dar conta
das soluções adoptadas nas referidas matérias nalguns diplomas com maior
relevância explicativa para o caso concreto:
a) Os membros do conselho directivo do INH, sujeitos ao regime especial do
Estatuto do Gestor Público, estavam obrigados a exercer as suas funções a tempo
inteiro (artigo 8.º. n.º 3, do Decreto-Lei n.º 202-B/86, de 22 de Julho, nas
redacções sucessivamente dadas pelo Decreto-Lei n.º 460/88, de 14 de Dezembro, e
pelo Decreto-Lei n.º 243/2002, de 5 de Novembro).
b) Paralelamente, o pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração
central e local do Estado, e da administração regional, bem como, com as
necessárias adaptações, dos institutos públicos que revistam a natureza de
serviços personalizados ou de fundos públicos, exercia funções em regime de
exclusividade, estando, assim, a acumulação de cargos ou lugares públicos
remunerados, bem como o exercício de actividades privadas pelos titulares dos
cargos dirigentes, dependentes de previsão legal expressa ou de autorização do
membro do Governo competente (artigo 22.º, n.os 1 a 3, da Lei n.º 49/99, de 22
de Junho).
c) Residualmente, o exercício de funções públicas nos serviços e organismos da
Administração Pública, incluindo os institutos públicos nas modalidades de
serviços personalizados do Estado e de fundos públicos, também era norteado pelo
princípio da exclusividade, estando, assim, a acumulação de cargos ou lugares na
Administração Pública dependente de autorização nos casos e nas condições
previstos na lei, e o exercício de outras actividades pelos funcionários ou
agentes do Estado dependente de autorização prévia do membro do governo
competente (artigos 1.º, n.º 1, e 12.º, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de
Junho, e artigos 31.º e 32.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro).
d) Os funcionários autárquicos, nomeadamente os assessores principais, também se
encontravam mutatis mutandis sujeitos às limitações referidas em último lugar
(artigos 1.º, n.º 1, e 8.º, do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de Outubro).
e) Finalmente, a partir de 1 de Fevereiro de 2004, os membros dos conselhos
directivos dos institutos públicos passaram a estar sujeitos ao estatuto do
pessoal dirigente da Administração Pública, aprovado pela aludida Lei n.º 49/99
(artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro, que aprovou a lei
quadro dos institutos públicos).
Da referido quadro normativo resulta que o legislador ordinário não deixou de
acentuar a exigência constitucional da regra geral de exercício de funções
públicas com carácter de exclusividade e a excepcionalidade da acumulação de
funções públicas.
E é no âmbito da filosofia orientadora desse quadro que também se deve ler o n.º
6, do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 484/82, de 9 de Dezembro.
Assim, à luz desta orientação constitucional, é fácil de entender que a lei,
coerentemente, também queira impedir um funcionário público, que exerceu
transitoriamente as funções de gestor público, de alcançar, pela exoneração, o
benefício patrimonial correspondente à acumulação de funções públicas que, em
princípio, lhe estava estatutariamente negado, quer antes, quer até durante a
própria requisição.
Ora, esta limitação não ocorre na situação dos gestores públicos sem lugar de
origem na função pública que também tenham sido exonerados por mera conveniência
de serviço, os quais podem retomar plenamente o exercício de outras funções
remuneradas no sector privado após a exoneração, porque deixam de estar sob a
incidência de qualquer proibição ou restrição de acumulação de funções
remuneradas – sendo certo que, ressalvadas as necessárias e pertinentes
incompatibilidades legalmente fixadas, estes gestores públicos até já gozavam de
alguma generosidade nesta matéria de acumulação de funções privadas durante o
próprio mandato como vogal do conselho directivo do INH, conforme resulta do
regime jurídico menos vinculado em matéria de autorização de exercício de outras
funções remuneradas que se encontrava estatuído no artigo 11.º, n.º 2, do EGP de
1982, e no art. 8.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 202-B/86, na redacção dada pelo
Decreto-Lei n.º 460/88, de 14 de Dezembro.
Do exposto resulta que a diferenciação entre as indemnizações fixadas à forfait
para a exoneração por conveniência de serviço dos gestores requisitados e dos
gestores sem lugar de origem na função pública, não é de modo algum arbitrária,
revelando-se perceptivelmente fundamentada.
Mas, se a Recorrente aceita que a sua indemnização tenha como critério a
diferença entre o vencimento de gestor público e aquele que vai auferir no seu
lugar de origem, o mesmo já não sucede no que respeita ao valor do limite máximo
da sua indemnização, na interpretação da decisão recorrida.
Entendeu o acórdão recorrido, lendo conjugadamente os n.º 2 e 6, do artigo 6.º,
do Decreto-Lei n.º 484/82, de 9 de Dezembro, que a indemnização devida aos
gestores requisitados, não pode ser superior à diferença existente entre as
remunerações vincendas como gestor público e as processadas no seu lugar de
origem, durante o período de um ano, enquanto a indemnização devida aos gestores
sem lugar de origem na função pública tem como limite o total das remunerações
vincendas como gestor público durante o mesmo período de um ano (n.º 2, do
artigo 6.º).
Nesta interpretação, a ambas as indemnizações à forfait encontra-se aposto um
tecto, através do estabelecimento de um número máximo de remunerações vincendas
que podem ser consideradas para efeito do seu cálculo.
Com a imposição destes tectos ameniza-se a responsabilidade do Estado, de forma
a diminuir o risco de serem pagas indemnizações acima do valor real dos
prejuízos sofridos, por força da fixação abstracta antecipada do montante
indemnizatório devido pela exoneração por conveniência de serviço. Assentando
essa fixação num juízo de prognose abstracta, entendeu-se que só é possível
prever que os gestores exonerados vão perder a diferença entre os dois
vencimentos (no caso dos gestores requisitados) ou o vencimento de gestor por
inteiro (no caso dos gestores sem lugar de origem na função pública) por um
período de um ano, mercê da volatilidade das condições de vida profissional.
Estando esses tectos, na interpretação da decisão recorrida, numa relação de
proporcionalidade directa, relativamente ao valor daquelas duas diferentes
indemnizações, pode dizer-se que eles integram uma solução jurídica global da
questão do cálculo do montante indemnizatório devido pela exoneração dos
gestores públicos, por conveniência de serviço.
O critério adoptado para a fixação dos tectos é exactamente o mesmo para as duas
indemnizações - perda de retribuições durante um ano -, resultando apenas em
valores diferentes porque a indemnização dos gestores requisitados é calculada
em função da diferença entre a remuneração que auferiam como gestores públicos e
a que vão auferir no seu lugar de origem na função pública, e a indemnização dos
gestores sem esse lugar corresponde por inteiro à remuneração que auferiam como
gestores públicos.
A diferença de tectos reflecte, pois, apenas a diferença de critérios de cálculo
das duas indemnizações, pelo que as razões desta última diferenciação se
estendem à diferença dos limites máximos das duas indemnizações.
Isto é, se o regime da requisição, com conservação do lugar de origem na função
pública, justificava que a indemnização pela exoneração por conveniência de
serviço atribuída ao gestor público requisitado fosse inferior à do gestor
público sem lugar de origem na função pública, também justifica que os tectos
apostos a estas indemnizações reflictam essa diferença, na mesma medida.
Por isso, também a diferenciação dos limites máximos destas duas indemnizações
não se revela arbitrária, uma vez que não se verifica que das escolhas de regime
feitas pelo legislador ordinário, na interpretação fiscalizada, resultem
diferenças de tratamento entre os gestores públicos exonerados por conveniência
de serviço que não encontrem justificação em fundamentos perceptíveis,
inteligíveis e razoáveis, tendo em conta as finalidades que, com a medida da
diferença, se visaram.
*
Decisão
Nestes temos decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 6.º, n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, na interpretação segundo a qual a
indemnização devida ao gestor público, que exerça as suas funções em regime de
requisição, não pode ser superior à diferença existente entre as remunerações
vincendas como gestor público e as processadas no seu lugar de origem, durante o
período de um ano.
b) e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto para o Tribunal
Constitucional por A. do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes
autos em 4 de Junho de 2009.
*
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 3 de Março de 2010
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos