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Processo n.º 119/10
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa,
A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da
Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),
do despacho do relator naquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si
interposto, para o Tribunal Constitucional.
A reclamação tem o seguinte teor:
«A., tendo sido notificado do Despacho do Tribunal da Relação de Lisboa, 6.ª
Secção, que não admite o recurso interposto para esse Tribunal Constitucional,
porque não se conforma com o mesmo, vem junto de Vossas Excelências mui
respeitosamente, reclamar do mesmo, salvo erro nos termos do art.° 76.°, n.° 4,
da Lei do Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
1°
Pela mesma Relação de Lisboa e pela mesma secção, foi admitido recurso idêntico
para o Tribunal Constitucional, no proc.° 4461/06.6YXLSB.L1, do recorrente B.,
irmão do ora reclamante, e cujos autos correm naquele tribunal, na 1.ª secção,
proc.° n.° 1039/09, em reclamação para a conferência.
2°
Só pela identidade plena das situações em ambos os processos, justificar-se-ia a
admissão do recurso para esse Tribunal Constitucional pelo tribunal a quo.
3°
Por outro lado, os fundamentos invocados com base no art.° 70.°, alíneas a), b)
e i), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, com todo o respeito, são adequados à
situação sub judice, porque, desde o início da causa, em todos os articulados, o
ora reclamante, tem apelado, directa e indirectamente, que as normas da alínea
a) do art.° 87.°, das alíneas b), dos arts.° 88.° e 89.º e a alínea a), do n.°
1, do art.° 90.° e do n.° 1, do art.° 91.° do Código do Registo Civil, com as
alterações do Decreto-Lei n.° 273/2001 de 13 de Outubro, só poderão ser
interpretadas em conformidade com a Constituição da República Portuguesa, no
caso concreto, ex-vi Decreto- Lei n.° 308-A/75, art.° 1°, n.° 1, alínea b),
Preâmbulo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e arts.° 1°, 4.º, 7.º, n.°
1, 8.°, 9.°, b) e d), 12.°, n.° 1, 13.°, 16.°, n.° 2, 18.°, 26.°, ns.° 1 e 4 e
33.°, n.°s 1 e 3, todos da C.R.P., se a declaração da nulidade do registo ficar
em suspenso, a fim de não afectar a nacionalidade portuguesa originária do ora
reclamante.
4º
Posto isto, quer por identidade de casos, quer por se verificarem os
pressupostos legais de admissibilidade do recurso, deve esta reclamação
proceder, sendo admitido o recurso para o Tribunal Constitucional.»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos
termos que se seguem:
«1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver
apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 87.° e 88.° do Código
de Registo Civil.
2. Embora nas alegações perante a Relação, o recorrente tivesse referido aquele
artigo 88.°, além de diversos preceitos constitucionais, nunca o fez enunciando
uma questão da inconstitucionalidade normativa, única que o Tribunal
Constitucional teria competência para conhecer.
3. Ora, a única questão que as instâncias apreciaram, consistia na verificação
da existência, ou não, de fundamento legal para o cancelamento do averbamento
n.° 1, ao assento de nascimento, relacionado com a naturalidade do avô paterno
do recorrente, tendo-se concluído que se verificava fundamento legal para esse
cancelamento.
4. Como se diz no acórdão recorrido, “não está compreendido no objecto da acção
de justificação a apreciação de outros efeitos jurídicos de nulidade do
registo”.
5. A questão de inconstitucionalidade colocada pelo recorrente, está,
exclusivamente, relacionada com a manutenção da nacionalidade, ou seja, com um
eventual efeito jurídico de nulidade.
6. Parece-nos, pois, claro, que as normas questionadas pelo recorrente não foram
aplicadas na decisão recorrida.
7. Quanto à referência às alíneas a) e i) do n.° 1 do artigo 70.º da LTC,
entendemos que a sua invocação não tem qualquer sentido.
8. O recorrente refere que num caso idêntico, o recurso de constitucionalidade
fora admitido.
9. Na verdade, no Proc. 1032/09, da 1.ª Secção, o recurso foi admitido no
tribunal a quo, no entanto, tendo sido proferida Decisão Sumária a não tomar
conhecimento do recurso, na sequência de reclamação para a conferência, foi
proferido o Acórdão n.° 53/2010 que indeferiu a reclamação, confirmando a
decisão reclamada.
10. Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
3. Dos autos emergem os seguintes elementos relevantes para a presente decisão:
- A. interpôs, junto do 8.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, recurso
contencioso, nos termos do artigo 289.º, n.º 5, do Código do Registo Civil, da
decisão do Conservador da Conservatória dos Registos Centrais, proferida no
processo de justificação administrativa, que declarou a nulidade e ordenou o
cancelamento do averbamento n.º 1 lavrado à margem do seu assento de nascimento
(que indicava ser o seu bisavô paterno natural de Famalicão), na sequência de
ter sido declarado nulo, por falsidade, e determinado o cancelamento do
averbamento referente à naturalidade do avô paterno no assento de nascimento de
seu pai, José Joaquim Soares.
- Por sentença do 8.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa foi confirmado o despacho
que declarou a nulidade e determinou o cancelamento do referido averbamento n.º
1.
- Desta sentença o impugnante interpôs recurso para o Tribunal da Relação de
Lisboa que, por acórdão de 17.12.2009, negou provimento ao recurso.
- Ainda inconformado, o impugnante interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo das alíneas a), b) e i) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
do Tribunal Constitucional, para apreciação, em síntese, da seguinte questão:
que a sua nacionalidade originária portuguesa, a ser-lhe retirada por via de um
acto registral da Conservatória, ainda que, com base num registo nulo, esse acto
assente em normas, artigos 87.º e 88.º do Código do Registo Civil, só poderia
ser considerado inconstitucional no caso concreto, porque viola uma
interpretação material conforme à Constituição, designadamente contrária, entre
outros, aos artigos 1.º, 7.º, n.º 1, 4.º, 8.º, 9.º, alíneas b) e d), 12.º, n.º
1, 13.º, 16.º, 18.º, 26.º, n.ºs 1 e 4, e 33.º, n.ºs 1 e 3, todos da
Constituição.
- Por despacho de fls. 346, ora reclamado, o recurso não foi admitido no
Tribunal da Relação de Lisboa, com os seguintes fundamentos:
«O Agravante veio interpor recurso do acórdão de fls. 327 a 331 para o Tribunal
Constitucional, nos termos do requerimento de fls. 341 a 345.
O Agravante fundamentou o recurso nas alíneas a), b) e i), primeira parte, do
n.° 1 do art. 70.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro.
Desde logo, encontra-se afastado o fundamento constante da referida alínea a),
na medida em que o acórdão não recusou a aplicação de qualquer norma, com
fundamento na inconstitucionalidade.
Por outro lado, quanto à mencionada alínea b), não se suscitou no processo
qualquer inconstitucionalidade relativamente às normas aplicadas do Código do
Registo Civil, como se referiu expressamente no acórdão (fls. 330), sendo certo
que o objecto da acção de justificação administrativa estava limitado à
declaração de nulidade do acto de registo, por falsidade, e respectivo
cancelamento.
Para além disso, também é manifesto que o fundamento da aludida alínea i) é
inapropriado para fundamentar o recurso, por inexistência nos autos da
respectiva situação.
Nestes termos, indefere-se o requerimento de fls. 341 a 345, não se admitindo o
recurso para o Tribunal Constitucional.
Notifique.»
4. Pelas razões já avançadas pelo Ministério Público, a presente reclamação é de
indeferir.
Embora refira que pretende interpor o recurso de constitucionalidade
ao abrigo das alíneas a), b) e i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, é manifesto
que o recurso, a ser admitido, só o poderia ser ao abrigo da referida alínea b),
uma vez que não estão verificadas, nem sequer foram alegadas, as condições que
determinam a interposição de recurso ao abrigo das citadas alíneas a) e i).
Por outro lado, também não estão verificados os pressupostos
necessários ao conhecimento do objecto de um recurso interposto ao abrigo da
alínea b).
Primeiro, porque o reclamante não suscitou, perante o tribunal
recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa idónea a
constituir objecto de um recurso de constitucionalidade, que, aliás, também não
foi capaz de enunciar no requerimento de interposição do recurso ou na presente
reclamação.
Nas alegações do recurso que interpôs para a Relação de Lisboa, o reclamante
limitou-se a invocar a inconstitucionalidade de «qualquer outro entendimento que
passe pela não paralisação dos efeitos da declaração de nulidade do referido
registo com a derivada perda da nacionalidade originária portuguesa» (cfr.
conclusão 5) das alegações, a fls. 254 dos autos). Ou seja, o reclamante não
imputou o vício de inconstitucionalidade a uma qualquer norma ou interpretação
normativa (que nunca identifica), mas antes aos “efeitos” que, “no seu caso
concreto” terá a referida declaração de nulidade do registo.
Em segundo lugar, a questão colocada pelo reclamante prende-se, como referido,
com os efeitos da declaração de nulidade do registo. Ora, o acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa afirma expressamente que tal questão está fora do objecto
da acção, não podendo, por isso, ser apreciada (cfr. ponto 2.2. do acórdão). O
que significa que ainda que fosse possível identificar as normas reputadas
inconstitucionais pelo reclamante (o que, como vimos, não é possível), sempre se
teria de concluir que tais normas não foram aplicadas pelo tribunal recorrido,
como ratio decidendi da sua decisão.
Por último, resta dizer que o caso idêntico pendente neste Tribunal
Constitucional, a que o reclamante alude na reclamação, foi decidido pelo
Acórdão n.º 53/2010, no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o
recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 3 de Março de 2010
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos