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Processo n.º 857/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência da 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida
pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não conhecer do recurso de
constitucionalidade.
2 – Fundamentando a reclamação, o reclamante aduziu, em longo
articulado, as seguintes razões que fez constar de síntese conclusiva:
«1. O recurso de inconstitucionalidade de normas aplicadas pelo Presidente do
Tribunal da Relação de Évora, ao indeferir uma reclamação apresentada ao abrigo
do art. 688° do CPC, tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos.
2. O Tribunal Constitucional tem, nos autos, todos os elementos necessários
para conhecer a exacta dimensão normativa das normas aplicadas pelos tribunais
recorridos e que o recorrente aponta como inconstitucionais.
3. O ónus de alegar e formular conclusões nos recursos interpostos para o
tribunal Constitucional rege-se pelo disposto no art. 685°-A do CPC, por força
do disposto no art. 79°-B, nº 1, da LTC.
4. Nos termos do disposto no nº 2, al. b), do art. 685°-A do CPC, é nas
conclusões das alegações que o recorrente deve indicar o sentido com que, no
entender do recorrente, a normas que constituem fundamento jurídico da decisão
deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
5. Caso o recorrente, nas sua alegações, não proceda às especificações
impostas por este nº 2, teria aplicação o nº 3 do mesmo artigo – o relator deve
convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo
de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.
6. Ao antecipar, para o requerimento de interposição do recurso, aquilo que
deve constar das alegações, o Exmo. Relator está a impor ao recorrente a
duplicação, inútil, de um acto.
7. A dimensão normativa das normas questionadas resulta clara do teor das
decisões recorridas, facilmente apreensível pelo Tribunal Constitucional, sem
necessidade da intermediação interpretativa, sempre susceptível de inconsciente
falibilidade, do recorrente.
8. Intermediação essa, do recorrente, que, de qualquer forma, nunca
evitaria que o Tribunal Constitucional se debruçasse sobre o teor das decisões
recorridas, para alicerçar do preenchimento do requisito referido no art. 70°-A,
nº 1, al. b) da LCT.
9. Essa intermediação interpretativa do recorrente revela-se, nesta fase do
recurso, anterior às alegações, inútil.
10. As instâncias recorridas fazem uma interpretação restritiva do conceito
de “decisão” contido nos nºs 1 e 2 do art. 685° do CPC, na redacção anterior ao
DL 303/2007, de 24.08, ao entender que decisão é decomponível na decisão
propriamente dita e nos fundamentos, que podem chegar ao conhecimento do
interessado em momentos distintos, O prazo para o recurso contar-se-ia a partir
da notificação da decisão propriamente dita, mesmo que desacompanhada dos
fundamentos. É feita uma interpretação restritiva do termo “decisão” contido nos
nº 1 e 2 do art. 685° do CPC, considerando que abrange apenas a parte decisória,
desacompanhada da respectiva fundamentação
11. As decisões recorridas interpretam a expressão “desde que documentados no
respectivo auto ou acta” como significando que a acta vale mesmo que não esteja
preenchido um elemento indispensável à sua validade – a sua assinatura pelo
juiz.
12. Ao identificar as normas cuja inconstitucionalidade suscita e ao remeter
para a “interpretação que lhes foi dada pelas primeira e segunda instâncias”, o
recorrente remete directamente para o texto das decisões à disposição do
Tribunal Constitucional nos autos, sendo desnecessária a intermediação
interpretativa de tais textos pelo recorrente, pertinente apenas na formulação
das alegações e respectivas conclusões.
Nestes termos, deverá o processo prosseguir, com a notificação do
recorrente para apresentar as suas alegações, nos termos do disposto no nº 5
do art. 78°-A».
3 – A reclamada Câmara Municipal de Vila Real de Santo António não
respondeu à reclamação.
4 – A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal
Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), considerando que “são
inconstitucionais, na interpretação que lhes foi dada pelas primeira e segunda
instâncias, as normas dos artigos 260.º e dos n.ºs do art. 685.º, todos do
Código de Processo Civil”.
2 – Integrando-se o presente caso concreto no âmbito da hipótese
normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC), e atento o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma,
passa a decidir-se com os seguintes fundamentos.
3 – O presente recurso vem interposto ao abrigo da norma do artigo
70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
Como é consabido, cabe ao recorrente a delimitação do objecto do recurso em
termos de indicar clara e adequadamente a norma cuja constitucionalidade deseja
ver fiscalizada pelo tribunal, exigência esta expressamente referida no artigo
75.º-A, n.º 1, da LTC.
Vem este Tribunal reiterando sucessivamente que nada impede que, ao invés de se
controverter a inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas
um seu segmento ou uma determinada dimensão normativa (cf., entre a abundante
jurisprudência do Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 367/94 – publicado no
DR II série, de 7 de Setembro de 1994).
Daí decorre, no entanto, que, estando essencialmente em causa a sindicância de
um resultado metodológico inferido a partir das disposições legais, é sempre
imperioso que se identifique, com precisão, a dimensão ou interpretação
normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, não podendo tal
identificação reduzir-se a uma mera referência à “interpretação dada”, numa ou
mais decisões judiciais, a vários artigos de um diploma legal, sem o seu
enunciado ou a sua indicação precisa, razão pela qual não basta a afirmação de
que se pretendem ver fiscalizadas a “aplicação e interpretação dos artigos” ou
“a interpretação normativa atribuída pelos tribunais às normas”, sem que se
concretizem minimamente as dimensões normativas relevantes para efeito do
recurso de constitucionalidade.
Essa definição cabe ao recorrente e é imprescindível, quer para delimitar os
poderes de cognição do Tribunal Constitucional, quer para lhe permitir verificar
se estão ou não preenchidos os demais requisitos de admissibilidade do recurso
interposto, sendo que tal ónus não se pode dar por cumprido quando o recorrente
apenas indica pretender ver fiscalizada determinada interpretação normativa dada
pelo tribunal a quo a determinados preceitos legais, sem definir,
especificadamente, qual é a norma (dimensão normativa) que constitui objecto do
recurso de constitucionalidade, sendo que, nem mesmo após o convite realizado ao
abrigo do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, o recorrente indicou de modo
processualmente adequado quais a(s) norma(s) cuja constitucionalidade pretendia
ver apreciada(s), razão pela qual não se encontram cumpridos os ónus processuais
determinantes para que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do
recurso.
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não
tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo Recorrente com 7 (sete) UCs de taxa de justiça».
B – Fundamentação
5 – O efeito do recurso de constitucionalidade relativamente à
decisão recorrida (suspensivo ou devolutivo) em nada interfere com o ónus do
recorrente de definir o objecto do recurso de constitucionalidade ou seja, a
concreta norma/dimensão normativa/critério normativo de direito
infraconstitucional impugnado.
Este é um aspecto que tem que ver, apenas, com o grau de eficácia
imediata da decisão recorrida e não com o objecto do recurso de
constitucionalidade, este consubstanciado na norma jurídica constitucionalmente
impugnada.
No recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, o pedido
é o de que seja julgado constitucionalmente válida ou inválida uma concreta
norma.
Assim sendo, por decorrência dos princípios da autonomia das partes
e da auto-responsabilidade processual, não pode essa norma deixar de ser
definida pelo recorrente (cf. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização
Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, p. 35).
É a ele que lhe cabe definir a pretensão cuja satisfação procura
alcançar, para a situação concreta sob litígio, através da aplicação da norma
constitucionalmente sindicada.
Deste modo, não cabendo ao Tribunal Constitucional definir o pedido,
não pode igualmente determinar que norma o recorrente pretende ver apreciada.
Esse é, pois, um ónus que cabe ao recorrente satisfazer, num
primeiro momento, no requerimento de interposição do recurso, de acordo com o
disposto no artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, e, em ultima oportunidade, na resposta
ao convite previsto nos n.ºs 5 e 6 do mesmo artigo.
Dizendo respeito à definição do objecto do recurso de
constitucionalidade e não aos seus fundamentos, não tem pertinência a convocação
das disposições do Código de Processo Civil respeitantes às alegações, suas
deficiências e possibilidade de sanação.
A última oportunidade de suprimento do vício de falta de definição
da norma constitucionalmente impugnada acontece na resposta ao convite acabado
de precisar, momento no qual se limitou, porém, a repetir os termos do
requerimento de interposição do recurso.
Ora, o recorrente foi convidado para o efeito, não lhe tendo dado
satisfação. Assim sendo, não pode a reclamação ser atendida.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa
de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 03/03/2010
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos