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Processo n.º 966/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., B. e C. reclamam para a conferência, ao abrigo do disposto
no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual
versão (LTC), da decisão do relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não
conhecer do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Tribunal da
Relação de Guimarães, de 21 de Setembro de 2009, que, por seu lado, negou
provimento ao recurso interposto do acórdão do tribunal colectivo da Vara de
Competência Mista de Braga que os condenara, pela prática de um crime de abuso
de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela
Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º
64-A/2008, de 31 de Dezembro.
2 – Fundamentando a sua reclamação, aduzem os reclamantes o
seguinte:
«1 – Ab initio, os reclamantes têm vindo a pugnar pela inconstitucionalidade do
Douto entendimento contido na Douta Acusação, na Douta Sentença de primeira
instância e no Douto Acórdão recorrido,
2 – tendo os reclamantes invocado e suscitado essa inconstitucionalidade ao
longo de todo o processo,
3 – designadamente, nas contestações apresentadas na Primeira Instância, nas
alegações de recurso para a Veneranda Relação de Guimarães e no recurso para
este Alto Tribunal.
4 – Entendem os reclamantes que o Douto Entendimento contido no Douto Acórdão
recorrido viola os arts. 12, 13, 27, 28 e 32, todos da CRP e os princípios
constitucionais da igualdade, da legalidade, da razoabilidade, da adequação, da
proporcionalidade, da garantia e efectivação dos direitos fundamentais e da
dignidade da pessoa humana e ao direito à integridade (liberdade),
5 – pelo que interpuseram o presente recurso.
6 – O Douto Acórdão recorrido faz uma aplicação do art. 14, RGIT e do art. 51 do
CPenal com o qual os reclamantes não se conformam
7 – e cuja inconstitucionalidade parece manifesta,
8 – ao condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da
prestação tributária,
9 – cujo montante ë incomportável, face nomeadamente à situação financeira dos
reclamantes,
10 – que além do mais estão desempregados (os reclamantes B. e C.), auferindo o
reclamante A. o vencimento mensal de 800 euros.
11 – O que está, pois, em causa no presente recurso é tão somente aferir da
conformidade constitucional da suspensão da execução de pena de prisão ao
pagamento por arguidos desempregados (ou com rendimentos inferiores a 1000
euros) e sem qualquer actuação dolosa ou sequer grosseiramente negligente de
impostos no valor de várias centenas de milhares de euros.
12 – Ao aludir e remeter os reclamantes para as contestações apresentadas na
Primeira Instância, para as alegações de recurso para a Veneranda Relação de
Guimarães, para o requerimento de interposição de recurso para este Alto
Tribunal e para o Douto Voto de Vencido (fls. 15 a 25) constante do Douto
Acórdão recorrido, consideraram que estavam a dar cumprimento à obrigação que
sobre si impendia de dar a conhecer a questão suscitada,
13 – e de identificar os preceitos legais cuja aplicação e interpretação gera a
inconstitucionalidade invocada,
14 – uma vez que essas alusão e remissão foram expressas.
15 – resultando manifesto que os preceitos cuja inconstitucionalidade se
pretende que este Alto Tribunal aprecie são os referidos art. 14, RGIT e do art.
51 do CPenal.
16 – Todavia, ao não admitir o recurso apresentado pelos reclamantes, este Alto
Tribunal, adoptando um Douto Entendimento formalista, obsta a que essa
inconstitucionalidade seja apreciada,
17 – e que os reclamantes possam ser confrontados, mercê da
inconstitucionalidade invocada, com a revogação da suspensão da pena de prisão
dos autos (e com a consequente privação da liberdade),
18 – apesar de, ainda que por remissão, terem dado cumprimento à obrigação de
identificação dos preceitos legais cuja inconstitucionalidade é suscitada.
19 – Parece, pois, que, salvo o devido respeito por opinião e entendimento
diversos, deverá ser considerado que os reclamantes deram cumprimento ao ónus
processual que sobre si impendia e que o recurso seja admitido».
3 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional,
respondeu defendendo o indeferimento da reclamação, na medida em que “não são
adiantados quaisquer novos argumentos que possam abalar o teor da decisão
sumária proferida, limitando-se os reclamantes a renovar argumentação por si
anteriormente utilizada”.
4 – Na parte útil à economia da reclamação, a decisão sumária
reclamada tem o seguinte teor:
«[…]
3 – Convidados pelo relator, no Tribunal Constitucional, nos termos
do n.º 6 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual
versão (LTC), a dar cabal cumprimento às exigências estabelecidas neste mesmo
artigo 75.º-A, os recorrentes responderam do seguinte modo:
«[…]
No cumprimento do Douto Despacho de fls.
Vêm dizer que o presente recurso é interposto ao abrigo do disposto nos arts.
70, nº 1, b, 72, nº 1, b), 75, nº 1 e 78, nº 1 todos da Lei nº 28/82, de 15/11,
Sendo as normas violadas:
• os arts. 12, 13, 27, 28 e 32 todos da CRP
e os princípios constitucionais violados;
• os da igualdade, da legalidade, da razoabilidade, da adequação, da
proporcionalidade, da garantia e efectivação do direitos fundamentais e da
dignidade da pessoa humana e do direito à integridade (liberdade)
Tais questões foram invocadas e suscitadas pelos recorrentes ao longo de todo o
processo,
Em especial
• nas contestações apresentadas na Primeira Instância,
• nas alegações de recurso para a Veneranda Relação de Guimarães,
• nas alegações de recurso para este Alto Tribunal.
A Jurisprudência anteriormente emanada que contraria o douto acórdão ora posto
em causa é composta nomeadamente pelos Doutos Acórdãos identificados e citados
em fls. 15 a 25 do Douto Voto de Vencido e os que, a título meramente
exemplificativo, constam das alegações do recurso interposto para Veneranda
Relação de Guimarães».
4 – Porque se configura uma situação que se enquadra no n.º 1 do
artigo 78.º-A da LTC, passa a decidir-se imediatamente.
5 – O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em cujo tipo se insere o
presente, tem como objecto uma norma, dimensão normativa ou critério normativo
que haja constituído a ratio decidendi ou o fundamento normativo da decisão
proferida no julgado impugnado.
Daí que o n.º 1 do artigo 75.-A da LTC exija que o recorrente, no
requerimento de interposição de recurso, indique “a norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie”.
Ora, os recorrentes não o fizeram, nem no requerimento inicial de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nem no articulado de
resposta ao convite efectuado pelo relator, no Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no n.º 6 desse mesmo artigo.
Os recorrentes limitam-se a afirmar o seu inconformismo com o
julgado de que recorrem, tal como acontece nos recursos interpostos para os
tribunais inseridos na hierarquia da respectiva instância.
Ora, o Tribunal Constitucional não só não é um tribunal inserido na
hierarquia dos tribunais, que tenha competência de cassação ou de reexame do
julgado sujeito a recurso, como, apenas, neste tipo de recurso, pode conhecer da
questão da validade da norma jurídica com base em cuja aplicação se distraiu a
decisão para o caso concreto.
Assim sendo, falece um dos pressupostos específicos do recurso de
constitucionalidade.
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide não conhecer do recurso.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça de 7 UCs.».
B – Fundamentação
5 – Os reclamantes limitam-se a repor a argumentação já apreciada na
decisão sumária, nada contrapondo à bondade da fundamentação em que esta se
abonou, nomeadamente quanto ao incumprimento dos requisitos necessários para a
interposição do recurso de constitucionalidade.
Deste modo a reclamação não pode deixar de ser indeferida.
De qualquer jeito, cabe lembrar, na perspectiva de que o recurso
sempre seria manifestamente improcedente, que nos Acórdãos n.º 256/03, 335/03,
376/03, 500/05, 543/06, 29/07, 61/07, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt, o Tribunal Constitucional decidiu julgar não
inconstitucional a “norma contida no artigo 14.º do RGIT, enquanto condiciona a
suspensão da execução da pena ao pagamento ao Estado das quantias em dívida
[...] e que, nos Acórdãos n.ºs 327/08 e 556/09, disponíveis igualmente no mesmo
sítio informático, ajuizou como sendo não inconstitucional “a norma do artigo
14.° do RGIT, em conjugação com os artigos 50.º e 51.º do Código Penal, na
redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, [quando] interpretada no
sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre
condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de duração da pena de
prisão concretamente determinada, de prestação tributária e acréscimos legais”.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação e condenar os reclamantes nas custas, fixando a
taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 03/03/2010
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos