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Processo nº 12/10
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Contas, em que são recorrentes A.,
B. e C. e é recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso,
ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele
Tribunal de 26 de Outubro de 2009.
2. Em 27 de Janeiro de 2010 foi proferida decisão sumária pela qual se entendeu,
entre o mais, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo
da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, com o seguinte fundamento:
«1. De acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que
há-de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer
(artigo 72º, nº 2, da LTC).
Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação
prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de uma qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa. Com efeito, os recorrentes não
questionaram a constitucionalidade de qualquer norma perante o Plenário da 3ª
Secção do Tribunal de Contas, quando responderam ao recurso interposto pelo
Ministério Público.
Importa, pois, concluir pelo não conhecimento do objecto do recurso interposto,
justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC».
3. Notificados desta decisão, os recorrentes vêm agora reclamar para a
conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, sustentando,
para o que agora releva, o seguinte:
«Na fundamentação da aludida decisão sumária, a Exmª Juíza Conselheira Relatora
refere que, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, cabe recurso
para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma
cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Sem dúvida que assim é.
Mas já não se concorda quando, imediatamente a seguir, considera que os
recorrentes não suscitaram a questão da inconstitucionalidade (e da
ilegalidade), de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, em termos de este ser obrigado a dela conhecer.
Vejamos porque não se concorda:
A questão da inconstitucionalidade foi levantada pelos ora recorrentes na
contestação que apresentaram no âmbito do Proc. nº 3 JRF/2008 – 3ª Secção, do
Tribunal de Contas.
Ao considerar que a questão deveria ter sido suscitada perante o Plenário da 3ª
Secção do Tribunal de Contas, quando responderam ao recurso interposto pelo
Ministério Público, a Exmª Juíza Conselheira Relatora faz, salvo o devido
respeito, uma interpretação manifestamente restritiva, e atentatória dos
direitos dos recorrentes, do que se deve entender por “processo”.
O processo iniciou-se com o pedido do Ministério Público, no Tribunal de Contas,
para que fosse reconhecido que os demandados, os ora recorrentes e outros três,
tinham incorrido em infracção financeira sancionatória e, consequentemente,
fossem condenados a pagar determinadas multas (Proc. nº 3 JRF/2008 – 3ª Secção,
do Tribunal de Contas).
Ora, na contestação, foi suscitada pelos aí seis demandados a questão da
inconstitucionalidade.
Na sequência da absolvição dos demandados, o M. P. junto do Tribunal de Contas
recorreu – estamos no mesmo “processo”.
Após a resposta dos demandados, foi proferido douto acórdão, que dispensou da
pena três dos demandados e condenou os outros três, ora recorrentes –
continuamos no mesmo “processo”.
Desse acórdão recorreram os aqui reclamantes, para o Tribunal Constitucional –
ainda estamos no mesmo “processo”.
Portanto, dúvidas não pode haver de que a questão foi suscitada durante o
processo».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público respondeu nos seguintes
termos:
«1º
Um dos requisitos da admissibilidade do recurso de constitucionalidade, consiste
na suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, por forma a que ele possa e deva dela conhecer.
2º
Sendo a decisão recorrida nestes autos, a proferida em 26 de Outubro de 2009,
pelo Plenário da 3ª Secção do Tribunal de Contas, o momento processual próprio
para suscitar a questão de inconstitucionalidade que os recorrentes, agora,
pretendem ver apreciada, era a resposta às alegações apresentadas pelo
Ministério Público, no recurso, por este interposto, da sentença que havia
absolvida os demandados.
3.º
Na reclamação, os recorrentes sustentam que levantaram a questão, na contestação
ao pedido formulado pelo Ministério Público.
4.º
Ora, a decisão proferida na sequência daquele pedido e da contestação, foi a que
absolveu os demandados, que não é a decisão recorrida, pelo que a não manutenção
de tal questão perante o Tribunal recorrido – na já referida resposta às
alegações do Ministério Público - equivale ao seu abandono (cfr. v.g. Acórdãos
nºs 252/2009 e 381/2009.
5º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da
LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea
b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, por não se poder dar como verificado o
requisito da suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Os
reclamantes sustentam que levantaram a questão da inconstitucionalidade na
contestação.
Ainda que os recorrentes tivessem suscitado a questão de inconstitucionalidade
na contestação e o tivessem feito de modo processualmente adequado, tê-lo-iam
feito perante a 3ª Secção do Tribunal de Contas e não, como é exigido, perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida (cf. artigo 72º, nº 2, da LTC). Sob
pena de se considerar que a questão de inconstitucionalidade foi abandonada,
sempre teria de ser recolocada perante o Plenário da 3ª Secção do Tribunal de
Contas na resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público (cf., entre
outros, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 292/2002, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Com inteira pertinência para os presentes autos, pode ler-se no Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 269/2004 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) o seguinte:
«Pressuposto do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da
LTC é o da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, durante o
processo.
Tal suscitação deve verificar-se perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, de modo processualmente adequado, nos termos estabelecidos no artigo
72º n.º 2 da LTC.
É assim irrelevante que a suscitação tenha ocorrido no recurso interposto de
decisão de 1ª instância para a Relação, quando o recurso de constitucionalidade
vem interposto de acórdão do STJ sobre recurso de acórdão da 2ª instância.
Neste caso, releva apenas a suscitação da questão de constitucionalidade feita
perante o STJ, de modo que este Tribunal se possa aperceber que, na ponderação
da solução de direito do recurso, se confronta com aquela questão e a deve
resolver.
E, para tanto, impõe-se que o recorrente tenha concretizado e substanciado a
alegação de inconstitucionalidade de uma determinada norma ou interpretação
normativa.
Quando, no recurso para o STJ, o recorrente para o Tribunal Constitucional
figure como recorrido, exige-se que, confrontado com a pretensão do então
recorrente de aplicação ao caso de uma norma ou interpretação normativa
(aplicação que é, então, plausível, na decisão do recurso), ele suscite, em
contra-alegações, a questão de inconstitucionalidade».
Resta, pois, confirmar a decisão sumária.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 2 de Março de 2010
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão