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Processo n.º 983/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I ? Relatório
1. A., inconformado com a decisão sumária proferida em 4 de Janeiro de 2010,
pela qual se determinou o não conhecimento do recurso de constitucionalidade que
havia tentado interpor para este Tribunal, vem dela reclamar dizendo o seguinte:
?1 ? A decisão de rejeição do presente recurso tem por base a consideração de
que não existe identidade integral entre o objecto do recurso ? tal como é
configurado pelo Recorrente ? e a ratio decidendi da decisão recorrida;
2 ? Concluindo a Decisão Sumária aqui reclamada pela impossibilidade de
conhecimento do Recurso.
3 ? Porém, salvo o devido respeito, não assiste razão à Decisão ora reclamada.
4 ? Efectivamente, o Recurso interposto para o presente Tribunal é efectuado ao
abrigo do disposto no artigo 70. °, n.° 1, alínea b) da Lei do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, com as
alterações posteriores.
5 ? E no qual se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos
artigos 113.°, n.° 9, 333.º, n.º 5, 411.°, n.° 1, alínea a), 414.°, n.° 2, 417.°,
n.° 6, alínea b) e 420.°, n.° 1 al. b) todos do Código de Processo Penal, quando
interpretadas e aplicadas no sentido em que o Tribunal recorrido considera que a
notificação ao arguido da Sentença condenatória realizada em primeiro lugar
prevalece sobre a notificação posterior feita no Estabelecimento Prisional onde
o arguido se encontra recluso, quando o Tribunal que as ordenou, após ter tido
esse conhecimento, dá ordem ao Comandante da P.S.P. para proceder à devolução
imediata do expediente relativo à primeira notificação sem cumprimento, não
tendo tal expediente até esse momento sido junto ao processo, nem até à data em
que o Tribunal a quo admite o recurso.
6 ? Conduzindo tal interpretação e aplicação, das referidas normas, à rejeição
do recurso interposto pelo arguido, dado que a Decisão em causa teve como
referência para a contagem do prazo para recurso a data da primeira notificação,
29 de Janeiro de 2009, e não a data da notificação feita, em 02 de Abril de 2009,
no Estabelecimento Prisional onde o arguido se encontra recluso.
7 - Colidindo, desse modo, com a sua liberdade, dado que a Sentença proferida
pela 1.ª Instância, que o ora recorrente pretende ver reapreciada, o condenou a
uma pena de prisão efectiva, concretamente 12 meses de prisão.
8 ? Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal Constitucional labora em erro
quando afirma que não existe identidade integral entre o objecto do recurso ?
tal como é configurado pelo Recorrente ? e a ratio decidendi da decisão
recorrida.
Senão vejamos,
9 ? O Tribunal da Relação de Lisboa considerou na sua Decisão Sumária, de 09 de
Setembro de 2009, que ?Compulsados os verifica-se que o arguido, tal como refere
no seu requerimento de interposição de recurso foi notificado no EP de Lisboa no
dia 02 de Abril de 2009 da sentença proferida nos autos, tal como se extrai da
certidão de fls. 109 dos autos?.
10 ? Mais afirmando na Decisão Sumária que ?Acontece, porém, que previamente a
esta notificação, já o arguido havia sido notificado da sentença condenatória
através das autoridades policiais, como se retira da certidão de fls. 168 verso,
na sequência do pedido realizado pelo tribunal a quo através do ofício n.°
7841952 de 21.10.2008, notificação pessoal essa que ocorreu no dia 29 de Janeiro
de 2009 e se mostra assinada pelo arguido?.
11 ? Concluindo o mesmo Tribunal que ?Sendo o prazo de recurso o estabelecido no
artigo 411.º CPP mesmo se considerarmos o mais alargado referido no seu n.° 4
apesar de a impugnação não ter por objecto a reapreciação da prova gravada,
certo é que tendo por referência aquela data da primeira notificação, o recurso
mostra-se extemporâneo, pelo que se rejeita o mesmo nos termos dos art.°s 414° n.°
2, 417° n° 6 al. B) e 420° n.° 1 al. B) todos do CPP?.
12 ? Ora, cumpre afirmar, em primeiro lugar, que é aqui que surge a
interpretação e aplicação inconstitucional pelo Venerando Tribunal da Relação de
Lisboa das normas apontadas pelo Recorrente no recurso que apresentou para o
Tribunal Constitucional.
13 ? Sendo certo que a Conferência do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa
não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade das normas apontadas pelo
Recorrente, conforme decorre expressamente do texto do Acórdão proferido por
aquele Venerando Tribunal em 15 de Outubro de 2009.
Senão vejamos,
14 ? O ora Reclamante, no artigo 38.° da sua Reclamação para a Conferência do
Venerando Tribunal da Relação de Lisboa alegou que: ?A interpretação e aplicação
dos artigos 113.°, n.° 9, 333.°, n.° 5, 411.°, n.° 1, alínea a), 414.°, n.° 2,
417.°, n.° 6, alínea b) e 420.°, n.° 1 al. b) todos do Código de Processo Penal,
feita pelo Mmo. Juiz Relator e materializada na Decisão Sumária proferida é
inconstitucional, no sentido em que considera que a notificação ao arguido da
Sentença condenatória realizada em primeiro lugar prevalece sobre a notificação
posterior feita no Estabelecimento Prisional onde o arguido se encontra recluso,
quando o Tribunal que as ordenou, após ter tido esse conhecimento, dá ordem a
Comandante da P.S.P. para proceder à devolução imediata do expediente relativo à
primeira notificação sem cumprimento, não tendo tal expediente até esse momento
sido junto ao processo, nem até à data em que o Tribunal a quo admite o recurso.
15 ? Mais afirmou o ora Reclamante no artigo 390 da mesma Reclamação:
Conduzindo tal interpretação e aplicação à rejeição do recurso interposto pelo
arguido, dado que a Decisão reclamada teve como referência para a contagem do
prazo para recurso a data da primeira notificação, 29 de Janeiro de 2009, e não
a data da notificação feita, em 02 de Abril de 2009, no Estabelecimento
Prisional onde o arguido se encontra recluso?.
16 ? E ainda no artigo 40.° que ?A Decisão Sumária proferida é ilegal por violar
o disposto nos artigos 113.°, n.° 9, 333.°, n.° 5 e 411.°, n.° 1, alínea a) do
Código de Processo Penal e é inconstitucional por violar o artigo 32.°, n.° 1,
da Constituição da República Portuguesa?.
17 - Efectivamente, aquela Conferência, ao invés de debruçar-se sobre a
inconstitucionalidade das normas apontadas pelo Recorrente, limita-se a desviar-se
dessa apreciação, que se impunha, e opta por distorcer, com o devido respeito
que é devido, a questão essencial suscitada pelo Recorrente.
Com efeito,
18 ? Afirma a Conferência daquele Venerando Tribunal Superior que ?Vem agora o
recorrente dizer que tal notificação não poderia ser feita uma vez que o
tribunal solicitara o respectivo pedido de notificação sem cumprimento. Ora, se
analisarmos os autos, o pedido de devolução feito, a 27 de Março de 2009, pelo
tribunal é posterior ao cumprimento efectivo, a 29 de Janeiro de 2009, do pedido
de notificação por parte da autoridade policial, sendo irrelevante que a junção
da respectiva certidão de notificação tenha sido feita posteriormente.
Destinando-se a notificação a dar conhecimento do teor da sentença ao arguido,
certo é que a notificação feita através da autoridade policial cumpre essa
finalidade e, portanto, tem a virtualidade de desencadear a contagem do início
do prazo para o arguido exercer o seu direito ao recurso?.
19 ? Ou seja a Conferência da Relação nunca se pronunciou sobre a
inconstitucionalidade das normas apontadas pelo Recorrente, limitando-se apenas
a confirmar a decisão sumária na íntegra.
20 ? Sendo certo que a questão de inconstitucionalidade foi colocada pelo
Recorrente de forma atempada, clara e perceptível (acs. 269/94, 560/94, 102/95,
126/95, 155/95, 595/96).
21 ? E que, em momento algum, o Recorrente afirma o que lhe foi atribuído pela
Relação de Lisboa, a saber ?Vem agora o recorrente dizer que tal notificação não
poderia ser feita uma vez que o tribunal solicitara o respectivo pedido de
notificação sem cumprimento?, conforme decorre expressamente da reclamação
apresentada pelo Recorrente para a Conferência daquele Tribunal.
22 ? Realidade esta que não pode deixar de provocar profunda perplexidade ao
Recorrente.
23 ? Certo é que o não conhecimento por parte da Conferência do Tribunal da
Relação de Lisboa da inconstitucionalidade das normas apontadas pelo Recorrente,
quando podia e devia fazê-lo, equivale a aplicação implícita da mesmas, conforme
ac. 318/90.
24? Face ao que antecede, resulta que não procede, salvo todo o respeito que é
devido, a afirmação feita Exmo. Juiz Conselheiro Relator do Tribunal
Constitucional quando diz, na fundamentação da Decisão Sumária proferida, que ?no
caso em apreço, no entanto a dimensão normativa assacada pelo Recorrente aos
preceitos legais convocadas não coincide exactamente com as razões de decidir
patenteadas pela Relação. Com efeito, a Relação assenta a decisão no facto de
que, quando o tribunal de 1.ª instância formulou o pedido de devolução, sem
cumprimento, do expediente relativo à notificação policial da sentença, não
tinha conhecimento que tal notificação havia já sido lograda. Assim, a Relação
entendeu que a mesma ? já tendo sido efectuada, facto que até ao momento não era
do conhecimento do tribunal ? tinha a virtualidade de desencadear a contagem do
início do prazo para efeitos de eventual recurso?.
25 ? Com efeito, a Veneranda Relação de Lisboa, em momento algum assenta ou
baseia as suas Decisões, de 15 de Outubro e de 09 de Setembro de 2009, no facto
de que ?quando o tribunal de 1.ª Instância formulou o pedido de devolução, sem
cumprimento, do expediente relativo à notificação policial da Sentença, não
tinha conhecimento que tal notificação havia já sido lograda?, o que decorre
expressamente do teor da sua Decisão.
26 ? Aliás, o fio condutor da Relação de Lisboa é que o Arguido já tinha sido
notificado em 29 de Janeiro de 2009 da Sentença condenatória e, portanto a
segunda notificação realizada no dia 02 de Abril de 2009, já não tinha qualquer
efeito, não incidindo o juízo da Relação de Lisboa sobre se a 1.ª instância
tinha esse conhecimento ou não, conforme se pode confirmar nas suas Decisões.
27 ? Ou seja, o Tribunal da Relação de Lisboa deu valor absoluto à notificação
do Arguido que se realizou em primeiro lugar.
28 ? Saliente-se, de novo, a fundamentação da Relação de Lisboa, na sua Decisão
Sumária: ?Acontece, porém, que previamente a esta notificação, já o arguido
havia sido notificado da sentença condenatória através das autoridades policiais,
como se retira da certidão de fls. 168 verso, na sequência do pedido realizado
pelo tribunal a quo através do ofício n.° 7841952 de 21.10.2008, notificação
pessoal essa que ocorreu no dia 29 de Janeiro de 2009 e se mostra assinada pelo
arguido?.
29 ? Concluindo o mesmo Tribunal que ?Sendo o prazo de recurso o estabelecido no
artigo 411.º CPP mesmo se considerarmos o mais alargado referido no seu n.° 4
apesar de a impugnação não ter por objecto a reapreciação da prova gravada,
certo é que tendo por referência aquela data da primeira notificação, o recurso
mostra-se extemporâneo, pelo que se rejeita o mesmo nos termos dos art.°s 414° n.°
2, 417° n° 6 al. B) e 420° n.° 1 al. B) todos do CPP?.
30 ? Ora, no artigo 38.° da Reclamação para a Conferência da Relação de Lisboa,
apresentada pelo Recorrente da Decisão Sumária proferida por aquele Tribunal,
foi alegado que: ?A interpretação e aplicação dos artigos 113.º, n.° 9, 333.º, n.°
5, 411.º, n.° 1, alínea a), 414.°, n.° 2, 417.º, n.° 6, alínea b) e 420.°, n.° 1
al. b) todos do Código de Processo Penal, feita pelo Mmo. Juiz Relator e
materializada na Decisão Sumária proferida é inconstitucional, no sentido em que
considera que a notificação ao arguido da Sentença condenatória realizada em
primeiro lugar prevalece sobre a notificação posterior feita no Estabelecimento
Prisional onde o arguido se encontra recluso, quando o Tribunal que as ordenou,
após ter tido esse conhecimento, dá ordem a Comandante da P.S.P. para proceder à
devolução imediata do expediente relativo à primeira notificação sem cumprimento,
não tendo tal expediente até esse momento sido junto ao processo, nem até à data
em que o Tribunal a quo admite o recurso?.
31 ? Sobre a inconstitucionalidade suscitada pelo Recorrente perante a
Conferência da Veneranda Relação de Lisboa, a mesma nada diz, a Conferência nada
resolve, sendo certo que a questão de inconstitucionalidade lhe foi colocada de
forma atempada, clara e perceptível pelo Recorrente, conforme acima afirmado e
demonstrado.
32 ? Ora, a interpretação e aplicação das normas acima identificadas, efectuada
pela Relação de Lisboa, tem seguramente a virtualidade de produzir efeitos na
Decisão da causa.
33 ? E do exposto não restam dúvidas que as normas apontadas pelo Recorrente na
interpretação e aplicação feita pela Relação de Lisboa integram a ratio
decidendi da decisão a quo.
34 ? Desde logo, a interpretação e aplicação que a Relação de Lisboa faz da
norma contida no artigo 411.º n.° 1 do Código de Processo Penal.
35 ? Bem como dos artigos 414.° n.° 2, 417.° n.° 6 alínea b) e 420.º n.° 1
alínea b) todos do Códigos Penal, cuja Relação de Lisboa invoca e aplica na
rejeição que faz do Recurso apresentado pelo Recorrente.
36 ? Questiona o ora Recorrente: onde não coincide exactamente a dimensão
normativa assacada pelo Recorrente aos preceitos legais convocados e as razões
de decidir patenteadas pela Relação?
37 ? De todo o exposto resulta que o Recurso apresentado pelo ora Recorrente foi
efectuado de modo processual e atempadamente adequado para os efeitos da alínea
b) do n.° 1 do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei
n.° 28/82, de 15 de Novembro com as alterações introduzidas pela Lei n° 143/85,
de 26 de Novembro, pela Lei n° 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n° 88/95, de 1
de Setembro, e pela Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
38 ? Sendo certo que mesmo que se considere, sem conceder e apenas por mera
cautela de patrocínio, que não existe identidade integral entre o objecto do
recurso ? tal como é configurado pelo Recorrente ? e a ratio decidendi da
decisão recorrida, sempre se impunha que o Tribunal Constitucional proferisse um
Despacho-Convite ao ora Reclamante, para o mesmo suprir a apontada não
identidade integral, nomeadamente nos termos e para os efeitos do disposto no
artigo 75.° A, n.° 5, da Lei do Tribunal Constitucional.
39 ? Tanto mais que o Exmo. Juiz Conselheiro Relator do Tribunal Constitucional,
afirma expressamente na Decisão aqui reclamada, que não existe identidade
integral entre o objecto do recurso ? tal como é configurado pelo Recorrente ? e
a ratio decidendi da decisão recorrida.
40 ? Ora, sem conceder, e mesmo que o Tribunal Constitucional considere que não
se impunha esse convite ao Recorrente, questiona agora o Reclamante: E a não
existir essa identidade integral, tal facto afasta o conhecimento do objecto do
recurso interposto pelo Recorrente para o Tribunal Constitucional?
41 ? A alegada não identidade integral obsta a que se conheça do objecto do
recurso, pelos menos na parte em que existe identidade entre o objecto do
recurso ? tal como é configurado pelo Recorrente ? e a ratio decidendi da
decisão recorrida?
42 ? Sendo certo que o Tribunal Constitucional, na sua Decisão Sumária, não
afirma que o recurso apresentado pelo Recorrente é manifestamente infundado.
43 ? Recurso este interposto para o Tribunal que assume uma importância
fundamental no ordenamento jurídico e que garante o respeito pela Constituição
da República Portuguesa.
44 ? E sendo certo que o valor que se pretende obter com o presente Recurso
prende-se com a liberdade de uma pessoa condenada a um ano de prisão.
45 ? Com o devido respeito, a resposta às interrogações acima identificadas só
pode ser negativa.
46 ? Com efeito, e com todo o respeito que é devido, sempre se impõe ao Tribunal
Constitucional conhecer do objecto do Recurso apresentado pelo ora Recorrente,
seja por via dos elementos que constam do recurso apresentado e demais elementos
constantes do processo ou por via de Despacho-Convite ao ora Reclamante para
suprir a apontada não identidade integral, nomeadamente ao abrigo do princípio
da cooperação.
47 ? Nestes termos, verificam-se todos os pressupostos para que o Tribunal
Constitucional conheça do objecto do presente Recurso.
48 ? Mais mantém, o ora Reclamante, tudo o que alegou no seu requerimento de
interposição de Recurso.
49 ? Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, consequentemente,
admitido o presente Recurso.?
2. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
?4. Profere-se decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional (LTC), pelo facto de não se encontrar preenchido pressuposto
essencial ao conhecimento do recurso. Um recurso do tipo do tentado interpor não
prescinde de um juízo de utilidade ? debruçando-se o Tribunal Constitucional
sobre questões de constitucionalidade de normas é essencial que o juízo
proferido sobre estas tenha a virtualidade de produzir efeitos na decisão da
causa. Isso impõe, nomeadamente, que as normas impugnadas pelo recorrente ? ou a
interpretação das mesmas ? integrem a ratio decidendi da decisão a quo.
No caso em apreço, no entanto, a dimensão normativa assacada pelo Recorrente aos
preceitos legais convocados não coincide exactamente com as razões de decidir
patenteadas pela Relação. Com efeito, a Relação assenta a decisão no facto de
que, quando o tribunal de 1ª instância formulou o pedido de devolução, sem
cumprimento, do expediente relativo à notificação policial da sentença, não
tinha conhecimento que tal notificação havia já sido lograda. Assim, a Relação
entendeu que a mesma ? já tendo sido efectuada, facto que até ao momento não era
do conhecimento do tribunal ? tinha a virtualidade de desencadear a contagem do
início do prazo para efeitos de eventual recurso. No modo como a questão de
constitucionalidade foi suscitada em sede de reclamação, correspondendo ao
conteúdo constante do requerimento de interposição do recurso, não se encontra,
no entanto, reflectida esta valoração feita pela Relação e que se revelou
essencial na decisão que determinou a extemporaneidade do recurso. Pelo que, não
existindo identidade integral entre o objecto do recurso ? tal como é
configurado pelo Recorrente ? e a ratio decidendi da decisão recorrida, conclui-se
pela impossibilidade de conhecimento do mesmo.?
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se
no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II ? Fundamentação
4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento na medida em que o
ora reclamante se limita a retomar a argumentação já anteriormente expendida e
apreciada, sem aduzir nada de novo relativamente ao fundamento da decisão
contestada.
Como é sabido, o conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º,
n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos,
depende da prévia verificação de vários requisitos e pressupostos. Assim, e no
que ora releva, o Tribunal apenas pode apreciar questões de
inconstitucionalidade quando o respectivo conhecimento possa reflectir um efeito
útil nos autos. Tal juízo de utilidade pressupõe, nomeadamente, que o objecto do
recurso de constitucionalidade ? tal como se encontra delimitado pelo recorrente
por via da suscitação da questão durante o processo e do conteúdo do
requerimento de interposição do recurso ? coincida com as razões de decidir da
pronúncia a quo. Quando tal não suceda, a actividade do Tribunal Constitucional
seria perfeitamente inútil na medida em que, qualquer juízo que viesse a
proferir, não assumiria relevância na causa em que emergiu a questão de
inconstitucionalidade.
Ora, como se referiu na decisão reclamada, o fundamento da decisão do Tribunal
da Relação reside no facto de que, já tendo sido efectuada a notificação
policial da sentença, a mesma teve a virtualidade de desencadear a contagem do
prazo para efeitos de recurso. À efectiva notificação policial ? de que apenas o
Tribunal da Relação teve conhecimento ? foi assacada tal relevância que se
revela decisiva na fundamentação da decisão. A mesma, no entanto, não foi
integrada pelo Reclamante no objecto do recurso tendo continuado a contestar a
relevância da primeira notificação sem que, ao ter o Tribunal tido conhecimento
de que o arguido se encontrava recluso e tendo ordenado à PSP a devolução
imediata do expediente relativo à primeira notificação sem cumprimento, o mesmo
ainda não tenha sido junto ao processo, nem até à data em que o Tribunal a quo
admite o recurso. Como se afere da decisão da Relação, a respectiva ratio
decidendi assenta na constatação de que a primeira notificação ? a notificação
policial ? foi efectiva, assim se tendo habilitado o exercício, por parte do
arguido, do direito de recurso. Atente-se no seguinte trecho: ?Ora, se
analisarmos os autos, o pedido de devolução feito a 27 de Março de 2009 pelo
tribunal é posterior ao cumprimento efectivo, a 29 de Janeiro de 2009, do pedido
de notificação por parte da autoridade policial, sendo irrelevante que a junção
da respectiva certidão de notificação tenha sido feita posteriormente.
Destinando-se a notificação a dar conhecimento do teor da sentença ao arguido,
certo é que a notificação feita através da autoridade policial cumpre essa
finalidade e, portanto, tem a virtualidade de desencadear a contagem do início
do prazo para o arguido exercer o seu direito ao recurso.? Aqui reside, portanto,
o fundamento da decisão recorrida o qual, no entanto, não é integrado no objecto
do recurso de constitucionalidade. Tal impede o respectivo conhecimento.
Nada mais havendo a conhecer e a decidir, é de manter, nos seus precisos termos,
a decisão sumária reclamada, assim improcedendo a reclamação deduzida.
III ? Decisão
5. Deste modo acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em
consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento
do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos