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Processo n.º 7/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., Reclamante nos presentes autos em que figura como Reclamado o Município
de Almada, inconformada com a decisão do Tribunal da Comarca e de Pequena
Instância Mista de Almada que não admitiu recurso para o Tribunal
Constitucional, vem dizer, no que ora interessa, o seguinte:
“(…) 3. Refere a Mma. Juíza ‘a quo’ que nas peças processuais invocadas pela
recorrente, ou em quaisquer outras, nunca foi suscitada a questão de
inconstitucionalidade em causa. Ora, esta questão/referência é completamente
inveridica, porque a problemática da ilegalidade/inconstitucionalidade foi
suscitada ao longo dos autos de modo processualmente adequado perante o Tribunal
que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigada a dele
conhecer (artigo 72.º, n.º 2 da LTC n.º 28/82).
4. Acrescenta que no processo inexiste qualquer despacho em que o Tribunal haja
recusado a aplicação de norma legal com fundamento na sua ilegalidade por
violação de lei com valor reforçado. Mas também esta asserção carece do mínimo
de razoabilidade e carece de ser explicitada, porque fica a impressão de que se
desconhece a definição de lei com valor reforçado, devendo atentar-se na
compreensão conceitual constante do artigo 112.º, n.º 3 da Constituição da
República Portuguesa, cuja opacidade dos critérios de enumeração devem ser
devidamente analisados e clarificados, sendo certo que o DL 224-A/96, de 26.11 –
CCJ/96 – consubstancia uma lei com valor reforçado, situação que o TJ de Almada
não quis ou não soube analisar, havendo omissão de pronúncia.
5. Donde, só por mero facilitismo judicial se poderá afirmar que o recurso é
manifestamente infundado, quando é patente que está devidamente fundamentado.
6. Finalmente, o TJ de Almada afirma, sem concretizar, que não se dá verdadeiro
cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC uma vez que nos
despachos invocados não se suscitaram questões de inconstitucionalidade.
Efectivamente, nos Despachos indicados pela recorrente/reclamante decidiram-se
questões de legalidade/constitucionalidade, que haviam sido previamente
suscitadas pela recorrente expropriada. E nem podia ser de outra maneira: as
partes suscitam, expõem e pedem e os Tribunais decidem, pois cada operador da
Administração da Justiça tem a sua função (artigo 208.º da CRP).
7. Está, assim, sobejamente provado o desacerto da decisão reclamada porque é
aplicável ao caso vertente a norma do artigo 29.º, n.º 2 do CCJ – DL 224-A/96,
de 26.11, que dispõe o seguinte: ‘Não há lugar ao pagamento da taxa de justiça
inicial nas expropriações.’. E a norma do artigo 14.º, n.º 1 do DL 324/2003, de
27 de Dezembro é inequívoca na sua formalidade imperativa: ‘Não é devida taxa de
justiça subsequente e a taxa de justiça é reduzida a metade nas acções que não
comportem audiência de julgamento.” (tal qual sucede nos processos de
expropriação).
Consequentemente, fácil é de concluir que é legalmente admissível o recurso
instaurado pela expropriada/recorrente/reclamante para o Tribunal
Constitucional, porque, pelos motivos sobejamente expendidos foram e estão
exauridos/esgotadas as possibilidades económico-financeiras da ora reclamante,
pelo que o recurso interposto não podia ter seguimento pelas razões de ordem
processual, aliás inexistentes, isto é, pelas dificuldades e barreiras
processuais levantada por uma norma inaplicável temporalmente ao caso artigos
690-B e 690.º, n.º 3 do CPC, face à aplicação do artigo 29.º n.º 2 do CCJ/DL
224-A/96, de 26.11, que entrou em vigor em 1.1.97. Deste modo, o recurso está
devidamente fundamentado; satisfaz os requisitos do artigo 75.º-A; a decisão
admite recurso, que foi apresentado tempestivamente; a requerente tem
legitimidade e interesse em agir. (…)”
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“Recurso para o Tribunal Constitucional de fls. 740 a 746:
A recorrente, em cumprimento do disposto no art. 75.º-A, n.º 1, da Lei do
Tribunal Constitucional, indica que o presente recurso é interposto ao abrigo do
seu art. 70, n.º 1, alíneas b) e c), as quais dispõem que «Cabe recurso para o
Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais b) Que apliquem
norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo; c) Que
recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua
ilegalidade por violação de lei com valor reforçado».
Em cumprimento do disposto no art. 75.º-A, n.º 2, da mencionada Lei do Tribunal
Constitucional, a recorrente indica ainda diversas peças processuais.
Ora, compulsados os autos verifica-se que nas peças processuais indicadas pela
recorrente, ou em quaisquer outras, nunca foi suscitada a questão de
inconstitucionalidade em causa.
Por outro lado, no processo inexiste qualquer despacho em que o tribunal haja
recusado a aplicação de norma legal com fundamento na sua ilegalidade por
violação de lei com valor reforçado.
O recurso é pois, manifestamente infundado, sendo certo que também não se dá
verdadeiro cumprimento disposto no n.º 2 do art. 75.º-A, da Lei do Tribunal
Constitucional, uma vez que nos despachos indicados pela recorrente não se
suscitaram questões de inconstitucionalidade.
Pelo exposto, ao abrigo do art. art. 76, n.º 1 e 2, da Lei do Tribunal
Constitucional, indefiro o recurso interposto para o Tribunal Constitucional
pela expropriada A..”
O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade dispõe, mais
uma vez no que ora importa, o seguinte:
“(…) 2. Foram violadas as seguintes normas e princípios legais/constitucionais:
- artigo 29.º, n.º 2 do CCJ/DL 224-A/96, de 26.11; - artigo 14.º, n.º 1 do DL
324/2003 de 27 de Dezembro. A não aplicação do artigo 29.º, n.º 2 do CCJ/DL
224-A/96 fere o princípio da aplicação nas leis no tempo: a lei vigente à data
da prática dos factos; - artigo 12.º, n.º1 do Código Civil, pois, neste caso a
DUP é de 28.2.03 (D.R.- II Série de 20.5.03) e o Código das Custas Judiciais
então em vigor é o DL 224-A/96, de 26.11, que entrou em vigor em 1.1.97. Com a
subtracção indevida das questionadas taxas de justiça e multa é violado o
princípio da igualdade indemnizatória – valor indemnizatório justo e
contemporâneo – (artigo 62.º, n.º 2 da Lei Fundamental.
3. As ilegalidades/inconstitucionalidades foram suscitadas nas seguintes peças:
a) Na reclamação apresentada a 8.2.07 a Fls.; b) Na exposição-requerimento
introduzido em juízo em 14.2.07, a Fls.; c) No requerimento de interposição de
recurso apresentado em 28.3.07 a Fls.; d) Nas alegações/conclusões entradas em
juízo, em sede de recurso de agravo, em 29.9.08, a Fls.; e) No requerimento de
interposição de recurso de 29.4.0(?) de Fls.
4. E foram ajuizadas nas seguintes decisões: - No despacho proferido em 14.3.07,
a fls. 651/652; no despacho de 12.9.08, a fls.. de 25.2.09, a fls; no despacho
de 17.4.09, de fls.. (…).”
2. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal
pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, dizendo:
“1. A decisão de que foi interposto recurso para este Tribunal é a de fls.80, de
20 de Maio de 2009, que não admitiu o recurso interposto para a Relação da
decisão de fls.58, de 17 de Abril de 2009, com base na seguinte fundamentação:
- o despacho que mandava notificar a recorrente para proceder ao pagamento de
taxas de justiça inicial de um recurso e respectiva multa, era de mero
expediente;
- o montante da multa e de taxa de justiça era inferior a metade da alçada do
Tribunal de 1.ª instância.
2. A recorrente, quando interpôs aquele recurso para a Relação, não suscitou
qualquer questão de inconstitucionalidade (fls. 711 a717).
3. Sendo certo que o poderia ter feito, porque, por um lado, a decisão
limitou-se a aplicar as normas na sua interpretação comum e, por outro lado, já
anteriormente, a Relação, quando foi chamada a intervir, tinha considerado que
despachos daquele teor eram irrecorríveis (fls. 44 a 49, a questão aí
identificada com 3° agravo), tendo, inclusivamente, aquele despacho de fls. 58
sido proferido ‘em conformidade com a decisão’ daquela Relação.
4. Aliás, não se vislumbra que nas diferentes peças processuais elaboradas pela
recorrente, tenha sido identificada qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, que pudesse constituir objecto idóneo do recurso de
constitucionalidade.
5. Na própria reclamação para este Tribunal, a recorrente limita-se a falar de
forma genérica da ‘questão de legalidade e constitucionalidade’, não as
concretizando minimamente.”
Notificada desse parecer, a Reclamante respondeu, e concluindo:
“Termos em que entende a expropriada que a presente reclamação deve proceder,
porque a decisão em crise foi proferida contra legem e não é de mero expediente.
Também é bom de ver que toda esta controvérsia ao longo dos autos, por vários
anos, constitui uma suscitação séria da questão de
ilegalidade/inconstitucionalidade, estando devidamente identificada, sendo
objecto idóneo de ilegalidade/inconstitucionalidade, não sendo verídico que a
decisão se tenha limitado a aplicar as normas na sua ‘interpretação comum’ mas
sim numa interpretação manifestamente errónea/ilegal/inconstitucional, por mera
obediência a um despacho do Venerando TR de Lisboa.
Consequentemente, deve ser apreciado e decidido o recurso interposto de
ilegalidade/inconstitucionalidade, o que acarretará, posteriormente a respectiva
declaração de ilegalidade/inconstitucionalidade, revogando-se/anulando-se, a
decisão impugnada, que será substituída por outra que faça correcta aplicação do
CCJ, ao tempo em vigor.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Em sede de reclamações deduzidas ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4 da LTC,
compete ao Tribunal Constitucional averiguar se, em concreto, se encontravam
reunidos os pressupostos necessários à admissão do recurso que foi recusada pelo
tribunal a quo.
O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea
b), da Lei do Tribunal Constitucional, versando normas ou critérios normativos
que, tendo sido aplicados na decisão recorrida, viram a respectiva
inconstitucionalidade suscitada durante o processo, depende da prévia
verificação de vários requisitos. Assim, é necessário que o recorrente haja
invocado tal inconstitucionalidade normativa durante o processo em moldes
processualmente adequados (cfr. artigo 72.º, n.º 2 da LTC). Ora, não se encontra
formulada nos autos qualquer questão de inconstitucionalidade normativa – nem
sequer no próprio requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade
ou na reclamação apresentada neste Tribunal. A Reclamante limitou-se a acenar
genericamente com “ilegalidades” bem como com a violação do princípio
constitucional da justa indemnização não referindo, no entanto, este parâmetro a
qualquer norma ou interpretação que tenha fundado as decisões judiciais. Do
mesmo modo não se vislumbra, em qualquer das peças indicadas pela Reclamante, a
suscitação de qualquer questão de constitucionalidade normativa durante o
processo, nomeadamente no recurso apresentado na Relação.
Já os recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea c), da LTC,
dizem respeito a decisões que recusem a aplicação de norma constante de acto
legislativo, com fundamento com na sua ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado. Compulsada a decisão recorrida constata-se, no entanto, que não se
verifica qualquer recusa de aplicação de norma com aquele fundamento.
Pelo que se conclui pela manifesta improcedência da reclamação apresentada.
III – Decisão
4. Nestes termos, acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional, indeferir a presente reclamação.
Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos