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Processo nº 960/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente A. e recorrida B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 21 de Outubro
de 2009.
2. Em 16 de Dezembro de 2009 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do
disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, pela qual se entendeu não tomar
conhecimento do objecto do recurso, com o seguinte fundamento:
«De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º e no nº 2 do artigo
72º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos
tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo, de modo processualmente adequado.
Este ónus não foi observado no caso presente, designadamente nas peças
processuais indicadas em cumprimento do disposto na parte final do nº 2 do
artigo 75º-A da LTC. Nestas peças, a recorrente não identifica a interpretação
das disposições legais a que se refere (os artigos 488º, 489º e 490º, nºs 1 e 2,
do Código de Processo Civil e os artigos 55º, nº 2, do Código de Processo de
Trabalho e 266º, nº 1, 266º-A e 456º, nº 2, alínea b), segunda parte
alternativa, e 490º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Sendo certo que as interpretações normativas podem constituir objecto do recurso
de constitucionalidade, é necessário, contudo, que quando se suscita a
inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas)
normas jurídicas, se identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no
caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a
que os destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber
que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um tal sentido (Acórdão
do Tribunal Constitucional nº 106/99, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Não se podendo dar como verificado um dos requisitos do recurso de
constitucionalidade interposto, não pode tomar-se conhecimento do objecto do
mesmo, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da
LTC)».
3. Notificada desta decisão, a recorrente vem agora reclamar para a conferência,
ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os seguintes
fundamentos:
«A requerente não pretende colocar em questão a doutrina a que alude a douta
decisão sumária, segundo a qual é processualmente adequado indicar qual a
interpretação das disposições legais a que se refere.
Porém, a requerente seguiu a doutrina da interpretação do negócio jurídico, que
está legislada no Código Civil, na sequência de actos e factos, com determinado
objecto, que consubstanciam um processo judicial.
Aliás, a falta de indicação de algum dos elementos previstos no artigo 75-A, da
LTC, como determina o nº 5 dessa disposição, tem como consequência que o
Julgador deverá convidar o requerente a prestar a indicação no prazo de dez
dias, e não a consequência do não conhecimento do recurso.
Ora, se é certo que a requerente se dispensou, ao suscitar a
inconstitucionalidade, de indicar a interpretação, tida por constitucional, é
porque já o havia feito quer no seu requerimento de 3/12/2007, reagindo à
contestação, citando Lebre de Freitas, quer nas alegações de Agravo, entradas em
4/6/2008.
No primeiro, e citando aquele autor diz vir aceitar a confissão para não mais
poder ser retirada, aludindo aos artigos 489 nº 1, 490 nº 1 e 2, 38 e 567 nº 2,
todos do C. P. C.
E a fundamentar o entendimento da existência da confissão que aceita diz:
(…)
Portanto, não só se deu a interpretação tida por Constitucional de Lebre de
Freitas da necessidade de posição clara, frontal e concludente sobre as
alegações de facto feitas pela parte contrária, como se exemplificou, o que será
subsumível ou não subsumível em tal norma interpretada conforme a Constituição.
E, sendo certo que aí não se aludiu à Constituição, as decisões e o Parecer do
Ministério Público, viriam a fazer a parte aludir à inconstitucionalidade das
normas aplicadas na decisão ou no Parecer, em manifesta alusão (remissão) para o
que já constava da sua posição no processo.
Se a omissão da repetição do que já havia sido defendido, com a suscitação das
inconstitucionalidades, constitui erro, ele é rectificável nos termos do artigo
249 do Código Civil, com referência ao contexto, tal como é suprível, nos termos
do artigo 75-A nº 5 da LTC, rectificação ou suprimento que se requerem, por
serem de inteira justiça.
(…)
EM CONCLUSÃO
1. A requerente alegou qual a interpretação de posição definida no
requerimento de reacção à contestação, de 3/12/2007, subsquentemente à
notificação desta.
2. Essa interpretação foi fundamentada na doutrina do Prof. Lebre de
Freitas, no Código de Processo Civil Anotado, a saber e transcrevendo: “De
facto, o novo regime veio dispensar o ónus de impugnação especificada “sem que,
todavia, tal implique que se dispense a parte de tomar porisção clara, frontal e
concludente sobre as alegações de facto feitas pela parte contrária” – Lebre de
Freitas, volume 2º C. P. C. Anotado, página 298.
3. As inconstitucionalidades suscitadas aludiam a essa interpretação,
manifestamente, o que em caso de erro é rectificável nos termos do artigo 249 do
Código Civil, e suprível nos termos do artigo 75-A nº 5 da LTC».
4. Notificada da reclamação, a recorrida não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da
LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso com fundamento na não
suscitação, durante o processo, de modo processualmente adequado, de uma questão
de inconstitucionalidade normativa.
Face a esta fundamentação, não faz sentido que a reclamante argumente quanto à
possibilidade de recurso ao disposto no “artigo 75-A nº 5 da LTC” para
suprimento da omissão da suscitação das inconstitucionalidades. Quando convidada
ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC, a recorrente não pode
colmatar a falta de um qualquer requisito do recurso de constitucionalidade
interposto – nomeadamente o da suscitação prévia e de forma adequada da questão
de inconstitucionalidade normativa –, mas tão só aperfeiçoar o próprio
requerimento de interposição de recurso.
A reclamante sustenta, ainda, que indicou a interpretação tida por
inconstitucional quer no requerimento de 3 de Dezembro de 2007, reagindo à
contestação, quer nas alegações de agravo.
Relativamente às alegações de agravo – uma das peças processuais indicadas pela
recorrente em cumprimento do disposto na parte final do nº 2 do artigo 75º-A da
LTC – importa reiterar que a recorrente não identificou a interpretação das
disposições legais a que fez referência (cf. supra ponto 2. do Relatório). Como
se limitou a sustentar que havia uma “errada interpretação dos artigos 488, 489
e 490 n° 1 e n°2 do C.P.C.”, tal justificou a decisão de não conhecimento do
objecto do recurso.
No que respeita ao requerimento de 3 de Dezembro de 2007, como foi junto aos
autos antes da prolação da decisão de primeira instância (24 de Março de 2009),
há que concluir que a questão de constitucionalidade não foi posta perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, isto é, perante o Tribunal da Relação
de Lisboa (artigo 72º, nº 2, da LTC).
Resta, pois, confirmar a decisão sumária.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão