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Proc. nº 41/01 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – Por decisão sumária proferida a fls. 42 e segs., foi decidido negar provimento ao recurso interposto por L – Equipamentos e Serviços Informáticos, Lda., ao abrigo do artigo 70º nº. 1 alínea b) da LTC, do acórdão da Relação de Lisboa.
Escreveu-se na referida decisão:
'1 – L – Equipamentos e Serviços Informáticos, Lda., identificada nos autos, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo
70º nº. 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls.
33, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no artigo
408º nº. 1 do Código de Processo Civil, por violação dos princípios da igualdade e do contraditório, consagrados nos artigos 13º nº. 1 e 20º nº. 1 da CRP, respectivamente.
O presente recurso emerge de um arresto decretado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, por a recorrente não ter cumprido a obrigação de efectuar o pagamento dos bens que adquiriu à empresa C, Informática, Lda., conhecida no giro comercial como K, ocorrendo justificado receio por parte da requerente da perda de garantia patrimonial.
Com efeito, apurado que a recorrente dissipava o seu património, ora trespassando os seus estabelecimentos, ora vendendo as existências que possuía em stock, sem, no entanto, realizar os pagamentos aos credores (o que resultaria de uma situação de ruptura financeira) o despacho de 1ª instância que determinou o arresto dos bens da recorrente considerou justificado o receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
Inconformada com a decisão, a recorrente agravou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de fls. negou provimento ao recurso, confirmando a decisão do tribunal a quo.
É desse acórdão que vem interposto o presente recurso, dizendo a recorrente no respectivo requerimento que a questão de inconstitucionalidade foi suscitada no recurso de agravo de 1ª instância interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Cumpre decidir, nos termos do artigo 78º-A nº. 1, já que a questão, objecto da decisão, se apresenta simples, por ser manifestamente infundada.
2 – Defendeu a recorrente nas conclusões das suas alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa:
'1º - O princípio do contraditório é um dos princípios basilares do processo civil português, expressamente consagrado no artigo 3º do Código de Processo Civil, sendo, ele mesmo, uma decorrência tanto do princípio processual da igualdade das partes, previsto no artigo 3º-A do Código de Processo Civil e com consagração constitucional no artigo 13º nº. 1 da constituição, como do direito de acesso aos Tribunais, constitucionalmente consagrado no artigo 20º nº. 1 da Constituição, entendido como algo que, para além do momento inicial da propositura e da contestação, permanece ao longo de todo o processo.
2º - No entanto, o próprio nº. 2 do artigo 3º do Código de Processo Civil prevê que possam existir excepções ao princípio do contraditório, desde que outros interesses em litígio assim o imponham, como acontece, por exemplo, na situação prevista no artigo 385º nº. 1 do Código de Processo Civil, quando a audiência do requerido ponha em risco sério o fim ou a eficácia da providência cautelar, caso em que deverá então a providência ser decretada sem que o requerido seja previamente.
3º - Situação diversa é aquela que encontramos prevista no artigo
408º nº. 1 do Código de Processo Civil, em que não se trata já de permitir a derrogação do princípio do contraditório como única forma de salvaguardar a utilidade da providência a decretar, caso em que ainda se mostra justificada a derrogação deste princípio, mas, sim, de estatuir uma derrogação, pura e simples do princípio do contraditório.
4º - Estamos aqui perante uma restrição de direitos constitucionalmente garantidos dos requeridos, designadamente do seu direito ao exercício do contraditório, do direito de acesso aos Tribunais, enquanto direito de acção e de defesa, bem como perante uma violação do princípio da igualdade das partes processuais, sem que tal limitação tenha como contrapartida a salvaguarda de quaisquer outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nos termos do estatuído no nº. 2 do artigo 18º da Constituição.
5º - Assim sendo, a norma contida no artigo 408º nº. 1 do Código de Processo Civil é inconstitucional por limitar de forma inadmissível os direitos dos requeridos constitucionalmente consagrados nos artigos 13º nº. 1 e 20º nº. 1 da Constituição, de exercício do contraditório e de acesso aos Tribunais, enquanto direito de acção e de defesa, bem como de igualdade de tratamento no processo, uma vez que tal restrição aos direitos dos requeridos não tem como finalidade s salvaguarda de quaisquer outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como é exigido pelo disposto no artigo 18º nº. 2 da Constituição.
6º - Por ser inconstitucional, tal norma não deveria ter sido aplicada pelo Tribunal a quo, em obediência ao disposto no artigo 204º da Constituição, sendo antes aplicável a norma contida no artigo 385º nº. 1 do Código de Processo Civil, por ser a mesma a razão de decidir, a qual, em harmonia com o disposto no artigo 18º nº. 2 da Constituição, apenas permite a derrogação do princípio do contraditório, quando esta derrogação for necessária para a salvaguarda da eficácia da providência cautelar a decretar.
7º - Caberia assim ao requerente ter demonstrado que a audiência da requerida e ora recorrente punha em risco sério o fim ou a eficácia da providência, pelo que, não tendo o requerente feito tal demonstração, deveria o Tribunal a quo ter permitido à requerida e ora recorrente opor-se ao requerido, deduzindo oposição e oferecendo provas, tudo antes do decretamento da providência de arresto, assim se respeitando o princípio do contraditório.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve portanto ser revogada a decisão recorrida e deve decidir-se que o Tribunal a quo dê prazo à requerida para apresentar a sua oposição e para oferecer provas, e só depois decida quanto ao decretamento da providência de arresto que lhe foi requerida, assim se fazendo justiça.'
O nº. 1 do artigo 408º do CPC, que constitui o objecto do presente recurso de constitucionalidade (e que corresponde, no essencial, ao estabelecido no artigo 404º na versão anterior a 95), estabelece:
'1. Examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.'
Está, assim, ausente, na tramitação processual da providência, o contraditório.
Ora, sobre norma semelhante (artigo 394º do CPC, na redacção anterior a 95) pronunciou-se já o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 598/99, in DR, II Série, de 20/3/2000, no sentido da não inconstitucionalidade.
Aí se escreveu:
'É sabido que o princípio do contraditório é um dos princípios fundamentais do processo civil e que tem tutela constitucional. É uma exigência clara do princípio da igualdade das partes, por sua vez manifestação do princípio da igualdade perante a lei e do próprio Estado de direito. Isso não significa, porém, que não existam situações em que ele tem de ceder face à necessidade de eficácia de determinadas medidas judiciais, inoperantes se precedidas de audiência da parte contra quem são requeridas. É o que em geral sucede com a justiça cautelar (cf., nomeadamente, o Acórdão nº. 739/98, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 8 de Março de 1998), onde se integra a providência provisória da posse, cuja constitucionalidade não se vê que possa ser posta em crise, salvo se for manifestamente desproporcionado o sacrifício do contraditório. Não é porém o caso pois que a restituição da posse só é ordenada se o tribunal, julgada a aprova admissível (oferecida pelo requerente ou ordenada pelo juiz, oficiosamente), concluir pela existência do esbulho violento' Ora, estas razões são inteiramente pertinentes no caso do presente recurso.
No que ao arresto diz respeito, o fundamento para se proceder ao decretamento da providência, com a apreensão judicial de bens, é o justificado receio do credor de perda da garantia patrimonial do seu crédito, devendo o requerente provar a existência provável do crédito e aquele receio justificado. (artigos 406º nº 1 e
407 nº 1 do CPC).
Por existir o risco de a providência cautelar se tornar inútil ou não cumprir a sua finalidade, é que o legislador prescindiu da audiência do requerido, regime que, aliás, já vinha de longe no nosso direito processual civil.
Escreveu, a propósito, Alberto dos Reis in 'Código de Processo Civil Anotado', vol. II, p. 33, referindo-se a norma semelhante do Código de Processo Civil de 1929:
'(...) O juiz não pode ouvir o arrestando antes de proferir decisão sobre o requerimento; há-de decretar o arresto ou indeferir o requerimento unicamente sobre a base do que o requerente alegou e provou. Entendeu-se que a audiência prévia do arguido podia comprometer a finalidade da providência.'
Dada a especial gravidade da situação em causa, o legislador presumiu, assim, o risco sério da perda de eficácia da providência com a audiência prévia do requerido, com o que não deixou de sopesar os direitos em confronto, salvaguardando o direito do credor ameaçado na sua consistência prática.
O princípio do contraditório cedeu assim perante os direitos do requerente, nada havendo de excessivo na medida adoptada.
A norma do artigo 408º nº 1 do CPC não viola, pois, os artigos 13º nº
1, 20º nº 1 e 18º nº 2 da CRP.
3 – Decisão
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso, considerando-o manifestamente infundado.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.'
Cumpre decidir.
2 – Nada do que a reclamante alega é susceptível de infirmar os fundamentos da decisão sumária reclamada.
Sobre ela alinha-se, apenas, a seguinte ordem de considerações:
Em primeiro lugar, a referência que é feita na decisão reclamada ao facto de a solução adoptada no artigo 408º nº. 1 do CPC 'vir de longe' não teve como finalidade demonstrar, de per si, a sua conformidade constitucional, mas tão só revelar que de há muito tem sido a solução estabelecida no nosso ordenamento jurídico, geral e pacificamente aceite pela comunidade jurídica, o que não deixa de atestar a sua razoabilidade.
Em segundo lugar, a decisão reclamada confronta, embora de forma sintética, a norma do CPC com os artigos 13º nº. 1, 18º nº. 2 e 20º nº. 2 da CRP, quando nela se afirma que 'dada a especial gravidade da situação em causa o legislador presumiu (,,,) o risco sério da perda de eficácia da providência com a audiência prévia do requerido, com o que não deixou de sopesar os direitos em confronto, salvaguardando o direito do credor ameaçado na sua consistência prática' e que
'o princípio do contraditório cedeu assim perante os direitos do requerente, nada havendo de excessivo na medida adoptada'.
Por último, acrescenta-se que a decisão sumária teve em conta a posição sustentada pela recorrente nas alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde é exposta a tese sobre a 'inconstitucionalidade' da norma do artigo 408º nº. 1 do CPC, entendendo-se que as razões que conduziram ao julgamento de não inconstitucionalidade do artigo 394º do CPC (redacção anterior a 95) no Acórdão nº. 598/99 deste Tribunal, eram inteiramente transponíveis para invalidar a argumentação da recorrente – sendo, aliás, esta uma das razões (embora não explicitada) por que se considerou a questão susceptível de ser resolvida nos termos do artigo 78º-A nº 1 da Lei nº 28/82.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 18 de Abril de 2001 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa