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Processo nº 190/2000
2ª Secção Relator: Guilherme da Fonseca
(Bravo Serra)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. E, M e B, com os sinais identificadores dos autos, interpuseram recurso contencioso do despacho proferido em 20 de Janeiro de 1999 pelo Director-Geral dos Registos e Notariado e que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho prolatado pela Conservadora do Registo Predial de Aveiro que indeferiu uma reclamação, levada a efeito pelas recorrentes, consistente em solicitarem a sua notificação de um outro despacho, lavrado em 25 de Fevereiro de 1998 e por aquela Conservadora, que recusou a remoção das dúvidas de um registo provisório de um arresto, registo esse que lhe fora solicitado pelas ditas recorrentes. Por sentença proferida em 15 de Abril de 1999 pela Juíza do 3º Juízo Cível do Tribunal de comarca de Aveiro foi o recurso considerado improcedente, o que motivou as impugnantes a do assim decidido recorrerem para o Tribunal da Relação de Coimbra. Por acórdão de 16 de Novembro de 1999, este Tribunal de 2ª Instância deu provimento ao recurso. Para tanto, e no que ora releva, aquele aresto entendeu que o artigo 71º do Código de Registo Predial enfermava de violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição, por isso recusando a respectiva aplicação. Pode, na verdade, ler-se, a dados passos, no aludido acórdão:
'Se alguém pretender requisitar um registo numa conservatória de registo predial, deve fazê-lo directamente nesse organismo ou pelo correio, mas neste caso só quando o interessado no registo e o apresentante residam fora do concelho da sede da conservatória (cfr. artºs 60º a 65º do Cód. Reg. Predial, aprovado pelo Dec.Lei nº 224/84, de 6 de Julho - ...) De acordo com o disposto no artº 75º, nº 1, os registos são lavrados no prazo de
15 dias. Dentro desse mesmo prazo devem ser lavrados os despachos de recusa, nos casos previstos no artº 69º, ou de registo provisório por dúvidas, nos termos do artº
70º. Estes despachos, porém, só são notificados aos interessados caso sejam lançados fora daquele prazo de 15 dias, o que será feito nos 5 dias seguintes (artº 71º, nº 1). No entanto, no caso de apresentação pelo correio, com a devolução dos documentos e do excesso de preparo é sempre dado ao interessado conhecimento dos motivos da recusa ou das dúvidas (nº 2 do mesmo normativo). Como se vê, há uma certa discrepância, quanto a esse aspecto, entre a requisição do registo que é feita directamente na conservatória e a que é feita pelo correio. No primeiro caso, como o interessado ou o apresentante residem no concelho da sede da conservatória, o legislador partiu, certamente, do pressuposto de que, assim como estão obrigados a deslocar-se a esse organismo para requisitar o registo, também o devem fazer para tomar conhecimento do resultado da sua pretensão, traduzido no registo definitivo, no registo provisório ou na recusa do registo. Simplesmente, o conhecimento desse resultado é dado verbalmente, já que nada na lei (Código do Registo Predial) obriga a que seja prestado por escrito, e apenas se o interessado se deslocar à conservatória com essa finalidade. Mas, se propendemos para que o artº 71º do Código de Registo Predial não viola os artºs 17º, 18º e 268º, nº 1, da Constituição, não quer significar que aquele normativo não viole um princípio fundamental, que é o da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, previsto no nº 1 do artº 13º. Ora, no caso sub judice, verifica-se, quanto a nós, uma violação deste princípio, uma vez que o legislador do Código de Registo Predial estabelece uma discriminação sem fundamento quando no referido artº 71º dispõe que só quando a apresentação seja feita pelo correio é que o interessado é informado dos motivos da recusa ou das dúvidas, o que implica que tal interessado resida fora do concelho da sede da conservatória. Com efeito, o facto de o interessado residir no concelho da sede da conservatória não pode servir de justificação para que não seja informado, por escrito, dos motivos da recusa ou das dúvidas, já que o mesmo pode ter tantas, ou mais, dificuldades em se deslocar à conservatória como um interessado que resida fora desse concelho (tenha-se em conta, p. ex., que pode residir num local ermo, que não tenha meios de transporte à sua disposição, que seja pessoa doente ou idosa com dificuldades de locomoção), sem esquecer o tempo que é obrigado a despender com tal deslocação. A isto acresce, como referem as recorrentes na sua alegação, a falta de clareza, certeza e segurança que resulta da informação verbal, prestada ao balcão da conservatória, por um funcionário cuja diligência e competência se desconhece, tantas vezes apressado e cheio de serviço, com um comportamento que poderá, portanto, deixar dúvidas sobre a correcta transmissão da informação e sobre a verdadeira compreensão da mesma. Parece-nos, por isso, que o interessado no registo deve ser sempre informado por escrito dos motivos da recusa ou do registo provisório, quer tenha apresentado o requerimento pessoalmente ou pelo correio e que, portanto, a Conservatória do Registo Predial de Aveiro deveria ter informado as recorrentes por escrito dos motivos do registo provisório por dúvidas.'
É desta decisão que, pelo Ministério Público, vem, com base na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interposto o vertente recurso.
2. Rematou o Ministério Público recorrente a alegação por si efectuada com as seguintes «conclusões»:-
'1º - O regime constante do artigo 71º do Código de Registo Predial, consistente em dispensar a notificação ao interessado que requisitou acto de registo do indeferimento da sua pretensão, quando o mesmo reside no concelho-sede da conservatória e sendo o acto do conservador praticado no prazo legal - criando-lhe o ónus de averiguar directamente na conservatória o destino da pretensão que deduziu - não pode qualificar-se como sendo arbitrário, por desprovido de qualquer fundamento material, e - como tal - violador do princípio da igualdade.
2º - Porém, a norma que o consagra afronta o princípio da necessária notificação dos actos administrativos, consagrado no nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, já que as garantias dos administrados, consignadas quanto a toda a actividade administrativa, são aplicáveis às decisões proferidas pelos Conservadores sobre as pretensões registrais que lhes são apresentadas pelos particulares.
3º - Na verdade - e apesar da sua especificidade e particularidades de regime - a actividade dos organismos públicos a que está confiada a prossecução do interesse público na publicitação da situação jurídica dos bens imóveis configura-se como tendo natureza materialmente administrativa, para os efeitos estabelecidos no referido artigo 268º da Constituição da República Portuguesa.
4º - Termos em que - embora por razão diferente da acolhida na decisão recorrida
- deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade material dela constante'.
3. Por seu lado, as recorridas não apresentaram alegação.
4. Cumpre decidir. Nos termos do artigo 65º, nº 1, do Código de Registo Predial aprovado pelo Decreto-Lei nº 224/84, de 6 de Junho, a apresentação de documentos que legalmente comprovem os factos a registar pode ser feita pelo correio quando residam fora do concelho da sede da conservatória tanto o interessado no registo como o apresentante, pelo que é de inferir que, se o interessado no registo ou o apresentante residirem no concelho da sede da conservatória do registo predial, a apresentação não possa ser efectuada se não pessoalmente, não podendo, pois, para tal efeito, ser utilizada a via do correio. Por outro lado, comanda-se no nº 1 do artigo 75º daquele Código que os registos são lavrados no prazo de 15 dias e pela ordem de anotação no Diário, enquanto que no nº 1 do artigo 71º do mesmo corpo de leis, na versão anterior à decorrente do Decreto-Lei nº 533/99, de 11 de Dezembro, que era a vigente à data da decisão sub specie, se estipulava que os despachos de recusa e de registo provisório por dúvidas devem ser lançados no impresso-requisição pela ordem de anotação no Diário e são notificados aos interessados nos 5 dias seguintes, se tiverem sido lançados fora do prazo de realização do registo, prescrevendo-se no seu nº 2 que no caso de apresentação pelo correio, com a devolução dos documentos e do excesso de preparo é sempre dado ao interessado conhecimento dos motivos da recusa ou das dúvidas. Dos normativos acima indicados retira-se, pois, que o sistema constante do citado artigo 71º leva a que, havendo lugar a um despacho de recusa ou de registo provisório por dúvidas lavrado no prazo estipulado no nº 1 do artigo 75º
(ou seja, no prazo de 15 dias), o mesmo não é notificado por escrito ao interessado ou apresentante do registo, caso estes residam no concelho da sede da conservatória do registo predial, consequentemente inculcando que, para que eles venham a ter conhecimento dos fundamentos que levaram ao proferimento de tal despacho, tenham de cumprir o ónus de obter tal conhecimento junto dessa conservatória; e, por outra banda, desse sistema retira-se que, tendo a apresentação sido levada a efeito pelo correio (o que implica que o interessado no registo ou o apresentante não residam no concelho da sede da conservatória), os motivos da recusa ou do registo provisório por dúvidas são sempre dados a conhecer ao interessado por escrito. Para a decisão impugnada, esse sistema, tendo em conta as situações previstas para os interessados e apresentantes residentes no concelho da sede da conservatória e para os que aí não residissem, afigurar-se-ia como prescrevendo, para os primeiros, uma solução normativa afrontadora do princípio da igualdade. Já para o Ministério Público recorrente, um tal afrontamento não se colocaria. Vejamos.
5. Tem este Tribunal seguido uma jurisprudência impressiva de acordo com a qual o princípio da igualdade, entendido ele como um limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções, antes proibindo a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias – desde logo 'diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas' ou 'desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional'
(neste sentido, por entre muitos outros que se poderiam citar, o Acórdão n.º
302/97, in Diário da República, 2ª Série, de 18 de Junho de 1997) - o que o mesmo é dizer que o que é vedado pelo assinalado princípio é, assim, a proibição do arbítrio. Perante uma tal postura, perguntar-se-á se se apresenta como arbitrária uma solução normativa de harmonia com a qual, atentas as situações em que os interessados ou apresentantes do registo residem ou não residem no concelho da sede da conservatória, é imposto aos serviços que, tratando-se da segunda situação, venham a dar-lhes, por escrito, conhecimento dos fundamentos da recusa ou do registo provisório por dúvidas, enquanto que uma tal imposição se não prescreve quando se trate da primeira situação. A resposta a essa questão impõe-se como negativa. Na verdade, aceita este Tribunal que, residindo os interessados ou apresentantes no concelho da sede da conservatória, o legislador partisse da inferência de que não representaria sacrifício incomportável ou acentuadamente desproporcionado, tendo em conta o fim almejado pelo registo na perspectiva daqueles interessado ou apresentante, o facto de apresentação dever ser feita na própria conservatória e não se permitindo a sua feitura pelo correio, outrotanto não sucedendo quanto aos interessados ou apresentantes residentes fora daquele concelho.
É que, as diferenciações entre uma e outra daquelas situações justificam o sistema que veio a ser consagrado pelo nº 1 do artigo 65º do Código de Registo Predial. Pode não ser essa a solução normativa mais correcta, pois que a diferenciação assim estabelecida, comparativamente com uma outra (que permitisse a todos os interessados requererem o registo pelo correio, independentemente de a sua residência se situar ou não no concelho da sede da conservatória), ponderada a eficácia dos serviços, porventura se não revelaria incomportável para essa eficácia. Simplesmente, não incumbe a este Tribunal criticar o «mau direito» mas sim, e tão só, censurar o direito que é afrontador do Diploma Básico, sendo certo que neste recurso não está em causa a norma do nº 1 do artigo 65º do Código de Registo Predial da qual se extrai que, não residindo os interessados ou apresentantes fora do concelho da sede da conservatória, a apresentação não poderá ser efectuada pelo correio. Porém, sempre se assinalará que uma tal solução se não apresenta como arbitrária, pois que se pode entender que não envolve um sacrifício incomportável para os interessados e apresentantes do registo residentes no concelho da sede da conservatória do registo predial a criação do ónus de se deslocaram à conservatória a fim de aí procederem à apresentação dos documentos necessários ao registo. Mas, se isso é assim, e talqualmente sublinha o Ministério Público, então também
'a criação do ónus de o interessado averiguar junto de certo serviço administrativo qual o destino da pretensão que apresentou - dispensando-se a notificação ou comunicação pessoal da decisão proferida sempre que o interessado resida na sede do concelho onde funciona a conservatória - não se configura propriamente como solução arbitrária ou discricionária, carecida de qualquer suporte material'. Efectivamente, e como também assinala o recorrente, a proximidade física e consequente facilidade presumida de contacto directo com os serviços, constituem solução que, embora discutível do ponto de vista da sua «bondade», sobretudo em concelhos do interior do País, não será no limite qualificável como arbitrária. Também aqui é curial fazer notar que, muito embora se pudesse perfilhar o entendimento de que, mesmo tendo em conta os interesses dos serviços, não representaria desmesurado encargo a adopção de um sistema que impusesse a notificação por escrito a todos os interessados ou apresentantes, independentemente de residirem ou não no concelho da sede da conservatória (cfr. a nova redacção dada ao nº 1 do artigo 71º do Código de Registo Predial dada pelo falado Decreto-Lei nº 533/99), o que é certo é que a solução sub iudicio se não apresenta como totalmente desprovida de fundamento e, por isso, não arbitrária. Razão pela qual se não se divisa que a normação em apreço seja infractora do princípio da igualdade.
6. Todavia, o Ministério Público recorrente surpreende em tal normação uma desconformidade com a Lei Fundamental, justamente por ofensa do nº 3 do seu artigo 268º e na medida em que dela resulta a postergação do princípio da necessária notificação dos actos administrativos aos interessados. Ora, em tal aspecto, assiste-lhe razão, como passa a demonstrar-se.
É evidente que, por entre o mais, e para alcançar o raciocínio de enfermidade constitucional prosseguido pelo Ministério Público, e como o mesmo teve oportunidade de anotar, teve ele de partir do princípio de que os actos de registo predial devem funcionalmente ser assimilados a actos administrativos, para os efeitos jurídico-constitucionais em que relevam os conceitos de Administração Pública e das garantias dos administrados e com vista ao asseguramento destas, não interessando saber se, a nível de direito infra-constitucional, ponderados, nomeadamente os artigos 1º e 120º do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de15 de Novembro, essa assimilação se revestiria de cabal curialidade. Sem se tomar clara posição neste particular e, deste modo, aceitando a mencionada assimilação, de molde a, considerando os serviços de registo predial como um serviço da Administração Pública e os actos de registo como actos administrativos para efeitos de quanto a estes se não excluírem as garantias dos administrados, dir-se-á desde já que merece atendimento a postura do Ministério Público recorrente. Efectivamente, aquando da edição da norma em análise (Julho de 1984), o então nº
2 do artigo 268º da Constituição comandava que os actos administrativos de eficácia externa estavam sujeitos a notificação aos interessados, sendo que um tal comando tem, após a Revisão Constitucional de 1989, uma dada correspondência no nº 3 do mesmo artigo 268º, de harmonia com o qual os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei. A remissão para a lei inculca assim que a Lei Fundamental não tomou qualquer posição no sentido de exigir uma dada formalidade para a notificação dos actos administrativos. Porém, como aquela notificação há-de ser perspectivada como um direito fundamental dos interessados, mister é que o legislador ordinário, ao gizar as formas de notificação, não venha, em alguns casos, a consagrar modos dos quais, ao fim e ao resto, resulte, quer que esses interessados não venham a ter conhecimento do acto administrativo considerado no seu globo (onde há-de relevar a respectiva fundamentação), quer uma acentuada ou manifesta dificuldade ou, até, impossibilidade prática na obtenção do conhecimento do acto. Na verdade, comentando a disposição do nº 3 do artigo 268º da Constituição
(versão decorrente da Revisão Constitucional de 1989), referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 935) que o 'direito à notificação dos actos administrativos (nº 3, 1ª parte) impõe à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, «na forma prevista na lei» - diz a Constituição -, o que deixa alguma margem de versatilidade (não sendo porém de considerar notificação o simples conhecimento acidental ou privado)'. E o Tribunal Constitucional, a tal propósito, partindo do pressuposto de que a
'notificação visa dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica', teve já oportunidade de explicitar a seguinte posição:
'Sendo a notificação do acto administrativo essencial para o efectivo conhecimento pelos interessados dos actos da Administração susceptíveis de os atingir na sua esfera jurídica, só se cumpre a imposição feita pelo artigo 268º, n.º 3, da Lei Fundamental ('os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei'), quando se dá conhecimento ao interessado da decisão tomada em toda a sua integralidade; ou seja, quando se lhe comunica não apenas o autor do acto, o sentido da decisão adoptada e a data em que o foi, como também as razões (de facto e de direito) -
é dizer: os fundamentos - por que assim se decidiu. Só assim, com efeito, o interessado se pode dizer esclarecido em termos de, conscienciosamente, poder aceitar a decisão ou reagir contra ela. Uma notificação assim - uma notificação que inclua a fundamentação do acto administrativo notificado - é elemento essencial para o exercício esclarecido do direito de recurso contencioso ou de outros meios de impugnação.
(...)
É esta também a interpretação que do preceito constitucional fazem J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página 935), quando escrevem:
‘A notificação respeita ao acto administrativo globalmente considerado, pelo que, no caso de ele dever ser fundamentado, deve incluir também a fundamentação, que dele deve fazer parte integrante. O cidadão tem o direito de conhecer, do mesmo passo, o teor da decisão e a respectiva fundamentação, não tendo de requerer esta posteriormente a fim de avaliar o alcance integral da decisão e poder decidir do recurso a quaisquer meios de impugnação’. Quando, pois, se notificar um acto administrativo ao respectivo interessado, essa notificação deve incluir a fundamentação desse acto. Isso mesmo resulta do que dispõe o artigo 68º do Código de Procedimento Administrativo' (acórdão nº
245/99, publicado no Diário da República, II Série, nº 160, de 12 de Julho de
1999, citando ainda o acórdão nº 489/97, publicado no mesmo Diário de 13 de Outubro de 1997; o mesmo entendimento foi perfilhado no acórdão nº 579/99, publicado no mesmo Diário, II Série, nº 43, de 21 de Fevereiro de 2000, aí se afirmando também que 'o conhecimento global do acto afigura-se fundamental para que o particular possa avaliar o alcance integral do seu conteúdo, a fim de poder decidir do recurso aos meios de impugnação adequados'). Daqui decorre que se pode avançar com a afirmação de que, no sistema do Código de Registo Predial, a forma adoptada de dar conhecimento pessoal do acto registral, ou melhor, da recusa do acto registral ao interessado residente no concelho da sede da conservatória, mas devendo ele, para tal efeito, deslocar-se ao respectivo serviço, posterga o direito dos interessados à notificação dos actos administrativos, tal como é desenhado na Lei Fundamental. Pois que, em consonância com a citada jurisprudência, a iniciativa da notificação deve sempre caber aos serviços, na medida em que se impõe constitucionalmente um dever à Administração de 'dar conhecimento aos interessados mediante comunicação oficial e formal', dos actos administrativos que lhe respeitem (sublinhado nosso; cfr. Pedro Gonçalves, Notificação dos Actos Administrativos, in AB UNO AD OMNES, Coimbra Ed. pág 1091). Ora, aquela forma de conhecimento pessoal não preenche de todo a exigência de comunicação oficial e formal, desde logo porque o interessado residente no concelho da sede da conservatória, no acto registral, fica na incerteza quanto ao registo (se é lavrado ou se há recusa ou se há registo provisório por dúvidas) e quanto ao momento do decidido, sendo que só se prevê a notificação oficial e formal se os despachos de recusa e de registo provisório por dúvidas 'tiverem sido lançados fora de prazo de realização do registo', que é de 15 dias (artigo 75º, do Código de Registo Predial). Razão, pois, tem o acórdão recorrido quando se diz 'o interessado no registo deve ser sempre informado por escrito dos motivos da recusa ou do registo provisório, quer tenha apresentado o requerimento pessoalmente ou pelo correio e que, portanto, a Conservatória do Registo Predial de Aveiro deveria ter informado as recorrentes por escrito dos motivos do registo provisório por dúvidas'. Com o que, nesta óptica, e com esta fundamentação, não merece censura o julgado, quanto ao juízo de inconstitucionalidade a que aderiu.
7. Termos em que, DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso. Lisboa, 28 de Março de 2001 Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa (vencido, acompanhando no essencial a declaração de voto do Exmº Conselheiro Bravo Serra) DECLARAÇÃO DE VOTO.
Votei vencido no acórdão a que a presente declaração se encontra apendiculada, pois que, em minha opinião, a norma sub specie não enferma de inconstitucionalidade por ofensa do disposto no nº 3 do artigo 268º da Lei Fundamental, ofensa essa que, segundo o mesmo acórdão, derivará de do dito normativo resultar a postergação do princípio da necessária notificação aos interessados, de modo oficial e formal, dos actos praticados pelos conservadores do registo predial.
Para se alcançar a conclusão a que chegou o Acórdão, havendo a notificação aos interessados dos actos administrativos de ser perspectivada como um seu direito fundamental, necessário será que o legislador ordinário, ao gizar as formas dessa notificação, não venha a consagrar modos dos quais, ao fim e ao resto, resulte que aqueles interessados não venham a ter conhecimento do acto praticado no seu globo.
Não ponho em causa uma tal asserção.
Simplesmente, o que entendo é que a remissão para a lei levada a efeito pelo aludido nº 3 do artigo 268º da Constituição, de onde decorre que o Diploma Básico não tomou qualquer posição no sentido de exigir uma dada formalidade para a notificação dos actos administrativos, não será postergada se uma das formas como se há-de operar o direitos dos interessados a serem notificados consistir na dação de conhecimento pessoal a eles do conteúdo do acto administrativo, devendo eles, para tal efeito, deslocarem-se ao respectivo serviço da Administração Pública. Ponto é, contudo, que, de uma banda, por intermédio do contacto pessoal, lhes seja fidedignamente transmitido o conteúdo do acto administrativo (onde se deve abarcar a respectiva fundamentação); e, de outra, que a deslocação do interessado ao serviço administrativo em causa não venha a representar um sacrifício incomportável ou acentuadamente exagerado que, na realidade das coisas, se mostre desadequado ao desfrutar do direito em causa.
Ora, o que é certo é que, na minha perspectiva, ponderada a normalidade dos casos, não resulta da norma em apreciação quer que, pelo contacto pessoal com os interessados ou apresentantes, lhe não possa ser transmitido com toda a fidedignidade o conteúdo do acto tomado na sua globalidade, quer que a deslocação daqueles à conservatória situada na sede do concelho em que residem represente um sacrifício assinalável ou incomportável que venha dificultar o acima indicado desfrute, ao que acresce que, como é sabido, se o acto do conservador não for praticado em 10 dias, ele será, efectivamente, notificado por escrito ao requerente do registo.
Quanto àquele primeiro aspecto, opino no sentido de, em contrário, não poder, como faz o aresto de que esta declaração faz parte, ser aqui chamada
à colação a jurisprudência que se extrai, verbi gratia, dos Acórdãos números
579/99, 245/99 e 489/97, justamente porque, pela forma consagrada na norma em apreço, não deixa de ser dado cabal conhecimento aos interessados de todo o conteúdo e fundamentação do acto praticado pelo conservador do registo predial
(e isto sem entrar aqui em considerações sobre o carácter, administrativo ou não, de um tal acto, já que, como é sabido, poderá até haver quem entenda que actos daquele jaez devem ser visualizados como uma forma de actos não baseada em relações de poder público, mas sim como a passe a expressão. «administração pública de interesses privados»).
E, tocantemente ao segundo aspecto, ou seja, de considerar que não representa acentuado ou incomportável sacrifício a deslocação dos interessados à conservatória do registo predial, não posso deixar de sublinhar que a proximidade física dos interessados com o local onde se sedia o serviço, com a consequente facilidade de contacto directo de uns com os outros, apresenta-se como uma circunstância que, modo razoável, pode ser tida em atenção pelo legislador para determinar uma forma de notificação por contacto pessoal, não constituindo o ónus imposto aos interessados em se deslocaram à sede dos serviços uma situação que comporte uma tal dificuldade que, vista numa óptica objectiva, conduza, na prática e em circunstâncias de normalidade, a um condicionalismo que redunda na não dação de conhecimento ao interessado do acto em questão.
Bravo Serra