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Processo n.º 653/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. RAUL MOTA PEREIRA DE CAMPOS interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1ª Secção), de 7 de Dezembro de 1999.
O acórdão recorrido revogou a sentença do Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 18 de Janeiro de 1996, a qual tinha anulado o acto da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, de 16 de Novembro de 1994 (rectificado em 12 de Dezembro de 1994), que fixara a pensão de aposentação do aqui recorrente e que este havia impugnado contenciosamente.
Pede o RECORRENTE que este Tribunal aprecie a constitucionalidade das normas constantes dos seguintes preceitos legais:
(a). do artigo 13º, n.º 3, do Estatuto da Aposentação, na redacção do artigo 8º da Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro (por lapso, escreveu Decreto-Lei n.º
30-C/92);
(b). do artigo 1º, n.º 1, do mesmo Estatuto, 'na interpretação que não estende ao pessoal dos gabinetes ministeriais o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações';
(c). do artigo 51º do mesmo Estatuto, 'na interpretação que não estende ao pessoal requisitado pelas empresas públicas ou sociedades de capitais públicos o regime fixado no artigo 51º'.
O RELATOR, por entender que, relativamente ao citado artigo 51º, se não verificavam os pressupostos do recurso, lançou parecer nos autos nesse sentido.
O RECORRENTE respondeu a esse parecer, começando por dizer que o relator não tem razão. Sublinhou, depois, que 'aquilo que o recorrente sustenta no recurso que interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo foi que a interpretação e aplicação que a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa faz do normativo do artigo 51º do Estatuto da Aposentação não é conforme com o artigo
13º na medida em que exclui da aplicação daquele preceito o recorrente'. Acrescentou que 'isto mesmo foi entendido no douto acórdão recorrido, a folhas
12 verso, onde não foi dada razão ao recorrente'. E concluiu, dizendo que, por isso, 'a consideração final do [..] parecer é desprovida de sentido e o parecer no seu todo inconsequente, pelo que não deve ser atendido'.
O RECORRENTE concluiu como segue a alegação que apresentou neste Tribunal:
1. O pessoal dos gabinetes ministeriais goza do direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, nos termos dos artigos 1º e 51º, 3, do Estatuto da Aposentação, tal como gozam do mesmo direito o pessoal de apoio ao órgão de soberania que é a Assembleia da República (artigos 10º, 3, 11º e 66º, 6, da Lei n.º 77/88, na redacção da Lei 59/93, de 18 de Agosto), os titulares de cargos políticos (Decreto-Lei 334/85, de 20 de Agosto), os deputados e ex-deputados
(artigos 13º, 13º-A e 18º da Lei 29/87, de 30 de Junho, e artigos 18º, n.º 1, da Lei 7/93, de 1 de Março) e o pessoal de apoio aos deputados ao Parlamento Europeu (artigo único da Lei 2/86, de 20 de Janeiro).. Consequentemente,
2. O douto acórdão em recurso, ao excluir o pessoal dos gabinetes ministeriais do âmbito de aplicação do artigo 1º do Estatuto da Aposentação, fez uma ilegal interpretação e aplicação do artigo 1º e n.º 3 do artigo 13º do Estatuto da Aposentação, na sua actual redacção, dada pelo artigo 8º da Lei n.º 30-C/92, por ofensa dos princípios da igualdade de tratamento e do princípio da confiança legítima inscritos, respectivamente, nos artigos 13º e 2º da Constituição da República Portuguesa.
3. Do mesmo modo, considera-se que o douto acórdão fez ainda ilegal aplicação da norma do n.º 3 do artigo 13º do Estatuto da Aposentação, na sua actual formulação, por ofensa do artigo 56º, n.º 2, alínea a), da Constituição, na medida em que o artigo 8º da Lei n.º 30-C/92 introduziu uma alteração substancial do regime legal anterior fixado na Portaria n.º 1.079/81, de 12 de Dezembro, sem audição das organizações sindicais em matéria de legislação de trabalho.
4. Considera-se também que o douto acórdão fez uma ilegal aplicação do n.º 1 do artigo 1º Estatuto da Aposentação, na interpretação que não estende ao pessoal dos gabinetes ministeriais o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, por ofensa dos artigos 13º e 63º, n.º 4, da Constituição da República, na medida em que esse direito de inscrição é expressamente reconhecido no artigo 51º, n.º 3, do mesmo Estatuto da Aposentação e nos artigos
10º, 11º e 23º da Lei n.º 77/88, na redacção da Lei n.º 59/93, de 18 de Agosto, ao pessoal de apoio aos órgãos de soberania e estendido a todos os titulares de cargos políticos pelo Decreto-Lei n.º 334/85, 20 de Agosto, Lei 29/87, de 10 de Julho (artigos 13º, 13º-A e 18º) e Lei 25/95, de 18 de Agosto (artigo 4º, n.º
3).
5. A remuneração mensal relevante para o cálculo da pensão dos subscritores que tenham feito descontos superiores aos que corresponderiam ao seu lugar de origem e não tenham optado pela devolução do excesso, é determinado pela média das remunerações auferidas nos três últimos anos nos termos conjugados dos nºs 4 e 1 do artigo 5º do Estatuto da Aposentação.
6. Ora, tendo o recorrente, no período de 1989 a 1994, procedido a descontos superiores aos que correspondiam 'ao seu lugar de origem', e não tendo optado pela sua devolução, a remuneração atendível para efeitos de cálculo da pensão deve ser calculada nos termos dos nºs 4 e 1 do artigo 51º do Estatuto da Aposentação, e não pela remuneração que auferia à data em que lhe foi reconhecido o direito à aposentação.
7. Por isso, o douto acórdão fez uma ilegal interpretação aplicação do n.º 4 do artigo 51º do Estatuto da Aposentação, por ofensa do princípio da igualdade e identidade de tratamento e da justiça, ínsitos nos artigos 13º e 266º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que exclui o pessoal requisitado pelas empresas públicas ou sociedades de capitais públicos do regime fixado no artigo 51º do Estatuto da Aposentação.
A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES concluiu a sua alegação como segue:
1. O âmbito do recurso jurisdicional não pode ter, como pretende o recorrente, como objecto a apreciação da situação de facto para aferir da sua subsunção em determinada norma, a menos que o tribunal a quo tivesse inaplicado a referida norma por a julgar inconstitucional.
2. O contencioso da constitucionalidade é sempre de normas, designadamente das normas em que se fundam as decisões recorridas, não um contencioso de decisões.
3. Nestes cosiderandos, não pode o Tribunal Constitucional apreciar as questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente, no que respeita à desaplicação pelo tribunal a quo dos artigos 1º, 13º, nº 1, e 51º do Estatuto de Aposentação, este último com a redacção dada pela Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro, na medida em que não cabe nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional apreciar normas desaplicadas, ainda que erradamente, por outros motivos que não a sua suposta inconstitucionalidade.
4. Por outro lado, a plena observância do princípio do pedido é garantida pelas normas do artigo 75º-A, nºs 1 e 2 da Lei do Tribunal Constitucional, que impõem aos recorrentes a delimitação rigorosa do objecto do recurso, vinculativa para o Tribunal, e a indicação do recurso interposto. Não pode, por isso, o tribunal pronunciar-se sobre a constitucionalidade de uma eventual desaplicação de certa norma com uma certa interpretação, convolando oficiosamente de um recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º Lei do Tribunal Constitucional para um recurso da alínea a) do mesmo nº 1 desta disposição legal.
5. A situação fáctica do recorrente – por não ter exercido no triénio anterior ao acto determinante da aposentação qualquer cargo como pessoal de apoio aos gabinetes dos órgãos de soberania – não tem qualquer correspondência na disposição do artigo 51º, nº 4, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pela Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro, pelo que carece de fundamento a apreciação do pedido, no que respeita à inconstitucionalidade pela não aplicação pelo Tribunal a quo daquele preceito, além que não é esse o âmbito do recurso constitucional.
6. À data da entrada em vigor da Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro, não tinha o recorrente requerido a contagem de tempo do cargo que exerceu entre 1971 e 1973, nem tão pouco era titular de uma expectativa juridicamente tutelada, nesse sentido. Donde, aquela Lei nunca o poderia afectar de forma inadmissível, onerosa e excessiva, a única forma susceptível de violar o princípio do Estado de Direito Democrático.
7. Carece de todo e qualquer fundamento a asserção do recorrente de que a nova redacção do art. 13º, nº 3, do Estatuto da Aposentação, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 30-C/92, viola o princípio constitucional da confiança consagrado no art. 2º da CRP..
8. Na medida em que não faz sentido em falar em expectativas legítimas quando, nem à data em que prestou serviço (1971 a 1973), nem quando requereu a contagem de tempo em causa vigorava a redacção do art. 13º, nº 3, do Estatuto da Aposentação na versão que o interessado pretende ser-lhe aplicável.
9. O recorrente não justifica, minimamente, em que medida a nova redacção do art. 13º, nº 3, do EA, dada pela Lei nº 30-C/92, viola o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
10. O princípio da igualdade reconduz-se, na sua essência, a uma proibição de arbítrio que não admite quer a diferenciação de tratamento sem justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, que a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais, dependendo em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 369/97, 188/90 e 187/90) .
11. Desde sempre o Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro, estabeleceu a diferença entre a dívida de quotas por contagem de tempo como subscritor (art. 24º do mesmo Estatuto) e a dívida de quotas pelo tempo de acréscimo ao de subscritor (art. 25º do mesmo Estatuto). Sendo a primeira apurada nos termos do nº 1 do art. 13º e a segunda nos termos do nº 3, do mesmo artigo, ambos do EA.
12. Resultando a diferente fórmula de cálculo da dívida de quotas prevista no nº
1 e nº 3 do art. 13º do EA de distintas condições de prestação de trabalho não podem, por isso, merecer igual tratamento, como pretende o recorrente.
13. Por outro lado, sendo a prestação de serviço, à data em que o recorrente exerceu funções como pessoal de apoio aos gabinetes dos órgãos de soberania, temporalmente distinta e sob diferente contexto normativo, da prestação após a Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro, não podia a ora recorrida tratar de igual modo a contagem de tempo prestado com agente político quando vigorava a redacção inicial do Estatuto da Aposentação e o prestado após a nova redacção dada ao art. 1º, nº 1, do mesmo Estatuto pelo Dec.-Lei nº 191/79, de 25 de Junho.
14. Nesta perspectiva, e atendendo às razões sempre expostas não há dúvidas que a nova redacção dada pela Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro, ao art. 13º, nº 3, do Estatuto da Aposentação, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido não se apresenta como desrazoável ou inaceitável no contexto do ordenamento jurídico, em particular no que concerne ao sistema de protecção social da função pública.
15. O âmbito de aplicação da alínea a) do nº 2 do art. 56º da CRP há-de ser o mesmo dos trabalhadores de índole jurídico – privada como no âmbito da função pública, pelo que é forçoso concluir que a norma cuja constitucionalidade se discute não versa sobre as relações laborais no âmbito dos trabalhadores da administração pública nem a autoridade recorrida dispõe de qualquer competência sobre essa matéria.
16. A alteração introduzida pelo artigo 8º da Lei nº 30-C/92, os artigos 6º,
11º, 13º, 47º, 51º e 80º do Estatuto da Aposentação versam matéria que não se encontra abrangida por qualquer das alíneas do art. 2º, nº 2, da Lei nº 16/79, de 26 de Maio.
17. O apuramento de dívida de quotas para a CGA ou o cálculo da pensão de aposentação/reforma é absolutamente independente dos direitos dos trabalhadores consagrados no artigo 59º da CRP, tratando-se de matéria relativa ao sistema de segurança social –protecção na invalidez e velhice (vide art. 63º, nºs 4 e 5 da CRP). A sede constitucional própria desta matéria será, assim, encontrada nas bases da segurança social e não na legislação do trabalho.
18. A haver alguma colisão, ela verificar-se-ia, no âmbito do direito à contratação colectiva, ou seja, entre os termos em que este direito se encontra definido no Dec.-Lei nº 45-A/84, de 3 de Fevereiro, e a estatuição da Lei nº
30-C/92, de 28/12. Isto é, a inserção das normas de segurança social no direito à negociação colectiva, nos termos do nº 1 do art. 6º do DL nº 45-A/84, decorre de um acto legislativo do Governo e não por imposição de um comando constitucional, que se limita a remeter para a lei ordinária sobre esta matéria (art. 56º, nº 3 in fine da CRP), estando portanto previsto sob reserva de lei.
19. O recorrente fez uma errada interpretação dos preceitos constitucionais em questão, bem como da legislação e jurisprudência que sobre eles cita, não restando dúvidas sobre a constitucionalidade das normas constantes do art. 13º, nº 3, do Estatuto da Aposentação, na redacção que lhe foi dada pelo art. 8º da Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro.
20. Assim, deve proceder o presente recurso.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. O objecto do recurso:
3.1. O Estatuto da Aposentação foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro (rectificado no Diário do Governo, I série, de 13 de Janeiro de 1973), tendo sido posteriormente alterado por várias vezes.
Embora o recorrente tenha indicado, no requerimento de interposição de recurso, como constituindo objecto do mesmo, o artigo 51º deste Estatuto, 'na interpretação que não estende ao pessoal requisitado pelas empresas públicas ou sociedades de capitais públicos o regime fixado no artigo 51º', o Tribunal não vai conhecer dessa questão de constitucionalidade, já que se não verificam quanto a ela os necessários pressupostos.
A esse propósito, escreveu-se no parecer do relator: Não pode, porém, conhecer-se do recurso, por falta de verificação dos respectivos pressupostos, no que toca ao artigo 51º do Estatuto da Aposentação. De facto, são pressupostos do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, entre outros, ter o recorrente suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas que pretende ver apreciadas pelo Tribunal e ter o tribunal recorrido aplicado essas normas como rationes decidendi. Ora, no que concerne ao artigo 51º, não só o recorrente não suscitou a sua inconstitucionalidade durante o processo, como nem sequer essa norma foi aplicada pela decisão recorrida. Na verdade – para além de considerar violado esse normativo pelo acto da Caixa Geral de Aposentações – o que ele disse, na alegação para o Supremo Tribunal Administrativo, foi que 'a não aplicação ao recorrente de um dos regimes previstos nos nºs 1, 2 ou 4 do artigo 51º do Estatuto da Aposentação constitui uma discriminação intolerável, o que implica a violação do artigo 13º da Constituição, facto este gerador do vício de inconstitucionalidade do normativo em causa'. Ou seja: embora o recorrente fale em 'inconstitucionalidade do normativo em causa', o que, em seu entender, gera essa inconstitucionalidade é a não aplicação de um dos regimes previstos nos nºs 1, 2 ou 4 desse artigo 51º - o que vale por dizer que a inconstitucionalidade é por ele imputada ao acto praticado pela Caixa Geral de Aposentações. Ao que acresce que, como bem resulta do acórdão recorrido, ele não aplicou tal normativo no julgamento do recurso, do mesmo modo que a Caixa Geral de Aposentações também o não tinha aplicado.
O recorrente, perante o Supremo Tribunal Administrativo, não questionou, de facto, a constitucionalidade do dito artigo 51º nos termos em que o fez no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal (ou seja, 'na interpretação que não estende ao pessoal requisitado pelas empresas públicas ou sociedades de capitais públicos o regime fixado no artigo 51º'). O que ele questionou foi 'a não aplicação ao recorrente de um dos regimes previstos nos nºs 1, 2 ou 4' desse artigo 51º. Ora, com este modo de dizer, o que recorrente questionou foi a constitucionalidade do acto que a Caixa Geral de Aposentações praticou, não lhe aplicando o dito artigo 51º - acto que a 1ª Instância e o Supremo Tribunal Administrativo sancionaram –, e não o facto de essa disposição legal não prever a situação de o funcionário ter estado requisitado numa empresa pública ou numa sociedade de capitais públicos.
Vale isto por dizer que o recorrente não suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação do referido artigo 51º: recte, não suscitou a inconstitucionalidade desse normativo, enquanto ele não abarca na sua previsão o 'pessoal requisitado pelas empresas públicas ou sociedades de capitais públicos'. Pelo menos, não o fez 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer', como exige o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
Que assim é, revela-o, aliás, o facto de o próprio acórdão recorrido ter interpretado o modo como o recorrente colocou a questão de constitucionalidade, não como tendo pretendido dirigir à lei uma acusação de inconstitucionalidade, mas antes no sentido de que ele imputou a violação do princípio da igualdade ao acto da Caixa Geral de Aposentações, por lhe não aplicar o dito artigo 51º. Escreveu-se aí: Ao expressar-se assim, o recorrente não terá querido propriamente, e se bem vemos, pôr em causa a constitucionalidade da lei, antes a violação pelo acto do princípio da igualdade.
O recorrente, na resposta ao parecer do relator, escreveu, porém, que, quando afirmou que 'a não aplicação do regime do artigo 51º do Estatuto da Aposentação ao recorrente, constitui uma ostensiva ofensa do princípio da identidade de tratamento, vício gerador de inconstitucionalidade por ofensa do artigo 13º da Constituição, está, na verdade, a dizer que a interpretação e aplicação do artigo 51º do Estatuto da Aposentação feita pela sentença não é conforme com a Constituição por ofensa do princípio da identidade de tratamento, ínsito no artigo 13º da Constituição, na parte e na medida que considera que o cômputo da pensão do recorrente não está abrangida pelos regimes do artigo 51º do Estatuto da Aposentação'. Este 'esclarecimento' é, no entanto, irrelevante, pois, para poder conhecer-se do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, há-de o recorrente ter suscitado a inconstitucionalidade de determinada norma legal (ou de uma sua interpretação), de modo processualmente adequado, perante o tribunal recorrido, em termos de este ficar obrigado a conhecer dessa questão. Ora isso – repete-se – não sucedeu no caso.
Como, durante o processo, o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 51º do Estatuto da Aposentação, que agora pretende ver apreciada ratione constitutionis (ao menos, não o fez de modo processualmente adequado), não pode conhecer-se do recurso na parte em que ele tem por objecto tal normativo.
Sendo isto assim, é inútil decidir se, como pretende o recorrente, o acórdão recorrido aplicou o dito artigo 51º, quando concluiu que a situação em que o recorrente esteve (a saber: em comissão de serviço, na Petrogal, e não como requisitado) não se enquadra em nenhum dos números daquele artigo 51º, por isso que, no cálculo da pensão de reforma, não tinham que levar-se em consideração as remunerações auferidas nesse período de tempo.
3.2. Restam, pois, os artigo 1º, n.º 1, 'na interpretação que não estende ao pessoal dos gabinetes ministeriais o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações', e 13º, n.º 3 (na redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro), do Estatuto da Aposentação.
Há que conhecer da questão de constitucionalidade que tem estas normas por objecto, não obstante o recorrente, na alegação – em vez de concluir pela inconstitucionalidade de tais normas (o artigo 1º, n.º 1, na interpretação indicada) –, falar antes na 'ilegal aplicação' que delas terá feito o acórdão recorrido. E não obstante também o acórdão recorrido não ter aplicado o referido artigo 1º, n.º 1, 'na interpretação que não estende ao pessoal dos gabinetes ministeriais o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações', mas antes no sentido de que o exercício de funções de secretário de um gabinete ministerial, ao tempo em que o recorrente as exerceu, não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações. Há que fazê-lo, porque a inconstitucionalidade de tais normas foi suscitada nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (conclusões 23ª, 24ª e 25ª), e foi também como questão de inconstitucionalidade normativa que ela foi colocada no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal. Ao que acresce que a cabal compreensão do artigo 13º, n.º 3, só se alcança, lançando mão do artigo 1º, n.º 1.
Pois bem: deve começar por sublinhar-se que o artigo 1º, n.º 1, na interpretação de que o exercício de funções de secretário de um gabinete ministerial, ao tempo em que o recorrente as exerceu, não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, só foi aplicado pelo aresto sob recurso, na medida em que, como se disse, a total compreensão daquele artigo 13º, n.º 3, apenas se obtém, recorrendo a uma norma do tipo da desse n.º 1 do artigo 1º. Na verdade, no recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, não estava em causa qualquer recusa de pedido de inscrição feito por quem desempenhe funções num gabinete ministerial, por parte da Caixa Geral de Aposentações. Em causa estava, antes, a questão de saber como devem ser liquidadas as quotas que o recorrente não pagou à Caixa, relativamente ao período de tempo em que desempenhou funções num gabinete ministerial (recte, as funções de Secretário do Gabinete do Ministro de Estado Adjunto da Presidência do Conselho). Ora, para o efeito de saber como devem ser liquidadas as quotas em dívida à Caixa por tempo de serviço que seja relevante para efeito de aposentação, o artigo 13º do mencionado Estatuto da Aposentação (relativo à regularização e pagamento de quotas), dispõe como segue:
1. A regularização de quotas em dívida por tempo de serviço a que já correspondesse o direito de aposentação à data em que foi prestado, efectuar-se-á com base na remuneração e na quota praticadas nessa época, com o acréscimo de juros à taxa de 4 por cento ano, se a falta de oportuna inscrição for imputável ao subscritor.
2. Na mesma base serão liquidadas as quotas correspondentes a percentagens legais de aumento do tempo de serviço prestado nas condições do número anterior.
3. Nos demais casos de contagem de tempo, as quotas que não hajam sido pagas ou que tenham sido restituídas pela Caixa serão liquidadas, sem juros, com base na remuneração do cargo do subscritor à data da entrada do seu requerimento e na taxa então vigente.
4. Para efeitos de reforma e de pensão de sobrevivência, os trabalhadores bancários no activo poderão requerer a contagem de todo o tempo de serviço militar obrigatório, aplicando-se, para o efeito de liquidação da correspondente dívida de quotas, a taxa de 2% sobre a remuneração auferida à data do requerimento, quando esse tempo não confira direitos em matéria de aposentação e sobrevivência no âmbito da Caixa.
5. A Caixa poderá, por si ou a pedido das instituições de crédito onde os trabalhadores exercem a sua actividade profissional, transferir os referidos descontos para o fundo de pensões dos bancários, cobrando, a título de compensação pela prestação de serviços, a importância de 10% do montante a transferir, com o limite máximo de 5.000$00.
Recorda-se que a redacção do n.º 3 deste artigo 13º foi introduzida pela Lei n.º
30-C/92, de 28 de Dezembro. E regista-se que a redacção transcrita dos nºs 4 e 5
é a que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 28/97, de 23 de Janeiro.
Dito isto, lembra-se que o que se discutiu no recurso para o Supremo Tribunal Administrativo foi se (tal como sustentou o recorrente) o apuramento da dívida de quotas correspondente ao período de tempo em que ele desempenhou funções de membro de um gabinete ministerial (ou seja: ao período que decorre de 2 de Novembro de 1971 a 29 de Julho de 1973), devia ser feito nos termos do n.º 1 deste artigo 13º, por estar em causa o pagamento de 'tempo de serviço' a que, 'à data em que foi prestado', já correspondia (como aí se exige) 'direito de aposentação'; ou se, diferentemente, tal como defendeu a Caixa, esse apuramento devia fazer-se nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 13º (na redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro), por este ser um dos 'demais casos de contagem de tempo'.
A resolução dessa questão pressupunha, naturalmente, que o acórdão recorrido, tal como nele se referiu, decidisse, previamente, uma outra questão, que consiste em saber se, ao tempo em que o recorrente desempenhou tais funções – e não presentemente, como o recorrente insiste em dizer na sua alegação –, os membros dos gabinetes ministeriais podiam ou não ser subscritores da Caixa Geral de Aposentações. E, para responder a estoutra questão, tinha ele que lançar mão da norma que, à data, regulava a inscrição na Caixa Geral de Aposentações. Escreveu-se, a propósito, no aresto sob recurso: Do que se trata é de saber se àquele exercício [refere-se ao exercício de funções de membro de gabinete ministerial] correspondia ou não o direito à aposentação, à data em que foi prestado. E sublinhe-se esta última parte.
E, mais adiante, acrescentou o mesmo aresto: Aqui, repete-se, há que ter presente a noção [refere-se ao conceito de funcionário político, na qual o acórdão incluiu os membros de gabinetes ministeriais] que ao tempo se impunha e acima expressa, compaginada, por certo, com o ordenamento jurídico então vigente.
Ora, a norma que, à data em que o recorrente exerceu as ditas funções, regulava a inscrição na Caixa Geral de Aposentações, ao menos a partir de determinado momento – ou seja, a partir da data em que entrou em vigor o actual Estatuto da Aposentação (aprovado pelo citado Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro) –, era a do artigo 1º deste mesmo Estatuto, na sua redacção inicial (Anteriormente, a matéria achava-se regulada, 'a partir do Decreto n.º 16.669, de 27 de Março de
1929, em diplomas de carácter geral ou de âmbito restrito a determinados serviços ou a certas categorias de pessoal', como se sublinha no preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro).
É, na verdade, a redacção inicial do mencionado artigo 1º – e não a actual redacção do mesmo preceito, como parece pretender o recorrente (cf. a conclusão
2ª da alegação de recurso apresentada neste Tribunal) – a que aqui importa considerar, pois esta última foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 191-A/79, de
25 de Junho, que é posterior à data em que o recorrente cessou as funções de membro de um gabinete ministerial: 29 de Julho de 1973. Esse artigo 1º (subordinado à epígrafe direito de inscrição), na redacção inicial, prescrevia como segue:
1.São obrigatoriamente inscritos como subscritores da Caixa Geral de Aposentações, neste diploma abreviadamente designada por Caixa, os servidores do Estado, institutos públicos e autarquias locais, suas federações e uniões e zonas de turismo, que recebam ordenado, salário ou outra remuneração susceptível, pela sua natureza, de pagamento de quota, nos termos do artigo 6º'.
2.O disposto no número anterior não é aplicável: a). Aos que exerçam as suas funções em regime de simples prestação de serviços, não se encontrando sujeitos, de modo continuado, à direcção e disciplina da respectiva entidade pública, ou obrigando-se apenas a prestar-lhe certo resultado do seu trabalho; b). Aos que devam ser aposentados por entidade diferente da Caixa.
Este mesmo artigo 1º, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 191-A/79, de
25 de Junho, que é a que presentemente se acha em vigor, prescreve assim:
1.São obrigatoriamente inscritos como subscritores da Caixa Geral de Aposentações, neste diploma abreviadamente designada por Caixa, os funcionários e agentes que, vinculados a qualquer título, exerçam funções, com subordinação à direcção e disciplina dos respectivos órgãos, na Administração Central, Local e Regional, incluindo federações ou associações de municípios e serviços municipalizados, institutos públicos e outras pessoas colectivas de direito público e recebam ordenado, salário ou outra remuneração susceptível, pela sua natureza, de pagamento de quota, nos termos do artigo 6º'.
2. O disposto no número anterior não é aplicável: a). Aos que apenas se obrigam a prestar a qualquer entidade pública certo resultado do seu trabalho desempenhado com autonomia e prévia estipulação de remuneração; b). Aos que devam ser aposentados por entidades diferentes da Caixa.
O Supremo Tribunal Administrativo, confrontado com o argumento (aduzido pelo recorrente) de que os secretários dos gabinetes ministeriais são agentes administrativos, e não agentes políticos, e de que existem 'agentes nomeados com base na confiança política' que gozam do direito de se inscrever na Caixa Geral de Aposentações, decidiu, no acórdão recorrido, que o exercício de funções de secretário de um gabinete ministerial, ao tempo em que o recorrente as exerceu
(recorda-se: de 2 de Novembro de 1971 até 29 de Julho de 1973) – e esse tempo é, sublinhou, o momento relevante para a decisão do caso – não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, uma vez que, como ensinava MARCELO CAETANO, os membros dos gabinetes ministeriais eram agentes políticos. Acrescentou que essa era, de resto, a prática corrente. E, em consonância com esse entendimento, o mesmo aresto decidiu que 'ao processamento das quotas relativas ao tempo de serviço do aqui recorrido [ora recorrente] enquanto Secretário do Gabinete do Ministro de Estado Adjunto da Presidência do Conselho
– primeiro cargo exercido ao serviço do Estado – aplica-se o n.º 3, e não o n.º
1, do citado artigo 13º do Estatuto da Aposentação, uma vez que, como agente político, não podia, ao menos então, ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações'. Significa isto que o Supremo Tribunal Administrativo, para julgar o recurso, se socorreu da redacção inicial do artigo 1º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, que era – para usar as palavras do acórdão recorrido – 'o ordenamento jurídico então vigente'; e que esta norma (a norma constante deste artigo 1º, n.º 1, na sua redacção inicial), na interpretação apontada, só foi por ele aplicada em conjugação com a do n.º 3 do artigo 13º do mesmo Estatuto.
O objecto do recurso é, assim, constituído pela norma constante do n.º 3 do artigo 13º do Estatuto da Aposentação (redacção introduzida pela Lei n.º
30-C/92, de 28 de Dezembro), conjugado com a norma que consta do n.º 1 do artigo
1º do mesmo Estatuto (redacção inicial), este na interpretação de que o exercício de funções de secretário de um gabinete ministerial, ao tempo em que o recorrente as exerceu, não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações – e não na interpretação indicada pelo recorrente (ou seja: 'na interpretação que não estende ao pessoal dos gabinetes ministeriais o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações').
Passando, então, às questões de constitucionalidade.
4. As questões de constitucionalidade:
4.1. Como decorre da respectiva alegação de recurso, o recorrente separa e trata autonomamente, a questão da constitucionalidade do artigo 1º, n.º 1, e a do artigo 13º, n.º 3, do Estatuto da Aposentação, embora, por vezes, nessa alegação, também as ligue. E procede assim, porque todo o seu raciocínio é construído a partir da ideia de que o acórdão recorrido 'exclui o pessoal dos gabinetes ministeriais do âmbito de aplicação do artigo 1º do Estatuto da Aposentação'; que 'não estende ao pessoal dos gabinetes ministeriais o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações' (cf. as conclusões 2ª e 4ª). O recorrente raciocina, pois, como se a questão que tal aresto tivesse decidido fosse a da legalidade de uma recusa, por parte da Caixa Geral de Aposentações, de um pedido de inscrição formulado por quem desempenhasse hoje funções num gabinete ministerial. Ora, como se viu atrás, não foi disso que se tratou no recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Em causa nesse recurso esteve, antes e tão-só, a questão de saber como devem ser liquidadas as quotas que o recorrente não pagou
à Caixa, relativamente ao período de tempo em que desempenhou funções num gabinete ministerial (recte, as funções de Secretário do Gabinete do Ministro de Estado Adjunto da Presidência do Conselho). E o que o acórdão recorrido decidiu foi – repete-se – que, à luz da lei vigente na data em que o recorrente desempenhou tais funções, aquele cargo não lhe conferia o direito de se inscrever como subscritor da Caixa Geral de Aposentações; e que, por isso, a regularização da dívida de quotas relativamente a esse período de tempo tinha que ser feita nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 13º do Estatuto da Aposentação, e não ao abrigo do preceituado no n.º 1 do mesmo artigo 13º. Só isso decidiu o aresto aqui sob recurso, e não também que, actualmente, aquele cargo seja um cargo político que não confira ao respectivo titular o direito de se inscrever como subscritor da Caixa Geral de Aposentações.
Mas, sendo isto assim, tomando por referência as conclusões da alegação de recurso, o que aqui vai decidir-se é o seguinte:
(a). se a norma constante do n.º 3 do artigo 13º do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro) – conjugada com a norma que consta do n.º 1 do artigo 1º do mesmo Estatuto (na sua redacção inicial, que é a que foi aplicada pelo acórdão recorrido), e não na redacção actual (como o recorrente parece pretender), na interpretação de que o exercício de funções de secretário de um gabinete ministerial, ao tempo em que o recorrente as exerceu, não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações – viola os princípios da igualdade e da protecção da confiança
(conclusão 2.ª);
(b). se o dito artigo 13º, n.º 3, na dita redacção, viola o artigo 56º, n.º 2, alínea a), da Constituição (conclusão 3.ª);
(c). e ainda se o artigo 1º, n.º 1, na redacção e interpretação indicadas, viola os artigos 13º e 63º, n.º 4, da Constituição (conclusão 4.ª).
Vejamos, então:
4.2. Adianta-se já que não pode deixar de ser negativa a resposta à questão de saber se a norma constante do n.º 3 do artigo 13º do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro), segundo o qual as quotas que não tenham sido pagas à Caixa Geral de Aposentações relativamente a tempo de serviço, que a lei, à data em que o mesmo foi prestado, considerava irrelevante para efeitos de aposentação, 'serão liquidadas, sem juros, com base na remuneração do cargo do subscritor à data da entrada do seu requerimento e na taxa então vigente' – conjugada com a norma que consta do n.º 1 do artigo 1º do mesmo Estatuto (na sua redacção inicial), interpretado no sentido de que o exercício de funções de secretário de um gabinete ministerial, ao tempo em que o recorrente as exerceu, não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações – viola os princípios da igualdade e da protecção da confiança.
É o que vai ver-se.
4.2.1. Passando, então, à questão da invocada violação do princípio da igualdade, dir-se-á que este princípio só poderia ser violado, se o mesmo houvesse de operar diacronicamente.
Na verdade, só operando desse modo (mais precisamente ainda: só operando retroactivamente), é que, admitindo que, presentemente, o 'pessoal de apoio dos
órgãos de soberania' e os 'titulares de cargos políticos' se possam inscrever na Caixa Geral de Aposentações – questão que aqui se não irá dilucidar – tal facto imporia que, por razões de igualdade, a regularização da dívida de quotas à dita Caixa, por parte de quem exerceu funções de membro de um gabinete ministerial numa data em que esse exercício não conferia o direito de nela se inscrever, devesse ser feita, relativamente a tal período, como se, nesse tempo, já o devedor tivesse esse direito de inscrição. Dizendo de outro modo: só operando assim, se imporia que o pagamento da dívida de quotas devesse ser feito nos termos do n.º 1 deste artigo 13º, por estar em causa o pagamento de 'tempo de serviço' a que, 'à data em que foi prestado', já correspondia (como aí se exige)
'direito de aposentação', e não nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 13º (na redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro), por este ser um dos 'demais casos de contagem de tempo'. Acresce que também só operando diacronicamente é que o princípio da igualdade se revelaria apto para proibir que a regularização da dívida de quotas à Caixa relativamente ao tempo de serviço, que, na data em que foi prestado, não conferia direito de aposentação, se faça 'com base na remuneração do cargo do subscritor à data da entrada do seu requerimento e na taxa então vigente'
(artigo 13º, n.º 3): de facto, só se operasse desse modo é que era adequado, para concluir pela existência de violação da igualdade, invocar a circunstância de ter havido um tempo – o tempo por que vigorou a redacção que ao n.º 3 do artigo 13º do Estatuto da Aposentação foi dada pelo Decreto-Lei n.º 191-A/79, de
25 de Junho – em que essa regularização se fez, 'mediante a aplicação da taxa vigente à data do respectivo requerimento a um valor médio a fixar por portaria do Ministro das Finanças'. Só que o princípio da igualdade – que obriga a tratar por igual o que for essencialmente igual e a dar tratamento diferente ao que for essencialmente diferente –, enquanto princípio vinculativo da lei, apenas opera, em regra, sincronicamente. E isto, porque o legislador, em via de princípio, não tem por que manter as soluções jurídicas que alguma vez adoptou. A sua função caracteriza-se, justamente, pela liberdade de conformação e pela auto-revisibilidade. E, por isso, 'salvo nos casos em que o legislador tenha de deixar intocados direitos entretanto adquiridos, não está ele obrigado a manter as soluções consagradas pela lei a cuja revisão procede' [cf. o acórdão n.º
352/91 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 19º, páginas 549 e seguintes). Cf. também os acórdãos nºs 34/86, 309/93, 563/96 (Acórdãos citados, volumes 7º, tomo 1, página 37, 24º, página 185, 33º, página 47, respectivamente), n.º 559/98 (por publicar), e nºs 575/98 e 163/99 (Diário da República, II série, de 26 de Fevereiro de 1999 e 16 de Fevereiro de 2000, respectivamente)].
Não pode, assim, haver violação do princípio da igualdade.
4.2.2. Saber se houve violação do princípio da protecção da confiança, passa, justamente, por saber se, no caso, havia direitos adquiridos que o legislador tivesse que deixar intocados.
Vejamos, então:
Este Tribunal tem sempre entendido que, fora do domínio penal, em que a retroactividade in peius é constitucionalmente inadmissível (cf. o artigo 29º, nºs 1, 3 e 4, da Constituição), do domínio fiscal, em que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva (cf. artigo 103º, n.º
3, da Constituição) e, bem assim, fora do domínio das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, em que a lei não pode ser retroactiva (cf. o artigo 18º, n.º 3, da Constituição), uma lei retroactiva não é, em si mesma, inconstitucional [cf., entre outros, o acórdão n.º 95/92 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 21º, páginas 341 e seguintes)]. Fora dos domínios apontados, uma lei retroactiva (ou uma lei retrospectiva) só será inconstitucional, se violar princípios ou disposições constitucionais autónomos, que é o que sucede quando ela afecta, 'de forma inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa', direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos. Num tal caso, com efeito, a lei viola aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito, do qual se exige que organize a 'protecção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida' (cf. o acórdão n.º
330/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 17º, páginas 277 e seguintes). Por conseguinte, apenas uma retroactividade (ou uma retrospectividade) intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária (é dizer: insuportável) os direitos e expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos, viola o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático
[cf., por último, os acórdãos 329/99 e 321/2000 (Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999 e de 8 de Novembro de 2000, respectivamente)].
Pois bem: a partir do momento em que passou a poder ser contado, para efeitos de aposentação, o tempo de serviço prestado como membro de um gabinete ministerial, os interessados adquiriram o direito de pedir que, para esse efeito, se lhe contasse o tempo em que exerceram tais funções sem se poderem inscrever na Caixa Geral de Aposentações. Mas o exercício desse direito de contagem de tempo de serviço para o efeito indicado pressupõe, obviamente, o pagamento à Caixa das quotas correspondentes a esse tempo de serviço ainda não pago. Só esse direito, porém, os interessados adquiriram, e não também o direito de pagarem as quotas em dívida como se, quando exerceram as referidas funções, pudessem ter-se inscrito na Caixa, nem tão-pouco o direito de pagarem essas quotas como se tivessem formulado o pedido de contagem de tempo de serviço num momento em que a lei, que regulava a regularização dessa dívida de quotas, era mais favorável. De facto, tratando-se de um direito cujo exercício está na inteira disponibilidade dos interessados, que podem exercê-lo ou não, consoante nisso vejam ou não vantagem, só no momento em que é deferido o pedido destes para que se lhes conte, para efeitos de aposentação, o tempo de serviço que antes lhes não foi contado, é que eles passam a ser devedores de quotas à Caixa. Ora, essa dívida, nascendo nesse momento, há-de naturalmente reger-se pela lei que esteja em vigor quando os interessados formulam o referido pedido, e não por qualquer outra que, anteriormente, tenha disposto sobre a matéria.
Mas, sendo isto assim, a lei – ou seja: a norma constante do n.º 3 do artigo 13º do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro) – conjugada com a norma que consta do n.º 1 do artigo 1º do mesmo Estatuto (na sua redacção inicial), este na interpretação de que o exercício de funções de secretário de um gabinete ministerial, ao tempo em que o recorrente as exerceu, não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações – não privou os interessados de qualquer direito adquirido; é dizer: não os privou do direito, que, entretanto, adquiriram, de pedir que, para efeitos de aposentação, lhes seja contado o tempo de serviço prestado num momento em que a lei o não considerava relevante para o referido efeito. E também os não privou de qualquer expectativa juridicamente fundada – expectativa traduzida no facto de a dívida de quotas à Caixa ser calculada do modo prescrito no n.º 1 do artigo
13º do Estatuto da Aposentação (ou do n.º 3 desse artigo 13º, na redacção anterior à da Lei n.º 30-C/92) –, uma vez que, achando-se a contagem desse tempo de serviço na disponibilidade dos interessados, tal expectativa só pode dizer-se juridicamente fundada a partir do momento em que o interessado formula esse pedido de contagem do tempo de serviço ainda não pago.
A norma aqui em apreciação só pode, aliás, dizer-se retroactiva, na medida em que manda contar tempo de serviço prestado numa época em que o mesmo não contava para efeitos de aposentação. Ou seja: só é retroactiva, na medida em que concede um direito.
Por isso, a referida norma não viola o aludido princípio da confiança.
4.3. A norma do mencionado artigo 13º, n.º 3, do Estatuto da Aposentação, na dita redacção (ou seja: na redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro), também não viola o artigo 56º, n.º 2, alínea a), da Constituição
(redacção de 1989, em vigor à data da emissão da dita Lei n.º 30-C/92), que reconhece às associações sindicais o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho.
Este Tribunal tem entendido que constitui legislação do trabalho aquela que visa regular as relações individuais e colectivas de trabalho e, bem assim, os direitos dos trabalhadores enquanto tais e os das respectivas organizações – ou seja: a legislação que visa regulamentar os direitos fundamentais dos trabalhadores [cf., entre muitos outros, o acórdão 477/98 (Acórdãos citados, volume 40º, páginas 477 e seguintes)]. E, no que especificamente respeita à função pública, o Tribunal precisou, no acórdão n.º 362/94 (Acórdãos citados, volume 28º, páginas 81 e seguintes), que constitui legislação do trabalho 'o que se estatui em matéria de regime geral e especial dessa espécie de vínculo de trabalho subordinado, condições de trabalho, vencimentos e demais prestações de carácter remuneratório, regime de aposentação ou de reforma e regalias de acção social e de acção social complementar'.
Ora, não pode dizer-se que faça parte do regime da aposentação – e que, assim, deva ser considerada legislação do trabalho – uma norma como a do artigo 13º, n.º 3, do Estatuto da Aposentação, na redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro, que apenas altera a base de cálculo do montante devido à Caixa Geral de Aposentações por quotas relativas a tempo de serviço ainda não pago (anteriormente, essa dívida de quotas era apurada, 'sem juros, mediante a aplicação da taxa vigente à data do respectivo requerimento a um valor médio a fixar por portaria do Ministro das Finanças'; agora, depois da referida alteração legislativa, essa mesma dívida é liquidada, 'sem juros, com base na remuneração do cargo do subscritor à data da entrada do requerimento e na taxa então vigente'). O direito de ver contado como tempo de serviço, para efeitos de aposentação, o tempo por que os interessados desempenharam funções que, à data, não conferiam o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações – que, sem dúvida, integra o dito regime da aposentação – esse mantém-se absolutamente intocado. E intocados ficaram também os princípios que estruturam o direito à aposentação.
A norma agora sub iudicio limita-se, assim, a regulamentar o modo de apuramento da dívida de quotas à Caixa Geral de Aposentações relativa a tempo de serviço ainda não pago. Ou seja: apenas trata do modo de calcular o montante da dívida que os interessados, que, para efeitos de aposentação, pretendam contar tempo de serviço ainda não saldado, terão que pagar à dita Caixa.
Não sendo tal norma uma norma estruturante do regime da aposentação, não constitui ela legislação do trabalho. E, por isso, não viola o artigo 56º, n.º
2, alínea a), da Constituição (versão de 1989).
4.4. O artigo 1º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, na redacção e interpretação indicadas (ou seja, na sua redacção inicial, e na interpretação de que o exercício de funções de secretário de um gabinete ministerial, ao tempo em que o recorrente as exerceu, não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações), também não viola o artigo 13º da Constituição.
Para assim concluir, basta recordar que, não estando aqui em causa a inscrição na Caixa Geral de Aposentações de alguém que, presentemente, desempenhe funções num gabinete ministerial – suposto que essa inscrição é possível -, é de todo inadequado, para concluir pela violação da igualdade, invocar-se a situação do
'pessoal de apoio aos órgãos de soberania' e a dos 'titulares de cargos políticos': é que – repete-se – o princípio da igualdade não opera diacronicamente; e, por isso, a situação desse pessoal de apoio e a dos titulares de tais cargos não pode servir de tertium comparationis.
O dito artigo 1º, n.º 1, também não viola o artigo 63º, n.º 4, da Constituição, segundo o qual 'todo o trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado'. Antes de mais, convém insistir em que o mencionado artigo 1º, n.º 1, não foi interpretado no sentido indicado pelo recorrente (ou seja: no sentido de 'que não estende ao pessoal dos gabinetes ministeriais o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações'). Foi antes interpretado no sentido de que, na data em que o recorrente desempenhou funções num gabinete ministerial, o exercício dessas funções não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações. E deve acrescentar-se que o acórdão recorrido interpretou o normativo em causa no sentido de que resulta dele (conjugado com o artigo 13º, n.º 3, do dito Estatuto) que o tempo de serviço prestado num gabinete ministerial numa altura em que o exercício de tais funções não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, presentemente, releva para efeitos de aposentação – é dizer: releva para o efeito de calcular a pensão de aposentação.
Sendo este o sentido com que o normativo em causa foi interpretado pelo acórdão recorrido, é óbvio que ele não pode afrontar uma norma como a do citado artigo
63º, n.º 4, que, ao dispor que todo o trabalho 'contribui' para o cálculo da pensão de velhice, logo acrescenta que o modo de contribuir para esse cálculo há-de buscar-se 'nos termos da lei' – lei que, no caso, é o Estatuto da Aposentação, incluindo o norma do citado n.º 3 do artigo 13º, que, recorda-se, trata do modo de calcular o montante da dívida que os interessados, que, para efeitos de aposentação, pretendam contar tempo de serviço ainda não saldado, terão que pagar à Caixa Geral de Aposentações.
5. Em conclusão: As normas sub iudicio não são, pois, inconstitucionais. Há, por isso, que negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
III. Decisão: Pelos fundamentos, decide-se:
(a). negar provimento ao recurso; e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade;
(b). condenar o recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 18 de Abril de 2001 Messias Bento José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida