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Processo nº 241/00
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, instaurados ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente M... e são recorridos D... e mulher, G..., foi proferido acórdão, em 31 de Janeiro de 2001, com o nº 43/2001, em que se decidiu não tomar conhecimento do recurso, condenando-se a recorrente nas custas respectivas.
Notificada, veio esta, oportunamente, requerer a aclaração do aresto, 'quanto aos seguintes aspectos:
1.- Qual a norma ou normas legais em que esse Tribunal se fundamenta para decidir não conhecer do objecto de um recurso onde era suscitada a questão da constitucionalidade de normas da lei ordinária; e/ou
2.- Qual a norma ou normas legais cujo não cumprimento por parte da recorrente determinou o não conhecimento do objecto do recurso.'
É que, observa, 'por mais judiciosa que seja' uma decisão que recusa tomar conhecimento de um recurso 'só deverá ser devidamente compreensível e compreendida se estiver ancorada em disposições legais a que o destinatário da decisão devesse dar cumprimento'.
Os recorridos pronunciaram-se no sentido do indeferimento da pretensão deduzida, pedindo a condenação da recorrente como litigante de má-fé, uma vez que os autos revelam que está a fazer uso inadequado do processo, protelando o cumprimento da decisão da 1ª instância.
Ouvida, a requerente defende-se com a invocação do natural exercício de um direito processual, chamando, nomeadamente, a atenção para o facto de, no decurso do processo, não ter utilizado os diversos expedientes processuais possíveis com o objectivo de assim conseguir efeitos dilatórios.
Cumpre decidir.
2. - A recorrente e ora requerente entende que no acórdão proferido 'não foram indicadas nem a norma em que o mesmo se fundamentou para decidir não conhecer do objecto de um recurso onde era invocada a inconstitucionalidade de normas de lei ordinária, nem as normas cujo incumprimento por parte da recorrente determinaram essa rejeição'.
Não lhe assiste razão.
Dando de barato ser o caso vertente subsumível à figura convocada de aclaração, o certo é que no acórdão consta inequivocamente que não se toma conhecimento do objecto do recurso por inverificação dos respectivos pressupostos de admissibilidade.
É assim que logo se começou por citar a alínea b) do nº
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional e, no âmbito da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, se convidou a recorrente nos termos do artigo 75º-A do mesmo diploma, como consta da passagem do ponto I –
1.2., que se transcreve:
'O requerimento de interposição de recurso mereceu, neste Tribunal, despacho do relator, nos termos e para os efeitos dos nºs. 1, 5 e 7 do artigo 75º-A da citada Lei nº 28/82. Aí se observou, nomeadamente, competir à recorrente uma cabal identificação da norma a apreciar, no seu todo, em dado segmento ou na dimensão interpretativa impugnada, o que, de qualquer modo, sempre implicará a indicação precisa da questão de constitucionalidade. O que se pretendeu – de resto, em harmonia com a jurisprudência assente deste Tribunal – foi obter uma indicação sintética e inequívoca da questão de constitucionalidade, em termos tais que não se suscitem dúvidas razoáveis a respeito do sentido das normas reputado de inconstitucional (cfr., por todos, o acórdão nº 178/95, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Junho de
1995). Colhe-se, da leitura da resposta apresentada, que se pretende obter a
'declaração' de inconstitucionalidade (das normas) dos artigos 64º, nº 1, alínea a), e 22º, nº 1, do RAU e dos artigos 841º, nº 1, 1041º, nº 1, e 1048º do Código Civil, reportadas a um sentido interpretativo que, oportunamente, será analisado.'
É assim, também, que, mais adiante, se retoma a problemática da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, sempre em função da alínea b) do nº 1 do artigo 70º e do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, ao escrever-se, no ponto II-1:
'1. - Por alguma razão se comunicou às partes, quando notificadas para alegarem, a possibilidade de não se vir a conhecer do objecto do recurso, considerando faltarem os respectivos pressupostos para a sua admissibilidade, a entender-se não se estar perante um (necessário) controlo normativo. Anteriormente, já o relator ordenara a notificação da recorrente para, mais clara e inequivocamente – e mais sinteticamente –, enunciar as interpretações normativas cuja adequação constitucional duvida.
É que, como se sabe, se, por um lado, não basta que uma questão de constitucionalidade seja excogitável para que dela o Tribunal Constitucional se ocupe, sendo necessário que a mesma se coloque adequadamente, por quem tem legitimidade para o fazer e em termos de poder reflectir-se utilmente no processo em que o recurso de constitucionalidade teve origem, por outro lado, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade do tipo em apreço destina-se ao controlo normativo de constitucionalidade, não estando vocacionado para a impugnação da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando o desenvolvimento argumentativo se dirige a esta última, dela se discordando com o objectivo da sua reapreciação bem como da reponderação da subsunção fáctica ao enquadramento jurídico, oportunamente feita. Como se escreveu no acórdão nº 18/96 deste Tribunal, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1996 (e tantos outros se poderiam citar),
'[o] sistema português de fiscalização concreta de constitucionalidade é, tal como vem sublinhando este Tribunal, um sistema de controlo normativo, uma vez que só podem ser objecto de recurso de constitucionalidade as normas jurídicas e não também as decisões judiciais, consideradas em si mesmas (cf., inter alia, o Acórdão deste Tribunal nº 318/93, publicado no Diário da República, II série, de
2 de Outubro de 1993, e os Acórdãos nºs. 638/93 e 412/94, estes dois inéditos). Na verdade, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de recursos interpostos de decisões dos outros tribunais que recusem a aplicação de normas jurídicas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que as apliquem, não obstante a sua inconstitucionalidade haver sido suscitada durante o processo pelo recorrente. Ainda de harmonia com a jurisprudência uniforme deste Tribunal, nada obsta a que, na fiscalização concreta, se discuta a constitucionalidade de uma norma, tal como ela foi interpretada e aplicada ao caso concreto (cf., por todos, o Acórdão deste Tribunal nº 114/89, publicado no Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1989). A questão de inconstitucionalidade pode respeitar a uma norma, a uma sua dimensão parcelar ou, mais restritamente, à interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso e aplicada na decisão recorrida (cf., por todos, o Acórdão nº
238/94, publicado no Diário da República, II série, de 28 de Junho de 1995).' Reconhece-se, não obstante, nem sempre ser fácil e isenta de dúvidas a demarcação entre norma e decisão, uma vez que só a primeira está sujeita a controlo por via do recurso de constitucionalidade, inexistindo entre nós um sistema assente na 'queixa constitucional' ou no 'amparo', ou figura equivalente.'
E, logo a seguir, no ponto II-2:
'Sucede, no entanto, que nem, por um lado, as normas em sindicância foram interpretadas no sentido que o recorrente defende ter sido o adoptado, nem, por outro, foi equacionada uma questão de constitucionalidade em termos de controlo normativo, antes se exprimindo discordância quanto aos fundamentos da decisão recorrida, como tal considerada.'
3. - Se não se vislumbra motivo para atender ao requerido, cumpre apreciar se a conduta sustentada pela recorrente no âmbito deste recurso e, designadamente, como reflexo do anterior processado, é susceptível de integrar aquela 'utilização maliciosa e abusiva' de que falava Manuel de Andrade.
A esta luz se dirá que não se tem por caracterizado, ainda, um uso manifestamente reprovável dos meios processuais utilizados com o objectivo, no caso, de entorpecer, protelando, a acção da justiça.
Neste contexto, considera-se não existirem indícios bastantes para a condenação da requerente como litigante de má fé.
4. - Em face do exposto, decide-se indeferir o requerido pedido de aclaração.
Custas pela requerente, com taxa de justiça que se fixa em 10 unidades de conta. Lisboa, 18 de Abril de 2001 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida