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Proc. n.º 89/01
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Notificado da decisão sumária de fls. 244 e seguintes, na qual se decidiu, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do recurso por si interposto para este Tribunal, JG dela veio reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 daquele preceito (fls. 255 e seguintes).
2. Na reclamação ora em apreço aduzem-se, em síntese, os seguintes argumentos no sentido do conhecimento do objecto do recurso e concomitante revogação da decisão sumária: a) A norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada (a do artigo
668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil) foi, contrariamente ao que se concluiu na decisão sumária, efectivamente aplicada no acórdão recorrido, dado que neste se afirma que 'não podia o autor duvidar do sentido da sentença ao não considerar como provados os factos integradores do incumprimento do contrato-promessa' e que 'a sentença em causa permite um controlo externo sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica, não pode igualmente entender-se que ela não respeita o disposto no art. 205º da Constituição'; b) Destas afirmações constantes do texto do acórdão recorrido decorre que, para o tribunal recorrido, é suficiente a possibilidade de ser exercido um controlo externo sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica, tal como a mesma se encontra vertida na sentença proferida em 1ª instância; c) O mesmo é dizer que dessas afirmações decorre que, para o tribunal recorrido,
é suficiente a possibilidade de exercício de um controlo externo sobre uma fundamentação que 'dispensa[m] considerações sintetizadoras das razões da credibilidade do depoimento quanto a este facto' e que considera que 'não se provaram os demais quesitos face à omissão demonstrativa, às contradições lógicas, à inverosimilhança e à ausência de envolvimento pessoal e directo e seguro conhecimento de causa, patenteados nos depoimentos, conforme melhor resulta, também, da referenciada gravação'; d) Foi, assim, aplicado o disposto no artigo 668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, na 'vertente minimalista que foi objecto de denúncia'; e) O conhecimento da inconstitucionalidade da norma em apreço não se revela inútil em face do teor do acórdão recorrido, dado que a declaração da caducidade do contrato-promessa só ocorreu porque se considerou não provada a interpelação
à Ré para a outorga de escritura ou procuração irrevogável nesse sentido.
Cumpre apreciar.
II
3. Na decisão sumária ora reclamada entendeu-se que não era possível conhecer do objecto do recurso interposto para este Tribunal a fls. 238-239, dado que a decisão recorrida não havia aplicado a norma do artigo 668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual a nulidade aí prevista abrange apenas a falta absoluta de fundamentação de uma decisão judicial.
Explicou-se na decisão sumária (cfr. n.º 5.) que era essa a interpretação normativa cuja apreciação estava em causa no recurso interposto pelo ora reclamante.
4. Na presente reclamação, o reclamante não contesta que tenha sido essa a interpretação normativa cuja apreciação pretendia, aquando da interposição do recurso para este Tribunal. Não contesta, igualmente, a bondade da decisão sumária, quando concluiu – pelas razões constantes do seu n.º 6 – que o acórdão recorrido não aplicou a norma do artigo 668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual a nulidade aí prevista abrange apenas a falta absoluta de fundamentação de uma decisão judicial.
Aquilo que verdadeiramente se contesta na presente reclamação é o acolhimento, pelo acórdão recorrido, da fundamentação constante da decisão da 1ª instância. Sob o ponto de vista do reclamante, o acórdão recorrido não podia, sob pena de violação do disposto no n.º 1 do artigo 205º da Constituição, aceitar a fundamentação factual, lógica e jurídica, tal como a mesma se encontra vertida na sentença proferida em 1ª instância. O reclamante descreve depois o conteúdo dessa mesma fundamentação (cfr. pontos 5. e 6. da reclamação, mencionados supra, 2. c).).
Isto é: a argumentação do reclamante não põe minimamente em causa a fundamentação e a conclusão da decisão sumária, quanto à questão de saber se a norma do artigo 668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, foi aplicada na interpretação segundo a qual a nulidade aí prevista abrange apenas a falta absoluta de fundamentação de uma decisão judicial; na verdade, toda a argumentação do reclamante se centra na desconformidade constitucional de uma fundamentação que tenha como conteúdo o da sentença proferida em 1ª instância.
5. Assim sendo, conclui-se que permanecem inteiramente válidas, por falta de impugnação, as razões constantes da decisão sumária para o não conhecimento do objecto do recurso.
A essas razões justificativas do não conhecimento do objecto do recurso, constantes da decisão sumária reclamada, vem afinal o reclamante acrescentar duas outras, na reclamação apresentada:
a) A de o presente recurso efectivamente visar, não a apreciação da conformidade constitucional de uma dada interpretação da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, mas a apreciação da conformidade constitucional da própria decisão recorrida, na parte em que concluiu estar fundamentada a sentença da 1ª instância; b) A de o presente recurso efectivamente visar, não a apreciação da conformidade constitucional da interpretação da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo
668º do Código de Processo Civil, tal como foi identificada na decisão sumária reclamada, mas a apreciação de uma outra interpretação, aliás não identificada, dessa mesma norma.
5.1. A primeira das mencionadas razões para o não conhecimento do objecto do presente recurso prende-se com a circunstância de o recurso, pelos contornos que o reclamante empresta ao seu objecto, assumir as vestes de um amparo, não previsto no nosso Direito.
Não constitui, efectivamente, objecto idóneo do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional a apreciação da conformidade constitucional de uma decisão judicial, sendo necessário apontar uma qualquer interpretação normativa que esteja subjacente a tal decisão. Ora, o conteúdo da sentença da 1ª instância (cfr., novamente, pontos 5. e 6. da reclamação) não é uma interpretação da norma do artigo 668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, pelo que em relação a esse concreto conteúdo não pode pronunciar-se o Tribunal Constitucional.
5.2. A segunda das mencionadas razões para o não conhecimento do objecto do presente recurso prende-se com a circunstância de só em relação à interpretação identificada na decisão sumária ter sido suscitada a inconstitucionalidade durante o processo.
Faltaria, pois, um dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (cfr. também artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei), na eventualidade de se pretender a apreciação da conformidade constitucional de interpretação diversa daquela que foi identificada na decisão sumária reclamada.
5.3. Em síntese, a argumentação expendida pelo reclamante não infirma a fundamentação e inerente conclusão da decisão sumária reclamada, no que toca à não aplicação pelo acórdão recorrido da norma do artigo 668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual a nulidade aí prevista abrange apenas a falta absoluta de fundamentação de uma decisão judicial.
Para além disso, tal argumentação aduz ainda outros motivos para o não conhecimento do objecto do recurso. Um deles é o de que o reclamante efectivamente não pretende a apreciação da conformidade constitucional de uma interpretação normativa, mas a apreciação da conformidade constitucional da solução adoptada na sentença da 1ª instância e acolhida pelo tribunal recorrido. O outro – e admitindo que o reclamante pretenda desse modo sindicar ainda uma interpretação normativa – é o de que, durante o processo, apenas foi suscitada a inconstitucionalidade da interpretação normativa identificada na decisão sumária, pelo que em relação a qualquer outra não estaria preenchido o correspondente pressuposto processual.
6. Refere por último o reclamante (supra, 2. e)), que o conhecimento da inconstitucionalidade da norma em apreço não se revela inútil em face do teor da decisão recorrida, dado que a declaração da caducidade do contrato-promessa só ocorreu porque se considerou não provada a interpelação à Ré para a outorga de escritura ou procuração irrevogável nesse sentido.
Prende-se tal argumentação com uma das conclusões a que se chegou na decisão sumária (cfr. n.º 7 dessa decisão), e que é a seguinte:
'[...] ainda que se entendesse que a decisão recorrida aplicou a norma do artigo
668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil na interpretação questionada pelo recorrente, o conhecimento do objecto do recurso seria completamente inútil. E isto porque, mesmo que o Tribunal Constitucional julgasse inconstitucional a apontada interpretação do artigo 668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça em nada se alteraria. Como claramente decorre do texto do respectivo acórdão, considerou-se que o contrato-promessa de partilhas que deu origem aos presentes autos já havia caducado: assim, mesmo que na sequência desse hipotético julgamento do Tribunal Constitucional viesse a considerar-se nula a sentença da 1ª instância, a revista sempre improcederia com fundamento em caducidade do contrato-promessa.'
Esta conclusão constante da decisão sumária fundamenta-se na seguinte passagem do acórdão recorrido:
'[...]
4. No que respeita ao incumprimento do contrato-promessa, considera o Recorrente que a interpelação é desnecessária quando outro contraente manifeste, de forma categórica e definitiva, a sua intenção de não cumprir, caso em que fica, desde logo, constituído em mora de qualquer modo, a citação para a presente acção equivale a interpelação para efeito do cumprimento do contrato-promessa. Sem que seja necessário apreciar se tais factos eram, em abstracto, de natureza a constituir em mora a Recorrida, verifica-se, no caso dos autos, que, segundo o contrato-promessa, a escritura devia ser celebrada até seis meses após o trânsito em julgado da sentença que proferir o divórcio. Ora, esta data de 25 de Junho de 1990 e o requerimento de partilha, como resulta de fls. 53 v, foi apresentado em 16 de Junho de 1993, quando o contrato havia já caducado. Pela mesma razão improcede o argumento da Recorrente segundo o qual a citação para a presente acção equivale a interpelação.
5. Face ao exposto, é desnecessário apreciar a questão da validade do contrato-promessa.'
Segundo o reclamante, portanto, haveria interesse em conhecer da questão da inconstitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, apesar de o tribunal recorrido ter considerado que o contrato-promessa já havia caducado, porque a verificação da caducidade resultou da consideração de certo facto (a interpelação) como não provado.
Subjacente a esta argumentação está a ideia de que o tribunal recorrido adoptou a tese da caducidade porque indevidamente considerou o facto da interpelação como não provado. Está igualmente subjacente a ideia de que ao reclamante assiste o direito à renovação da prova (e daí o afirmado no n.º 14 da reclamação).
Ora, o reclamante não demonstra minimamente, nem que tal facto tenha ocorrido, nem que a lei lhe confira o direito à renovação da prova.
E não competindo ao Tribunal Constitucional averiguar a ocorrência de tal facto e reconhecer ao reclamante tal direito, é evidente a improcedência desta argumentação. III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada que não tomou conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 18 de Abril de 2001 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida