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Proc.nº 203/91 PLENÁRIO Cons. Sousa e Brito
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional :
1. O Provedor de Justiça, no uso da faculdade que lhe é atribuída pela alínea d) do nº 2 do artigo 281º da Constituição, requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das seguintes normas : a) dos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 12/90, de 6 de Janeiro, que transformou a Rodoviária Nacional, E.P., em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, bem como do Capítulo III do seu Anexo I; b) do Decreto-Lei nº 47/91, de 24 de Janeiro, enquanto dá nova redacção aos artigos 10º e 12º do mencionado Decreto-Lei nº 12/90. Da análise do requerimento do Provedor de Justiça resulta que a invocada inconstitucionalidade dos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 12/90 residiria no facto de os artigos 9º e 28º dos Estatutos da Rodoviária Nacional, Investimentos e Participações, SA. (RNIP) , aprovadas por aquele artigo 5º e constantes do Anexo I ao citado diploma legal, não contemplarem a representação dos trabalhadores da empresa nos órgãos sociais previstos no mencionado artigo 6º, em contravenção ao disposto no artigo 54º, nº 5, alínea f), conjugado com o artigo 90º (versão de 1989 - actual artigo 89º) da Constituição. Por outro lado, a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 47/91 radicaria na circunstância de ele ter vindo dar uma redacção aos artigos 10º e 12º do Decreto-Lei nº 12/90, preceitos em que 'se visa prosseguir a reorganização da empresa em causa', sem que se tenha procedido a prévia audição da comissão de trabalhadores, assim se contrariando o preceituado no artigo 54º, nº 5, alínea c), da Constituição.
2. Na sua resposta, o Primeiro-Ministro concluíu assim :
' A - O Decreto-Lei nº 12/90, de 6 de Janeiro, transformou a Rodoviária Nacional, E.P. em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, com a firma RNIP - Rodoviária Nacional, Investimentos e Participações, S.A. e o Decreto-Lei nº 47/91, de 24 de Janeiro, deu nova redacção aos artigos 10º e 12º, do primeiro diploma legal, dispondo quanto ao destino do património da empresa; B - Após a transformação da Rodoviária Nacional, E.P., (pessoa colectiva de direito público) em RNIP - Rodoviária Nacional, Investimentos e Participações, S.A. (pessoa colectiva de direito privado), com estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, esta passou a reger-se pelo referido Decreto-Lei, respectivos Estatutos e Código das Sociedades Comerciais, em conformidade com os princípios estabelecidos nas Leis 84/88, de 20 de Julho, e
11/90, de 5 de Abril (transformação das empresas públicas em sociedades anónimas e consequente privatização); C - Perante a nova realidade jurídica (sociedade anónima) e respectivo regime
(Código das Sociedades Comerciais), não tem fundamento legal a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais da empresa, no que respeita ao Decreto-Lei nº
12/90, Cap.III, Anexo I; nem, atento o quadro legal entretanto criado, se justifica a audição prévia da Comissão de Trabalhadores na edição do Decreto-Lei nº 47/91; D - Por outro lado, os dois diplomas legais, cuja declaração de inconstitucionalidade o Serviço do Provedor de Justiça requer, inserem-se no processo mais amplo das privatizações, devendo a RNIP, a curto prazo, constituir uma simples holding (sociedade gestora de privatizações sociais) das empresas cinditárias e a privatizar. E - Em contrapartida, uma percentagem do capital a reprivatizar será reservado a aquisição ou subscrição (no mínimo de 20%) por trabalhadores da empresa objecto de reprivatização, com especiais condições de pagamento a fixar em Resolução do Conselho de Ministros; F - Nos termos da conclusão C) as alegadas inconstitucionalidades não ser verificam porque à sociedade anónima criada pelo Decreto-Lei nº 12/90, de 6 de Janeiro, não é 'aplicável o regime inscrito na alínea f) do nº 5 do artº 54º, conjugado com o artº 90 da Constituição' (vide artº 3º, da petição), nem o disposto nos artigos 30º e 31º da Lei nº 46/79, de 12 de Janeiro; G - Pelo contrário, estas normas foram editadas ao abrigo dos princípios estabelecidos nas Leis nºs 84/88, de 20 de Junho e 11/90, de 5 de Abril, bem como dos artigos 85º e 296º da CRP., em matéria de privatizações. Cumpre decidir.
3. Independentemente do juizo de constitucionalidade que devesse ser formulado a propósito das normas questionadas, a verdade é que a apreciação do pedido perdeu qualquer interesse relevante. Com efeito, na sequência da publicação do Decreto-Lei nº 196/91 de 29 de Maio, do Decreto-Lei nº 140/94, de 23 de Maio e do Decreto-Lei nº 309/94 de 21 de Dezembro que autorizaram a RNIP- Rodoviária Nacional de Investimentos e Participações, SGPS, S.A. a alienar o capital social das sociedades que haviam resultado de cisão da própria RNIP - nomeadamente, Rodoviária de Entre o Douro e Minho, S.A., Rodoviária do Algarve, S.A., Transporta - Transporte de Porta a Porta, S.A., Porto Corgo - Transporte de Mercadorias, S.A., Rodoviária da Estremadura, S.A., Rodoviária do Sul do Tejo, S.A. e Rodoviária de Lisboa, S.A.-, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 12/90, foram estas sociedades privatizadas e a própria RNIP foi extinta pelo artigo 10º do Decreto-Lei nº
309/94. Assim sendo, concluído esse processo de privatização, já nenhum sentido faria vir declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos estatutos da Rodoviária Nacional, por neles se não prever a eleição de representantes dos trabalhadores para os seus órgãos sociais, sendo certo que a norma constitucional invocada como parâmetro tem como únicos destinatários as
'empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas'. De todo o modo, a ser declarada qualquer inconstitucionalidade, sempre o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 282º, nº 4, por razões de segurança jurídica, limitaria os seus efeitos, de modo a não atingir o subsequente processo de privatização, o que retiraria qualquer utilidade prática à apreciação do pedido. O mesmo se diga, quanto a este último ponto, quanto à invocada inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 47/91, cuja eventual inconstitucionalidade formal, a vir a ser declarada, seguramente determinaria, por parte do Tribunal, e nos mesmos termos, a restrição dos respectivos efeitos, igualmente por razões de segurança jurídica.
4. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do pedido. Lisboa, 4 de Abril de 2001 José de Sousa e Brito Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Messias Bento Bravo Serra Paulo Mota Pinto Artur Maurício Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida