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Processo nº 437/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A... e recorrido o Ministério Público, pelos fundamentos constantes da exposição oportunamente lavrada nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com os quais se concorda no essencial e que mereceu inteira concordância por parte do recorrido, não abalada pela resposta do recorrente, que reitera a sua anterior argumentação, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) unidades de conta.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 1998 Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 437/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
1.1.- A..., identificado nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito ao requerimento por si dirigido, em 19 de Janeiro de 1994, ao Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, no sentido de lhe serem abonadas ajudas de custo diárias na missão técnico-militar que integrou, idênticas às auferidas pelo militar de posto mais elevado da missão
(oficial general), de acordo com o nº 2 da Portaria nº 1021/91, de 7 de Outubro, o que, no caso, não ocorreu.
O Supremo Tribunal Administrativo (STA), por acórdão de
6 de Fevereiro de 1996 (1ª Secção-2ª Subsecção), negou provimento ao recurso por entender que o despacho recorrido não violou a referida norma.
Inconformado, recorreu o interessado para o Pleno da 1ª Secção daquele Tribunal, pedindo, entretanto - já com os autos a correr vistos - dispensa do pagamento de preparos e custas, ao abrigo do disposto no artigo 6º da Lei nº 11/89, de 1 de Junho, e do artigo 23º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), aprovado pelo Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro.
1.2.- O Conselheiro relator, em despacho de 13 de Janeiro de 1997, indeferiu o pedido, por entender não se enquadrar a situação do requerente na previsão legal.
Tendo presente o texto das normas convocadas, observou o mesmo magistrado que uma e outra só isentam os militares do pagamento de preparos e custas quando estiver em causa a defesa dos seus direitos e do seu bom nome e reputação devido ao serviço prestado às forças armadas ou no âmbito destas, o que - em seu entender - não é o caso, em que o militar pretende fazer valer direitos que, na sua perspectiva, lhe adviriam do respectivo estatuto remuneratório.
Não se reage, assim, contra ofensa decorrente do exercício de funções, pretendendo fazer valer um direito que, a seu ver, lhe assiste como militar.
E observa-se, a finalizar:
'Os preceitos legais citados não pretenderam criar um privilégio a favor dos militares pelo simples facto de o serem, o que ofenderia o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CR e geraria inconstitucionalidade.'
1.3.- Notificado, reclamou o ora recorrente para a conferência que, no entanto, por acórdão de 4 de Junho último, desatendeu a pretensão formulada e confirmou o anterior despacho.
Nessa peça processual de reclamação defendeu, nomeadamente, que as referenciadas normas, tomadas no pretendido entendimento amplo de que a defesa dos direitos nelas mencionada se refere a quaisquer direitos, seja qual for o seu conteúdo e qualquer que seja a origem da ofensa, não violam o princípio constitucional da igualdade.
Não obstante, o Tribunal considerou, em termos ora insindicáveis, não integrar o caso em apreço situação subsumível à previsão normativa questionada, escrevendo-se, nomeadamente, no acórdão recorrido:
'Desde logo fica claro que a isenção de preparos e custas concedida pelo artigo 6º da Lei nº 11/89, de 1/6, e reafirmada no artigo 23º do EMFAR aprovado pelo DL 34-A/90, de 24/1, constitui um direito do militar, mas não pelo simples facto de o ser, antes tendo como pressuposto que o militar necessita de defender os seus direitos e o seu bom nome e reputação quando sejam atingidos
«por causa do serviço que prestam às Forças Armadas ou no âmbito destas».
Entendido como o faz o reclamante [ou seja, no entendimento amplo de que a defesa de direitos se refere a quaisquer direitos seja qual for o seu conteúdo, e qualquer que seja a origem da ofensa] o direito transformar-se-ia em privilégio, com ofensa do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP' (sublinhado original).
E acrescentou-se:
'Neste contexto, é destituído de valor o argumento de que por esta via se compensaria o desequilíbrio relativamente à Administração, que está isenta de cus tas. É que o princípio da igualdade é afirmado e vigora entre os cidadãos, não entre cada um destes e o Estado.
A lei é aliás bem clara ao exigir um nexo causal entre o exercício da função militar e a necessidade do recurso a juízo para defesa dos direitos por virtude desse direito atingidos.
O legislador teve em vista compensar o militar do maior risco corrido no exercício das suas funções, isentando-o de custas quando tenha de defender-se por causa desse exercício.
Não é essa a situação presente, em que o militar só pretende fazer valer um direito que, a seu ver, nessa qualidade lhe assiste, mediante exigência de remuneração que entende ser-lhe devida.'
1.4.- Do assim decidido pretende o interessado recorrer para o Tribunal Constitucional, dado que, como consta do requerimento de interposição de recurso, recusou-se a aplicação à situação sub judice das normas dos artigos 6º da Lei nº 11/89 e 23º do EMFAR 'com fundamento da sua inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da igualdade (CRP,13)'.
O recurso, consoante viria a ser clarificado após se observar o mecanismo previsto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82, foi interposto ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da CR e 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82.
O Tribunal Constitucional não se encontra, no entanto, vinculado ao despacho do magistrado que, no tribunal recorrido, admitiu o recurso - artigo 76º deste último diploma legal.
2.1.- Importa verificar se estão reunidos os pressupostos exigíveis para o recurso de constitucionalidade com base na alínea a) do nº 1 daquele artigo 70º: recurso de decisão que tenha recusado a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade.
Constitui, a este respeito, jurisprudência pacífica deste Tribunal exigir a congregação de dois pressupostos para admitir este tipo de recurso:
a) recusa (ainda que implícita) da aplicação pela decisão recorrida de uma norma jurídica (ou de uma sua dada interpretação), com fundamento em inconstitucionalidade;
b) constituir essa recusa um dos fundamentos da decisão - decisão de desaplicação ou de recusa de aplicação - e não um mero obiter dictum ou desenvolvimento argumentativo ad ostentationem.
Neste sentido, inter alia, citem-se os acórdãos nºs.
14/91, 206/92 e 636/94, publicados no Diário da República, II Série, de 28 de Março de 1981, 12 de Setembro de 1992 e 31 de Janeiro de 1995, respectivamente.
2.2.- Ora, do que vem sendo dito, com particular relevo para os excertos transcritos do acórdão recorrido, é de concluir, não ter havido, in casu, recusa de aplicação das normas com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Houve, sim, ao serem aplicadas as ditas normas, ponderação da leitura interpretativa delas feita pelo recorrente, afirmando-se, a esse propósito, que se semelhante leitura fosse observada violar-se-ia o princípio constitucional da igualdade.
Semelhante tipo de discurso argumentativo não se assume como uma decisão positiva de inconstitucionalidade pois, notoriamente, não tem a virtualidade de conformar decisivamente a sentença recorrida: esta fundamentou-se naquelas normas, tal como o Tribunal as interpretou, e limitou-se a considerar que a interpretação defendida pelo ora recorrente geraria inconstitucionalidade, não tendo, patentemente, ocorrido recusa de aplicação de norma.
A situação não é, assim, equiparável à contemplada no acórdão nº 1020/96 (publicado no Diário citado, II Série, de 24 de Dezembro de
1996) pertinente a uma determinada interpretação normativa explicitamente afastada com fundamento da sua incompatibilidade com a Constituição.
No caso concreto, a representação de uma interpretação normativa inconstitucional em sede de aplicabilidade não constitui fundamento da decisão - nem um fundamento mais - mas um simples obiter dictum. Com efeito a questão de interpretação que o acórdão resolve - e coloca como sua ratio decidendi - é outra que não a inconstitucionalidade do sentido por si rejeitado
(para utilizar a impressiva expressão contida no acórdão nº 636/94 já citado), mais concretamente, é a da exigência de um nexo causal entre o exercício da função militar e a necessidade de recurso a juízo para defesa de direitos atingidos.
Dito por outras palavras, e contrariamente ao caso contemplado naquele acórdão nº 1020/96, a interpretação normativa defendida pelo recorrente não foi explícita nem implicitamente rejeitada pelo tribunal recorrido, que a não convocou para a respectiva fundamentação de aplicação normativa.
3.- Assim sendo e porque a situação sub judice não é enquadrável como fundamento de recurso com base na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82 - independentemente de qualquer juízo sobre os respectivos pressupostos - nem para esse fundamento é 'convolável' (e, se porventura o fosse, não ocorreu, ainda, a exaustão dos recursos ordinários a que alude o nº 2 deste artigo 70º), emite-se parecer, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A do mesmo diploma legal, no sentido de que não pode conhecer-se do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.