Imprimir acórdão
Procº nº 295/95 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. O representante do Ministério Público junto do 1º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa requereu o julgamento, em processo comum e tribunal singular, de F..., imputando-lhe a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelos artigos 23º e 24º do Decreto 13 004 de 12 de Janeiro de 1927, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro. O ofendido, A..., constituiu-se assistente e deduziu contra o arguido pedido de indemnização civil no valor do cheque sem cobertura
(3.343.000$00), acrescida dos juros legais.
Por sentença de 30 de Outubro de 1994, foi o arguido condenado a 14 meses de prisão, suspensa por um ano, na condição de pagar ao ofendido a referida indemnização. Interposto e admitido recurso desta decisão apenas quanto
à condenação no pedido cível, veio o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 31 de Janeiro de 1995, a revogar a sentença recorrida nessa parte, com fundamento em que o cheque pertencia a uma sociedade e que não ficara provado que o arguido tivesse assumido, a título pessoal, o pagamento da dívida nele representada.
2. O assistente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas , por despacho de 21 de Fevereiro de 1995, o Relator no Tribunal da Relação não o admitiu, com fundamento no disposto no artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal (que admite o recurso em matéria cível quando a decisão impugnada
é desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido), por tal norma expressamente excepcionar o disposto nos artigos 427º e 432º do mesmo Código. Apresentada reclamação, nos termos do artigo 405º do Código de Processo Penal, veio esta a ser indeferida, por despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 1995. Ainda inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, com fundamento em a norma do artigo 432º do Código de Processo Penal (por manifesto lapso no requerimento de interposição do recurso refere-se o artigo 423º), na 'parte em que se extrai daquela decisão' [sic] ser 'inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e de acesso ao direito na plenitude do sistema'.
Nas alegações aqui produzidas, concluiu da seguinte forma:
'1º- Os artºs. 400º, nº 2, 427º e 432º do Código de Processo Penal não admitem recurso restrito a matéria cível de acórdão da Relação proferido em processo crime comum julgado em primeira instância por Juiz singular que decida de indemnização civil de valor superior à alçada da Relação e seja desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade daquela alçada.
2º- Por outro lado, no foro civil é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação proferido sobre indemnização civil de valor superior à alçada da Relação que seja desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade daquela alçada.
3º- Este regime é também aplicável em certos casos quando o pedido de indemnização civil se funda na prática de um crime.
4º- Assim, o regime referido na precedente conclusão 1ª é inconstitucional porque arbitra- riamente desigual ofendendo o princípio constitucional da igualdade - artº 13º da C.R.P..
5º- E tal regime é também inconstitucional porque também limita o princípio constitucional do pleno acesso ao direito e aos tribunais no quadro do sistema jurídico português'.
Não foram apresentadas outras alegações.
3. Corridos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
4. O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Setembro), pelo que a sua apreciação exige a verificação prévia dos seguintes pressupostos específicos (além dos pressupostos gerais do recurso):
a) A suscitação durante o processo da inconstitu- cionalidade de uma ou mais normas jurídicas; b) A aplicação dessa norma ou normas pela decisão recorrida; c) A inadmissibilidade de recurso ordinário dessa decisão, por a lei o não prever ou por se terem esgotado os que ao caso cabiam.
Ora, in casu, todos estes pressupostos se encontram preenchidos. De facto, embora a impugnação da constitucio- nalidade das normas dos artigos 400º, nº 2, 427º e 432º do Código de Processo Penal tenha ocorrido pela primeira vez numa reclamação - a que, ao abrigo do artigo 405º do Código de Processo Penal, foi dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça -, esta consubstancia um 'recurso ordinário' para efeitos do nº 2 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
(cfr., inter alia, os Acórdãos nºs. 323/94, 65/85, 97/85 e 14/86, publicados no Diário da República, II Série, de, respectivamente, 7 de Junho de 1994, 31 de Maio de 1985, 25 de Julho de 1985, e 23 de Abril de 1986) e, portanto, não pode deixar de se ter a inconstitucionalidade como suscitada durante o processo.
Por outro lado, a decisão de que se recorre para este Tribunal - o despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 1995 - aplicou as normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente na reclamação do despacho de inadmissão do recurso (as normas dos artigos 400º,
427º e 432º do Código de Processo Penal).
Por último, com a reclamação deste último despacho para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ficaram esgotados os recursos ordinários que no caso cabiam.
5. Objecto do presente recurso de constitucionalidade são, assim, as normas conjugadas dos artigos 400º, nº 2, 427º e 432º do Código de Processo Penal.
Preceitua a primeira das normas citadas:
'2- Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil é admissível desde que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em
valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido.'
Por sua vez, dispõem os artigos 427º e 432º do referido Código:
'Artigo 427º
(Recurso para a relação)
Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação'.
'Artigo 432º.
(Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça)
Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;
b) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo;
d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores;
e) Noutros casos especialmente previstos na lei.'
Sucede que a questão da constitucionalidade das normas cujo conteúdo vem de ser transcrito já foi analisada por este Tribunal, através desta mesma Secção, no Acórdão nº 201/94 (publicado no Diário da República, II Série, nº
117, de 20 de Maio de 1994), tendo-se aí concluído que os referidos preceitos não são inconstitucionais, já que não violam quaisquer normas e princípios constitucionais, designadamente o princípio constitucional da igualdade, plasmado no artigo 13º da Constituição.
É essa mesma solução que agora o Tribunal reitera, limitando-se a remeter para os fundamentos do mencionado Acórdão nº 201/94.
III - Decisão.
6. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
Lisboa, o5 de Fevereiro de 1998 Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Messias Bento José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida