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Proc. nº 1115/98
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1.1. - O Supremo Tribunal Militar, por acórdão de 24 de Setembro de 1998, proferido em autos de recurso penal em que é réu J..., debruçando-se sobre a legitimidade do Promotor de Justiça junto daquele Tribunal para neles intervir processualmente, considerando a redacção dada ao artigo 4º da Lei nº
47/86, de 15 de Outubro, pela Lei nº 60/98, de 27 de Agosto, decidiu declarar
'que o Promotor de Justiça junto deste Supremo Tribunal conserva a competência atribuída pelas diversas disposições do Código de Justiça Militar e a legitimidade para intervir nestes autos no exercício dessa competência'.
O Procurador-Geral Adjunto no mesmo Tribunal pediu a aclaração de decidido, que foi objecto do acórdão de 22 de Outubro seguinte, agora se 'esclarecendo' que: a) o exercício da acção penal, ou seja, todas as atribuições que aquele Código confere ao Promotor de Justiça, continuam a ser por este exercidas; b) a representação do Ministério Público e todas as atribuições que outra qualquer lei aplicável atribua a este passam a caber ao Procurador-Geral Adjunto; c) mas não cabe a este último o exercício da acusação pública que, no foro militar, é atribuída às autoridades militares.
O magistrado do Ministério Público, notificado, atravessou requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, 'o que faz nos termos e com fundamento das disposições conjugadas dos artigos 72º, alínea a), 75º-A, nº 1, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro'.
O recurso não foi admitido, por despacho de 5 de Novembro seguinte, do magistrado relator.
Aí se observa que no requerimento em causa - dirigido ao Presidente do Tribunal e não ao relator do processo - não se identifica o aresto de que se pretende recorrer (o de 24 de Setembro ou o de 22 de Outubro), presumindo-se que seja do primeiro, aclarado pelo segundo, e não se identificam a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, bem como a peça processual onde a questão foi suscitada.
O cumprimento do disposto no nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, que se deveria seguir, não é feito por razões de economia processual, dado o recurso ser 'manifestamente inadmissível'. Na verdade, acrescenta-se, foi o mesmo intempestivamente interposto, uma vez que o prazo terminava em 2 de Novembro e o requerimento deu entrada no dia seguinte, não se aplicando ao Ministério Público o disposto no nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil e, por outro lado, não tendo sido arguida ou suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma, falta um pressuposto essencial de admissibilidade do recurso, não se justificando o convite previsto na norma do nº 5 do citado artigo 75º-A.
A reclamação dirigida ao Tribunal Constitucional foi objecto de despacho do relator, de 12 de Novembro último, confirmatório da argumentação anteriormente desenvolvida.
1.2. - Pretende, agora, o mesmo magistrado, nos termos do nº 1 do artigo 77º da Lei nº 28/82 (melhor se diria, do nº 4 do artigo 76º desse diploma), que a reclamação seja deferida e, consequentemente, admitido o recurso de constitucionalidade.
Foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos do nº 2 do artigo 77º citado, que se pronunciou no sentido da procedência da reclamação: por um lado, dado se estar em face de processo constitucional, regido subsidiariamente pelas normas processuais civis, sendo inteiramente pertinente aplicar no caso concreto o disposto no nº 5 do artigo 145º do CPC, sendo certo que, conforme jurisprudência constitucional, a intervenção do Ministério Público não está sujeita a pagamento de multa; por outro lado, o facto de o requerimento de interposição do recurso não preencher os requisitos exigidos pelo citado artigo 75º-A, não legitima o relator a imediatamente indeferir o requerido, sem convidar o recorrente a completar ou a corrigir o requerimento. E, não se diga, a este propósito, que se trataria de diligência inútil pois só perante a determinação e delimitação do objecto do recurso, em função da correcção a operar, se poderá concluir se não se estará perante uma
'decisão surpresa', susceptível de dispensar suscitação prévia de inconstitucionalidade normativa.
Dispensaram-se os demais vistos, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 77º da Lei nº 28/82, cumprindo decidir.
2.1. - A primeira das questões a resolver respeita à utilização pelo Ministério Público do artifício previsto nos nºs. 5 e 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil, mercê do qual, independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, não tendo de pagar a multa que impenderia sobre qualquer outra parte processual por dela estar isento (dá-se por assente que o recurso foi apresentado um dia após o termo do prazo, o que o recorrente não põe em causa, mas não se encontra processualmente provado nestes autos de reclamação).
Ora, o Tribunal Constitucional vem entendendo que, não obstante a isenção de que beneficia, ao Ministério Público não pode ser recusada a prática do acto processual em causa dentro do período adicional dos três dias previstos na lei processual civil, o que aqui se reitera: cfr., neste sentido, os acórdãos nºs. 59/91, 267/91 e 198/92, os dois primeiros publicados no Diário da República, II Série, de 1 de Julho e 23 de Outubro de 1991, respectivamente, o terceiro mantendo-se inédito. Assim sendo, mesmo que, por hipótese, o Tribunal Constitucional venha a entender no futuro diferentemente - considerando a ausência de consenso que, nesta matéria, se tem verificado - o certo é que o acervo jurisprudencial existente não permite, sem mais, que liminarmente se tenha o recurso por extemporâneo.
2.2. - A segunda das questões a ter em conta articula-se com a apresentação formal do requerimento de interposição do recurso: independentemente da questão da tempestividade do recurso, considerou-se que a não suscitação durante o processo da inconstitucionalidade de norma, importa a não verificação de um pressuposto essencial do recurso, e justifica a não utilização da medida prevista no nº 5 do artigo 75º-A.
A este respeito interessa, no entanto , distinguir entre pressupostos do recurso de constitucionalidade, tal como enunciados se encontram nas várias alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e meros requisitos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, enunciados que estão no artigo 75º-A do mesmo diploma.
Ora. no caso sub judice, o magistrado recorrente, no requerimento apresentado, limitou-se a manifestar a sua vontade em interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 desse artigo 70º. Não indicou, no entanto, de acordo com o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 75º-A do mesmo diploma, nem a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende ver apreciada por este Tribunal, nem a norma ou princípio constitucional ou legal que considera violado, como igualmente não alude à peça processual em que suscitou a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
É certo que, posteriormente, na reclamação que apresentou, a questão de constitucionalidade mostra-se delineada: respeitará à norma do artigo 4º da Lei nº 60/98, de 27 de Agosto, que terá sido interpretada em sentido que viola o disposto nos artigos 211º, nº 3, e 219º da Constituição, combinadamente com o artigo 197º da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro.
No entanto, não é menos exacto que, não tendo o Conselheiro relator accionado o expediente previsto no nº 5 do artigo 75º-A por razões de economia processual, dado que teve por manifesta a inadmissibilidade do recurso, sempre agora terá que indeferir-se a reclamação.
É que, de um lado, o ora reclamante também não tomou a iniciativa de vir, espontaneamente, satisfazer os requisitos formais do requerimento de interposição de recurso, previstos naquele artigo 75º-A; e, de outro lado, nos quadros de uma reclamação do artigo 77º da LTC, este Tribunal não pode convidá-lo para esse efeito. Ora, a não indicação de tais requisitos formais - tem-no dito repetidamente este Tribunal - implica o não conhecimento do recurso, pois que se não trata de mero incumprimento de um dever de colaboração dos recorrentes com o Tribunal: entre o mais, aqueles requisitos definem o tipo de recurso interposto e o respectivo objecto.
3. - Em face do exposto, e pelos motivos respeitantes ao segundo dos argumentos invocados na decisão reclamada, decide-se indeferir a presente reclamação.
Sem custas, por não serem devidas. Lisboa, 10 de Março de 1999 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida