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Proc. nº 26/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figuram como recorrente M... (foi também interposto um recurso de constitucionalidade por MG...) e como recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, em virtude de não ter sido suscitada durante o processo de modo adequado uma questão de constitucionalidade normativa.
M... reclamou para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional (no respectivo requerimento escreveu-se nº 4 do artigo 70º).
O reclamante sustenta, em síntese, o seguinte:
Na primeira sessão de julgamento, realizada no dia 22 de Janeiro de
1998, foi suscitada a questão da nulidade da prova (autos de transcrição de gravações electrónicas), por violação das formalidades do artigo 188º do Código de Processo Penal;
no recurso interposto no dia 2 de Fevereiro de 1998, foi suscitada, mais uma vez, a nulidade da prova produzida, afirmando-se que 'o modo como se processaram as transcrições, conforme se pode comprovar pela sua leitura, em fontes consideradas com interesse pelo investigador do processo, sem qualquer intervenção judicial de controle, impõe que se considere ter sido violado o artigo 36º, nº 6, da Constituição ...' (o reclamante procede a outras transcrições do mencionado recurso, onde sustenta a violação de alguns princípios constitucionais, nunca indicando, porém, qualquer norma que, na sua perspectiva, violasse a Constituição);
o Ministério Público, na resposta ao recurso de 2 de Fevereiro de
1998, afirmou que 'tal interpretação não fere qualquer norma constitucional, nomeadamente os artigos 32º e 34º da Constituição', concluindo que 'não foi violada qualquer norma referente às escutas, muito menos norma constitucional'; a questão suscitada no recurso de 2 de Fevereiro de 1998 não foi considerada
'pelo Exmo. relator (...) nem foi considerada pelo STJ' e o arguido tem direito a ver decidida a questão de constitucionalidade que suscitou.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
2. O reclamante invoca, para demonstrar que suscitou uma questão de constitucionalidade normativa, a arguição, durante a 1ª sessão de julgamento, da nulidade da prova produzida. Porém, a arguição de nulidade da prova não consubstancia a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa. Com efeito, e como se referiu na decisão sumária reclamada, para que se considere suscitada uma questão de constitucionalidade normativa durante o processo, é necessário que se identifique a norma que se considera inconstitucional, que se indique o princípio ou norma constitucional violada e que se apresente uma fundamentação, ainda que sucinta, do vício apontado. Ora, tal não aconteceu na audiência de 22 de Janeiro de 1998, como se demonstrou na decisão sumária.
As transcrições do recurso de 2 de Fevereiro de 1998 (na decisão sumária considerou-se que o reclamante também pretendia referir o recurso de fls. 3434 e ss, uma vez que, no requerimento de fls. 4036 e 4037, indica os
'recursos de agravo interpostos para o Tribunal da Relação do Porto'), que correu termos no Tribunal da Relação do Porto, não ilustram a suscitação de qualquer questão de constitucionalidade normativa. Com efeito, e como se referiu aliás na decisão sumária (esse recurso foi, portanto, considerado na decisão sob reclamação - fls. 4080 e 4081), tais excertos apenas demonstram que o reclamante se limitou a afirmar que o despacho então recorrido, assim como o modo como decorreram as transcrições, violam vários preceitos constitucionais. No recurso em causa não foi questionada a conformidade à Constituição da norma que o reclamante pretende submeter agora à apreciação do Tribunal Constitucional.
Sublinhe-se que o Ministério Público, na resposta ao recurso de 2 de Fevereiro de 1998, afirmou que a interpretação dos artigos 101º, nº 2, e 188º, nº 1, do Código de Processo Penal então acolhida não é inconstitucional (fls.
3475 verso). Não se referia à norma contida no artigo 188º, nº 2, do Código de Processo Penal (norma que integra o objecto do presente recurso de constitucionalidade).
Por último, a circunstância de o Supremo Tribunal de Justiça não se ter pronunciado sobre questões que, alegadamente, devia ter decidido, não tem relevância neste caso. Com efeito, do que foi exposto resulta que não se verifica um dos pressupostos legais do recurso da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional: não foi suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade normativa. Tal conclusão afecta a perfeição dos pressupostos processuais do recurso para o Tribunal Constitucional, independentemente do conteúdo da decisão recorrida. Por outro lado, a conclusão a que agora se chega não consubstancia a violação de um direito do recorrente (o qual não chega sequer a ser identificado com um mínimo de precisão na presente reclamação). Na verdade, a falta daquele pressuposto processual deve-se unicamente à estratégia processual assumida e concretizada pelo ora reclamante ao longo do presente processo, cuja reformulação é inadmissível neste momento processual.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão sumária de fls. 4077 e ss., e não tomando, consequentemente, conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade interposto.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 10 de Março de 1999 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa