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Proc. nº 197/98
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
(Cons. Messias Bento) Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. O SINDICATO X... interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do Acórdão do Tribunal Administrativo Central, de 26 de Fevereiro de 1998, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Esta sentença tinha rejeitado, com fundamento na ilegitimidade do requerente (o referido sindicato) o pedido de suspensão de eficácia do despacho do CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO HOSPITAL P..., de 19 de Setembro de 1997, que determinou que 'o pessoal que trabalha aos domingos e feriados em regime de escala só terá direito aos períodos de descanso equivalentes previamente fixados no seu horário semanal'.
2. Pretende o recorrente que este Tribunal aprecie a constitucionalidade das normas dos artigos 77º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA),
46º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA) e 821º do Código Administrativo (CA), 'quando interpretadas no sentido que lhe foi dado no referido aresto'.
3. Neste Tribunal o recorrente apresentou alegações que concluiu do modo que se segue:
'1ª - Ao abrigo dos artigos 20º/1 56º e 268º/4 e 5 da CRP, os sindicatos dispõem de legitimidade activa para fazer valer, independentemente de expressos poderes de representação dos trabalhadores directamente lesados, o direito à tutela jurisdicional, em sede de contencioso administrativo, na defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam.
2ª - Podendo, assim, estar em juízo, para fazer valer tal tutela, em nome próprio, embora subjazendo, e estando implícito sempre, que o fazem no interesse e em representação dos trabalhadores que representam.
3ª - Tratando-se, portanto, de uma representação colectiva por natureza e não de representação conferida caso a caso ou 'ad hoc'.
4ª - As normas dos artigos 77º da LPTA e 46 da RSTA podem, admitem e devem ter interpretação conforme à Constituição. Mas,
5ª - Se interpretadas no sentido de negarem a referida legitimidade activa aos sindicatos, como foi feito na douta decisão recorrida, são materialmente inconstitucionais por ofensa às normas das disposições conjugadas dos artigos
20º/1 56º e 268º/4 e 5 da CRP, com a redacção que lhe foi dada pela Lei Constitucional 1/97.
6ª - Do mesmo modo, as normas dos nºs 1 e 3 do artigo 6º do CPT admitem interpretação conforme à Constituição, mas, se interpretadas – como no acórdão recorrido – no sentido de negarem a referida legitimidade aos sindicatos, devem ser declaradas inconstitucionais com base na violação dos artigos 20º/1 e 56º da CRP'.
4. O recorrido, da sua parte, formulou as seguintes conclusões:
'A) O sindicato ora recorrente tem legitimidade para recorrer contenciosamente dos actos que lesem directamente os direitos ou legítimos interesses colectivos dos trabalhadores que representam. B) No caso vertente, o acto recorrido pretensamente lesava interesses individuais dos técnicos de diagnóstico e terapêutica da área de análises clínicas do Hospital, diversos dos que, por natureza e estatutariamente, o sindicato prossegue e por direito próprio lhe incumbe assegurar a sua defesa. C) Os técnicos de diagnóstico e terapêutica, titulares de interesses individuais e os detentores do interesse directo, pessoal e legítimo na anulação do acto recorrido, não foram impedidos de o impugnar contenciosamente, nem mesmo o sindicato desde que estivesse munido dos necessários poderes de representação legal da declaração dos trabalhadores que o autorizasse a intervir, pelo que não foi violado o disposto no artigo 20ª da Constituição. D) O acórdão recorrido também não violou o disposto no artigo 56º, nº 1, e no artigo 268º, nº4, ambos da CRP, porquanto, por um lado, não estavam em causa interesses colectivos dos trabalhadores que o sindicato representa e que legalmente e por direito próprio lhe incumbe prosseguir e defender, mas antes direitos individuais daqueles, os quais, por outro lado, como titulares dos interesses individuais não foram impedidos de impugnar contenciosamente o acto que pretensamente os lesou.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
5. É o seguinte o teor - na parte ora relevante - dos preceitos de que se extrai a norma cuja apreciação de constitucionalidade é requerida pelo recorrente: O artigo 77º, nº 2, da LPTA, refere-se ao requerimento de suspensão de eficácia do acto administrativo recorrido, e dispõe da seguinte forma:
2. No requerimento deve o requerente indicar a sua identidade e residência, bem como a dos interessados a quem a pretendida suspensão da eficácia do acto possa directamente prejudicar, identificar o acto e o seu autor e especificar os fundamentos do pedido (...).
O artigo 46º, nº 1, do RSTA, por sua vez, preceitua que: Os recursos podem ser interpostos:
1º. Pelos que tiverem interesse directo, pessoal e legítimo na anulação de acto administrativo susceptível de recurso (...). Finalmente, o artigo 821º, nº2, do Código Administrativo, refere que: Os recursos (...) podem ser interpostos:
2. Pelos titulares de interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso.
Dos preceitos supra referidos extraiu a decisão recorrida a norma segundo a qual os sindicatos carecem de legitimidade activa para fazer valer, contenciosamente, independentemente de expressos poderes de representação e de prova de filiação dos trabalhadores directamente lesados, o direito à tutela jurisdicional da defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam.
É, assim, a apreciação da constitucionalidade desta norma que agora constitui objecto de recurso.
6. O acórdão recorrido concluiu pela sua não inconstitucionalidade, porquanto, no seu entender, a norma assim enunciada não viola nenhum preceito ou princípio constitucional, designadamente os consagrados nos artigos 56º e 268º, nºs 4 e 5 da Constituição. Vejamos se com razão.
7. Confrontemos em primeiro lugar a norma ora em apreciação com o disposto no artigo 56º da Constituição. É o seguinte o teor deste preceito da Lei Fundamental:
Artigo 56º
(Direitos das associações sindicais e contratação colectiva)
1. Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam
2. Constituem direitos das associações sindicais:
Participar na elaboração da legislação do trabalho;
Participar na gestão das instituições de segurança social e outras
organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores;
Pronunciar-se sobre os planos económico-sociais e acompanhar a sua execução;
Fazer-se representar nos organismos de concertação social, nos termos da
lei;
Participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no
tocante a acções de formação ou quando ocorra alteração das condições de
trabalho;
3. Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei.
4. A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas.
Este Tribunal teve já oportunidade de se pronunciar, no seu acórdão nº 118/97
(Diário da República, I Série-A, de 24 de Abril de 1997), sobre uma questão em tudo idêntica à dos autos. Estava em causa, então, a questão da constitucionalidade, designadamente por violação dos artigos 56º da Constituição, do artigo 53º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir. A este propósito, disse, então, o Tribunal Constitucional:
'Ora, o nº 1 deste artigo 56º, ao afirmar que «compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam», não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das associações sindicais, como lhes garante – ao não excluí-la – a possibilidade de intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais.
(Sublinhado nosso).
E, mais à frente, afirmou-se, no mesmo sentido:
'Por outro lado, apesar da amplitude com que é constitucionalmente consagrada a finalidade de intervenção sindical, o artigo 53º do Código de Procedimento Administrativo, do qual consta a norma em apreciação, vem inequivocamente impedir ainda que as associações sindicais, em virtude do seu carácter sindical, procedam à defesa colectiva de interesses individuais no âmbito do procedimento administrativo. Também aqui se configura uma restrição clara e injustificável aos direitos dos sindicatos, não apenas à luz do princípio da participação no procedimento administrativo, mas principalmente da competência e representatividade dos sindicatos, tendo em consideração a prossecução dos fins que lhe estão constitucionalmente cometidos. Na sequência da orientação perfilhada por este Tribunal no acórdão nº 75/85
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., p. 200), a defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que representem é uma competência própria dos sindicatos, mal se entendendo que seja retirada no âmbito do desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo.
E, mais adiante, em nova citação ao acórdão nº 75/85, refere-se ainda no mesmo sentido:
'Todavia, quando a Constituição, no nº 1 do seu artigo 57º (actual 56º), reconhece a estas associações competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem, não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores: antes supõe que ela se exerça igualmente para a defesa dos seus interesses individuais'.
Da jurisprudência assim firmada - que, por manter inteira validade, mais uma vez aqui se reitera - decorre necessariamente a inconstitucionalidade, por violação do artigo 56º, nº 1, da Constituição, da norma ora em apreciação - que, como vimos, a decisão recorrida retira dos artigos 77º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, 46º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo e 821º do Código Administrativo -, segundo a qual os sindicatos carecem de legitimidade activa para fazer valer, contenciosamente, independentemente de expressos poderes de representação e de prova de filiação dos trabalhadores directamente lesados, o direito à tutela jurisdicional da defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam.
8. Já não assiste, porém, razão ao recorrente, quanto sustenta que a norma assim enunciada é igualmente violadora da garantia de tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, consagrada no artigo 268º, nºs 4 e 5 da Constituição, preceito que têm o seguinte teor:
Artigo 268º
(Direitos e garantias dos administrados)
(...)
(...)
(...)
4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos e a adopção de medidas cautelares adequadas.
5. Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
O núcleo essencial da garantia prescrita nos nºs 4 e 5 do artigo 268º da Constituição apenas seria, em hipóteses como a dos autos, afectado, no caso de se demonstrar que o não reconhecimento aos sindicatos legitimidade activa para promoverem, contenciosamente, a defesa colectiva dos direitos ou interesses individuais dos trabalhadores que representam implicaria a impossibilidade de fazer valer em juízo, eficazmente, esses direitos e interesses legalmente protegidos. Numa frase: a garantia de tutela jurisdicional efectiva apenas seria violada na hipótese de se demonstrar que a defesa colectiva (através dos sindicatos) dos direitos ou interesses individuais dos trabalhadores era condição sine qua non da sua defesa eficaz. Não é, porém, manifestamente, o que se verifica, na medida em que tais direitos ou interesses individuais continuam a poder ser judicialmente defendidos, e de forma eficaz, através da atribuição de legitimidade aos próprios trabalhadores titulares dos direitos ou interesses individuais afectados. E, sendo assim, tal norma não contende com o núcleo essencial da garantia prescrita nos nºs 4 e 5 do artigo 268º da Constituição, na medida em que não retira aos administrados à possibilidade de eficazmente fazerem valer em juízo os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. III – Decisão. Nestes termos: a) julga-se inconstitucional, por violação do artigo 56º, nº 1, da Constituição, a norma que na interpretação da decisão recorrida se extrai dos artigos 77º, nº
2, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, 46º, nº 1, do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo e 821º, nº 2, do Código Administrativo, segundo a qual os sindicatos carecem de legitimidade activa para fazer valer, contenciosamente, independentemente de expressos poderes de representação e de prova de filiação dos trabalhadores directamente lesados, o direito à tutela jurisdicional da defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam. b) concede-se provimento ao recurso, ordenando-se a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo, a fim de que este reforme a decisão recorrida em conformidade com o presente julgamento sobre a questão de constitucionalidade. Lisboa, 10 de Março de 1999 José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Messias Bento (vencido nos termos da declaração de voto que junto) DECLARAÇÃO DE VOTO Pronunciei-me no sentido de que a norma - que se extrai dos artigos 77º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, 46º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo e 821º do Código Administrativo -, segundo a qual os sindicatos carecem de legitimidade activa para fazer valer, contenciosamente, independentemente de expressos poderes de representação e de prova de filiação dos trabalhadores directamente lesados, o direito à tutela jurisdicional da defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam, não é inconstitucional.
As razões deste meu entendimento são as que seguem:
1. Este Tribunal, no seu acórdão n.º 118/97 (publicado no Diário da República, I série-A, de 24 de Abril de 1997), caracterizou assim os sindicatos: 'são associações permanentes de trabalhadores para a defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais. Trata-se, pois, de associações voluntárias e permanentes, essencialmente caracterizadas pela condição de trabalhadores dos respectivos associados e, como decorre do artigo 56º, n.º 1, da Constituição, pelo objectivo da defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam'.
2. A norma sub iudicio e o direito de acesso à justiça administrativa: O artigo 268º, n.º 4, da Constituição dispõe como segue:
4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.
Este preceito constitucional deixa claro que o princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa - a mais do que obrigar o legislador a manter um instrumento processual destinado a permitir a impugnação dos actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados (pode ser o clássico recurso de anulação) e de o obrigar a prever um instrumento processual que permita o reconhecimento desses direitos ou interesses (podem ser as acções para o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos) - obriga-o a prever meios processuais que possibilitem aos administrados exigirem da Administração a prática de actos administrativos legalmente devidos (acções cominatórias) e, quando for o caso, lançarem mão de medidas cautelares adequadas.
É que tudo são manifestações (concretizações) do direito de acesso aos tribunais para defesa, por banda dos administrados, dos 'seus direitos e interesses legalmente protegidos', como dispõe o n.º 1 do artigo 20º da Constituição.
Ora, não se vê que este preceito constitucional possa ser violado por uma norma que recusa aos sindicatos legitimidade activa para promoverem na justiça administrativa a defesa colectiva dos direitos ou interesses individuais dos trabalhadores.
É que, para fazer valer em juízo, de forma eficaz, tais direitos ou interesses, não é necessário cometer aos sindicatos a sua defesa colectiva. Tais direitos ou interesses sempre podem ser judicialmente defendidos - e bem - pelos próprios trabalhadores interessados.
3. A norma sub iudicio e o direito ao sindicato: O citado artigo 56º da Constituição dispõe como segue:
1. Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem.
2. Constituem direitos das associações sindicais: a). participar na elaboração da legislação de trabalho; b). participar na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores; c). pronunciar-se sobre os planos económico-sociais e acompanhar a sua execução; d). fazer-se representar nos organismos de concertação social, nos termos da lei; e). participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a acções de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho.
3. Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei.
4. A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como a eficácia das respectivas normas.
Aos sindicatos compete, pois, defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem e, bem assim, exercer o direito de contratação colectiva. Além disso, têm os seguintes direitos específicos:
(a). direito de participar na elaboração da legislação de trabalho, na gestão das instituições de segurança social e de outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores, e nos processos de reestruturação das empresas;
(b). direito de se pronunciar sobre os planos económico-sociais;
(c).direito de acompanhar a execução desses planos;
(d). direito de se fazer representar nos organismos de concertação social.
Este Tribunal, no mencionado acórdão n.º 118/97, depois de sublinhar que não se esgotam aí os direitos das associações sindicais, precisou: Ora, o n.º 1 deste artigo 56º, ao afirmar que 'compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem', não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la - a possibilidade de intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais.
Mais adiante, esse aresto insistiu nesta última ideia, ao afirmar o seguinte: Na sequência da orientação perfilhada [...] no acórdão n.º 75/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º volume, página 200), a defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que representem é uma competência própria dos sindicatos [...].
Na sequência lógica desta doutrina (a doutrina de que a Constituição comete aos sindicatos a defesa colectiva dos direitos ou interesses dos trabalhadores, tanto quando eles são colectivos, como quando são individuais), o mesmo aresto - que começara por assentar em que o artigo 53º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo não reconhecia legitimidade aos sindicatos para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir, quer em defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores que representam, quer em defesa dos seus interesses individuais - declarou tal norma inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do artigo 56º, n.º 1, da Constituição.
A aplicação no caso de uma tal doutrina levará, logicamente, ao julgamento de inconstitucionalidade da norma que ora nos ocupa. E é, seguramente, pela inconstitucionalidade que concluirá quem votou o dito aresto.
Tendo então votado vencido, em parte, por entender, de acordo com a declaração de voto que apus ao citado acórdão n.º 75/85, que 'o artigo 56º, n.º 1, da Constituição não vai ao ponto de impor ao legislador que atribua legitimidade aos sindicatos para a defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores que representam', não posso, agora, concluir no sentido da inconstitucionalidade.
É que, sendo os sindicatos associações que assumem e veiculam o descontentamento e as reivindicações dos trabalhadores que representam, a sua vocação é organizar a defesa colectiva de interesses colectivos também - ou seja: dos interesses que o respectivo grupo quer fazer triunfar. Por isso, se é exigível que a Constituição imponha ao legislador que, ao regular o exercício do direito de acção destinada à defesa de direitos ou interesses legalmente protegidos dos trabalhadores, estando em causa interesses colectivos deles, atribua legitimidade aos sindicatos para agirem em juízo em representação e substituição dos trabalhadores que representam, já o não é, quando se trate de organizar a defesa de puros interesses individuais desses mesmos trabalhadores. A lógica do grupo que justifica o sindicato já aí se não impõe.
4. Conclusão: a norma sub iudicio, em meu entender, não é, pois, inconstitucional.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração de voto junta) Voto de vencida
Votei vencida porque não considero que, do disposto no nº 1 do artigo 56º da Constituição, resulte, nem a necessidade constitucional de os sindicatos terem legitimidade para impugnar contenciosamente – e, portanto, para requerer a suspensão de eficácia respectiva – actos administrativos que afectem interesses individuais dos trabalhadores neles filiados, nem, muito menos, de trabalhadores neles não filiados. Decidiu-se no acórdão, em primeiro lugar, que a Constituição impõe que seja reconhecida aos sindicatos como tal – ou seja, não como representantes dos seus filiados, mas em nome próprio – legitimidade para defenderem em juízo interesses individuais dos seus filiados. E decidiu-se, em segundo lugar, que essa legitimidade existe mesmo em relação a trabalhadores não filiados (uma vez que se dispensa a prova da filiação quanto aos trabalhadores concretos atingidos pelos efeitos do acto impugnado). Esta concepção, a meu ver, contraria o princípio constitucional da liberdade sindical, consagrado no artigo 55º da Constituição. Não pode, com efeito, considerar-se como que transferido para o sindicato o poder de deliberar sobre a forma de prossecução dos interesses individuais dos trabalhadores filiados, por exceder a própria razão de ser da existência deste tipo de associações. Muito menos, repito, quanto a trabalhadores não filiados, o que apenas poderia ter como justificação a ideia de que os sindicatos representam, fora do âmbito dos interesses colectivos da classe, todos os trabalhadores que têm uma determinada profissão, independentemente, sequer, da sua vontade de neles se filiarem.
Luís Nunes de Almeida