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Proc. nº 814/95
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. M... requereu, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, intimação para consulta e passagem de certidão ao Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, ao abrigo do disposto no artigo 82º da LPTA (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho).
Na sua petição, além do mais, referiu que «em 11.06.93, a interessada procedeu à consulta do processo administrativo, mas recusou receber as fotocópias em causa por considerar inaplicável 'in casu' a Resolução nº
5/SG/SA/93, de
11-3, publicada no D.R. nº 75, IIª Série, de 30.03.93.» Tal inaplicabilidade resulta, no seu entender, de aquela Resolução violar «os princípios fundamentais da igualdade de condições e de oportunidades (v. arts. 13º, 47º e 266º da CRP e
5º nº 1 al. b) do DL 498/88)»
Sustenta ainda a requerente que o montante dos emolumentos pretendidos cobrar pela entidade requerida eram exorbitantes, nomeadamente
'atento o princípio da gratuitidade do procedimento administrativo'.
Por decisão de 3 de Agosto de 1993, e considerando que da matéria alegada pela requerente não se verificava a recusa pela Administração em passar a certidão, - como a própria requerente reconhece ao afirmar que a certidão foi passada e a consulta efectuada, - o Mmo juiz a quo indeferiu aquele pedido.
2. Inconformada com essa decisão, a requerente interpôs recurso da mesma para o Supremo Tribunal Administrativo. Aí, e em sede de alegações, sustentou a inconstitucionalidade material da mencionada Resolução nº
5/SG/SA/93, de 11 de Março, por violação dos princípios fundamentais da proporcionalidade e da igualdade de condições e de oportunidades no acesso à função pública (artigos 13º, 47º e 266º da Constituição), para além da sua inconstitucionalidade formal, por violação do artigo 115º, nº 7, da CRP. E, não tendo a decisão recorrida apreciado essa questão, encontrar-se-ia a mesma afectada de nulidade por omissão de pronúncia.
Por acórdão de 12 de Abril de 1994, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso. Quanto às suscitadas questões de inconstitucionalidade, entendeu-se aí que «se a certidão deve ser paga ou não, se a exigência do emolumento é ilegal, e inconstitucional a norma que a prescreve, são problemas que ultrapassam o âmbito do presente processo que é exclusivamente destinado à 'intimação para a passagem de certidão. (...) Questões pois a dicutir e dirimir em outra sede, como o recurso contencioso de anulação do acto administrativo ou acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo».
3. Notificada daquele acórdão, a requerente interpôs recurso do mesmo para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo com fundamento na oposição de julgados, invocando quatro Acórdãos fundamento para o efeito.
Nas suas alegações, a recorrente sustenta:
O Acórdão-recorrido padece também de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e com os efeitos previstos no art. 668º nºs 1 al. d) e 3 do C.P.C., quando se abstém de conhecer da ilegalidade e inconstitucionalidade material e formal de que padece a Resolução nº 5/SG/SA/93 por violação dos princípios fundamentais da legalidade, da proporcionalidade e da igualdade de condições e de oportunidades no acesso à Função Pública, nomeadamente pela exorbitância dos emolumentos exigidos relativamente ao custo real e pelas isenções que concede e que não abrangem a recorrente em igualdade de condições
(Cfr. arts. 5º nº 1 al. b) do DL 498/88, de 30-12, e 13º, 17º, 18º, 47º, 115º, nº 7, 207º e 266º da C.R.P.) [...].
E suscita ainda, nesta sede, a questão de inconstitucionalidade do artigo 82º da LPTA e do artigo 24º, alínea b), do ETAF, nos termos seguintes:
caso assim se não entenda, o que se considera por mera cautela e sem conceder, a interpretação restritiva dada no douto Acórdão sob recurso às normas contidas no art. 82º da L.P.T.A. e a que venha a ser dada eventualmente à norma contida no art. 24º al. b) do E.T.A.F., revela-se materialmente inconstitucional por violar o direito fundamental de acesso célere, consciente e fundamentado à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, no qual se integram os direitos de informação e de acesso aos arquivos e registos administrativos, consagrados nos arts. 20º, 266º e 268º da C.R.P..
Por fim, nas conclusões posteriormente juntas, a recorrente veio dizer que:
A interpretação restritiva dada no douto Acórdão sob recurso às normas legais contidas nos arts. 82º a 85º da L.P.T.A.e a que venha eventualmente a ser dada à norma contida no art. 24º al. b) da E.T.A.F. e 767º nº 1 do C.P.C., revela-se materialmente inconstitucional por violar o direito fundamental de acesso célere, consciente e fundamentado à justiça administrativa para tutela dos seus direitos e legítimos interesses, no qual se integram os direitos fundamentais de informação, de acesso aos arquivos e registos administrativos e de obtenção de provas documentais, consagrados nos arts. 20º,
205º nº 2, 207º, 266º e 268º da C.R.P.
4. Por acórdão de 27 de Junho de 1995, o STA não reconheceu a existência da invocada oposição de julgados e deu por findo o recurso para o Pleno. Como se pode ler nessa decisão, «o presente recurso assentou num outro pressuposto, dado por assente pela recorrente mas que não se verificou na realidade, tanto quanto não foi assim, julgado pelo Tribunal, o de que a exigência dos emolumentos pela passagem da certidão requerida equivaleria à recusa, pura e simples, da passagem da mesma certidão. O acórdão recorrido não fez tal julgamento, sequer implicitamente, o que aliás, do mesmo passo, seria irrelevante em sede do presente recurso pois irrelevante é a pretensa oposição de juízos implícitos, como se vem igualmente decidido».
5. É desta decisão que vem interposto o presente recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 70º, nº 1, alíneas b) e e), e 72º, nº 2, da LTC, para apreciação da «ilegalidade e inconstitucionalidade das seguintes normas legais e regulamentares:»
- das contidas nos arts. 82º a 85º da L.P.T.A., na interpretação restritiva dada nas decisões recorridas, segundo a qual aquele meio processual ali previsto tem um carácter acessório ou residual e por isso tem um âmbito exclusivamente destinado à 'intimação para a passagem de certidão', por violação do «direito fundamental de acesso célere, consciente e fundamentado à justiça administrativa para tutela dos seus direitos e legítimos interesses, no qual se integram os direitos fundamentais de informação, de acesso aos arquivos e registos administrativos e de obtençao de provas documentais, consagrados nos art. 20º, 205º nº 2, 207º, 266º e 268º da C.R.P.»;
- contidas nos arts. 24º, al. b), do E.T.A.F. e 767º, nº 1, do C.P.C., na interpretação «restritiva» dada no acórdão recorrido segundo a qual não existe oposição de julgados por inexistir a necessária identidade factual dos casos julgados nos Acórdãos fundamento e no Acórdão recorrido, por violação dos mesmos preceitos constitucionais invocados;
- contida na Resolução nº 5/SG/SA/93, de 11 de Março, publicada no Diário da República nº 75, IIª Série, de 30 de Março de 1993, por violação do artigo 115º, nº 7, da CRP, sofrendo ainda de inconstitucionalidade material
«porque discriminatório e violador dos princípios fundamentais da igualdade de condições e de oprtunidades garantidos nos arts. 13º, 47º e 266º da C.R.P.».
Pretende a recorrente ainda a apreciação das eventuais questões de ilegalidade daquelas normas, por violação dos artigos 8º a
11º do Código Civil, e, no caso da norma constante da indicada Resolução, por violação do artigo 5º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro.
5. Admitido o recurso, foram apresentadas alegações pela recorrente, nas quais esta suscitou ainda a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 763º, nº 1, 765º, nº 1 e 768º, nº 2, do CPC.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
III - FUNDAMENTOS
6. Antes de mais, importa delimitar o objecto do presente recurso.
A recorrente referiu no requerimento de interposição de recurso que o mesmo era interposto ao abrigo do disposto nas alíneas b) e e) do artigo 70º, nº 1, da LTC. Certamente que apenas se queria referir apenas à alínea b), sendo a menção à alínea e) mero lapso, pois não se descortina, nem na decisão recorrida, nem em qualquer momento do processo, que tenha havido recusa de aplicação de qualquer norma com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma, nem a própria recorrente indica tal recusa.
Por sua vez, constituem pressupostos do recurso de constitucionalidade, em sede de fiscalização concreta, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC que a inconstitucionalidade da norma objecto de recurso haja sido previamente suscitada, durante o processo; que tal norma tenha sido aplicada na decisão recorrida; e que da decisão recorrida já não caiba recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já se haverem esgotados os que ao caso cabiam.
Ora, in casu, não se verifica a existência cumulativa de tais pressupostos, relativamente às normas indicadas.
7. Desde logo, quanto às normas constantes dos artigos 82º a 85º do ETAF, bem como da norma constante da Resolução nº 5/SG/SA/93, de 11 de Março, não foram estas efectivamente aplicadas pelo acórdão recorrido. Com efeito, este apenas se pronunciou sobre a existência ou não existência de conflito de jurisprudência entre as decisões invocadas, única questão colocada e de que poderia conhecer, pelo que não houve, nem poderia haver, qualquer aplicação daquelas normas. Assim, expressamente, o STA, na decisão sob recurso, afirmou que «não podem ser objecto de cognição deste Tribunal as também arguidas nulidades da decisão recorrida e violação por esta, da lei constitucional e ordinária».
Assim, manifestamente se não verifica um dos pressupostos necessários ao pretendido recurso de consti-tucionalidade no tocante a estas normas - ou seja, a sua efectiva aplicação pela decisão recorrida -, pelo que, em relação a elas, não há que conhecer da alegada questão de constitucionalidade.
8. É que o presente recurso apenas tem por objecto aquela decisão do Pleno do STA, de 27 de Junho de 1995, e não as anteriores decisões recorridas das instâncias, como a recorrente parece entender ao referir-se variadas vezes
às «decisões recorridas». Assim, é a eventual aplicação e interpretação feita nessa e por essa decisão das normas em causa que há que apreciar. E apenas há que apreciar aquelas normas que tenham sido efectivamente aplicadas pela mesma decisão.
9. O mesmo se diga relativamente às normas constantes dos artigos 763º, nº 1, 765º, nº 1 e 768º, nº 2, do CPC: independentemente de a decisão do STA, ora recorrida, delas fazer aplicação, a recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade relativamente às mesmas, apenas vindo a referi-las nas suas alegações de recurso, já neste Tribunal. Manifestamente, tal suscitação é extemporânea, não havendo, pois, que conhecer do recurso relativamente a elas.
10. Restam, pois, as normas constantes do artigo 767º, nº 1, do CPC, e do artigo 24º, alínea b), do ETAF.
Estas normas foram efectivamente aplicadas pela decisão do Pleno do STA, tendo a questão de constitucionalidade sido anteriormente suscitada nas alegações da recorrente.
É pacificamente entendido por este Tribunal que a invocação, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b) da LTC, de uma questão de inconstitucionalidade, pode reportar-se a determinada interpretação da norma, desde que essa tenha sido utilizada como ratio decidendi da decisão recorrida.
No caso, a recorrente suscitou a inconstitucionalidade daquelas normas numa determinada «interpretação restritiva», sem todavia indicar qual o sentido da mesma. Só após proferida a decisão, mais concretamente, no requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade, veio indicar esse sentido como sendo o de que «não existe oposição de julgados por inexistir a necessária identidade factual dos casos julgados nos Acórdãos fundamento com a situação fáctica julgada no Acórdão recorrido».
Cumpre, pois, averiguar se foi esse o sentido com que o STA utilizou e interpretou tais normas.
11. Dispõe o artigo 767º, nº 1, do CPC (na versão anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro):
Decidindo-se que não existe oposição, o recurso considera-se findo.
Como claramente se vê, a decisão recorrida apenas aplicou literalmente aquele artigo 767º, nº 1, do CPC, declarando findo o recurso, por não verificar a oposição entre acórdãos. Consigna um aspecto do formalismo processual do recurso, nada relevando para a questão em apreço na decisão recorrida. Aliás, é a consequência a aplicar quando o julgador, após efectuar o raciocínio lógico-jurídico a isso conducente, ou seja, após apreciar a questão em apreço, confrontando-a nomeadamente com a verificação dos pressupostos legais para o seu conhecimento ou procedência, concluir pela inexistência da dita oposição. Nada dispõe esta norma quanto àquela outra dimensão ou aspecto indicado pela recorrente - isto é, a obrigatória identidade das situações de facto. Nem se vê que o Pleno a tenha, sequer implicitamente, aplicado com tal sentido.
Nas suas alegações, aliás, a recorrente remete-se antes para questões que não estão em causa neste recurso, por se referirem a dimensões da norma impugnada que não foram objecto de aplicação pela decisão a quo.
13. E quanto ao artigo 24º, alínea b), do ETAF, dispunha este, antes das alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 229/96, de 29 de Novembro :
Compete ao pleno da Secção de Contencioso Administrativo conhecer:
a)...
b) Dos recursos de acórdãos da Secção que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma Secção;
[...]
Como é entendimento da jurisprudência deste Tribunal, (cfr., entre outros, Acórdãos nº 71/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., págs.
245, nº 323/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 25º vol., págs. 403, nº
20/97, Diário da República, II Série, nº 51, de 1 de Março de 1997), o objecto do recurso de constitucionalidade é limitado às normas indicadas no recurso de interposição, sem prejuízo de vir a ser restringido nas conclusões das alegações; o que o recorrente não pode fazer nas alegações é ampliar, modificar ou substituir esse objecto.
Ora, a recorrente alterou nas suas alegações o conteúdo da norma em questão, quando passou a indicar nas mesmas que aquela estava ferida de inconstitucionalidade quando conjugada com outras normas (as dos artigos 763º, nº 1, 765º, nº 3, 767º, nº 1 e 768º, nº 2, do CPC). O que não fizera aquando da anterior suscitação da questão de inconstitucionalidade reportada a essa norma, ou seja, não suscitara anteriormente, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade com a dimensão resultante da conjugação da norma constante do artigo 24º, b), do ETAF com as normas do CPC que indica nas alegações de recurso neste Tribunal.
Aliás, a circunstância de a referida norma do ETAF assumir uma especial dimensão quando conjugada com as referidas normas do CPC resulta claramente do facto de a fundamentação apresentada pela recorrente nas suas alegações se basear, até, exclusivamente nas mencionadas disposições do CPC - em relação às quais, como se viu, não há que tomar conhecimento no presente recurso -, e não no indicado artigo 24º, b), apenas referido na epígrafe e no parágrafo final da argumentação atinente à matéria.
Assim sendo, também em relação a esta norma não há que conhecer do recurso.
III - DECISÃO
14. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 1998 Luís Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Messias Bento Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa