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Processo nº 589/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1.- A... e outros, identificados nos autos, propuseram acção com processo comum ordinário, emergente de contrato individual de trabalho, contra o Estado Português e 'CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, EP', em liquidação, com sede em Lisboa, pedindo a condenação solidária dos demandados a pagarem-lhes uma determinada quantia, a título de indemnizações por despedimento, remunerações equivalentes aos períodos de aviso prévio em falta e correcção monetária.
O processo seguiu normal tramitação até à fase do saneador, tendo então o Senhor Juiz do 2º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, por decisão de 4 de Outubro de 1996, julgado procedente a excepção peremptória de prescrição dos créditos dos autores que havia sido deduzida pelos demandados.
Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, este, por acórdão de 21 de Maio de 1997, confirmou o saneador-sentença recorrido, improcedendo a apelação por considerarem estarem extintos os contratos de trabalho desde 7 de Maio de 1985, dada a extinção da ré CTM operada pelo Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, e prescritos os respectivos créditos dos trabalhadores, por ter decorrido mais de um ano entre a data da cessação da relação laboral e a data da propositura da acção - 11 de Janeiro de 1996.
2.- Inconformados, os autores interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, com o fundamento na aplicação implícita feita pelo acórdão recorrido da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, norma essa que fora declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/95, publicado no Diário da República, I Série A, de 8 de Maio de 1995.
O recurso não foi admitido pelo Senhor Desembargador relator que, por despacho de 25 de Junho de 1997, o não recebeu, 'nos termos da LTC'.
Os recorrentes reclamaram oportunamente, nos termos do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, defendendo, então, não só a nulidade daquele despacho por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 668º, nº 1, alínea b), e 666º, nº 3, do Código de Processo Civil - nulidade, em todo o caso, suprível, por força do nº 4 daquele artigo 668º (e que, de resto, não compete a este Tribunal apreciar) - como, e decisivamente, porque sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do citado artigo 70º, não cabe na previsão do nº 2 do mesmo preceito, que só exige a exaustão dos recursos ordinários quanto aos recursos previstos nas alíneas b) e f) do mesmo artigo 70º.
3.- Subiram os autos ao Tribunal Constitucional e, aqui, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do deferimento da reclamação, por reconhecer ter sido feita a alegada aplicação implícita, verificando-se os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
4.- O recurso interposto pelos ora reclamantes teve por fundamento o disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, o que significa que foi por eles entendido ter a decisão recorrida aplicado norma já anteriormente julgada e declarada inconstitucional, por força obrigatória geral
(mais precisamente, através do citado acórdão nº 162/95 que, por violação dos artigos 18º, nº 3, 53º e 168º, nº 1, alínea b), da Constituição, declarou a inconstitucionalidade das normas constantes da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, e da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 138/85, da mesma data).
Ora, perante o disposto no nº 2 do artigo 70º da Lei nº
28/82, não restam dúvidas que, neste tipo de recurso, não recai a obrigação de esgotar os recursos ordinários, apresentando-se ao interessado a alternativa de recorrer directa e imediatamente para o Tribunal Constitucional ou usar ainda dos recursos ordinários à sua disposição (como se sublinha no acórdão nº 660/97, inédito).
O ónus da exaustão só recai sobre as situações passíveis de recurso ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 daquele artigo 70º pelo que, in casu, nada obsta ao seu recebimento.
5.- Há, no entanto, que apurar se efectivamente se está perante um recurso dos tipificados na alínea g).
A questão não é nova, tendo, perante situação análoga, esta Secção tirado acórdão - nº 513/97, inédito - onde se pondera que
'independentemente do que vier a ser decidido a final pelo tribunal a quo quanto
à definição em concreto dos direitos que poderão ou não assistir aos ora recorrentes, o certo é que a conclusão contida no acórdão recorrido de que 'à data da propositura da acção os créditos dos A.A. estavam prescritos e por conseguinte extintos, há alguns anos' envolve aplicação pelo menos implícita da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, com preterição da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dessa norma, proferida no Acórdão nº 162/95 deste Tribunal
[...]'.
De resto, em plenário deste Tribunal - e por unanimidade
- fixou-se o que se deve entender por 'alcance mínimo da declaração de inconstitucionalidade' constante do acórdão nº 162/95: 'o de que existe a obrigação de aos trabalhadores das extintas empresas públicas CTM e CNN ser paga uma indemnização, em consequência da cessação dos seus postos de trabalho, de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a um despedimento colectivo' (cfr. acórdão nº 528/96, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Julho de 1996 e, na sua linha, os acórdãos nºs. 564/96 e 1121/96, inéditos).
Mais recentemente ainda, e em sede de reclamação, outros arestos se pronunciaram no sentido da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso com fundamento na alínea g), como sejam os acórdãos nºs 660/97 e 661/97, ainda não publicados.
A orientação traçada, e que o primeiro destes arestos sintetiza, pode assim enunciar-se:
a) que cabe o recurso previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC, quando haja contradição entre a decisão recorrida e acórdão do Tribunal Constitucional que haja declarado uma inconstitucionalidade com força obrigatória geral;
b) que cabe ao Tribunal Constitucional fazer a interpretação do sentido e alcance das suas declarações de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral;
c) que a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do acórdão nº 162/95, «impede pelo menos, que a extinção ou cessação dos contratos de trabalho se faça sem que aos trabalhadores se pague uma indemnização - recte, a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo»;
d) que o acórdão recorrido «não teve em conta o sentido e o alcance, atrás fixados, da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral»;
e) que, consequentemente, se encontra preenchido o pressuposto do recurso de constitucionalidade.
6.- O Tribunal Constitucional decidiu, assim, em sede de constitucionalidade e com força obrigatória geral, no sentido da inconstitucionalidade da questionada norma na medida em que existe a obrigação de aos trabalhadores das extintas CTM e CNN ser paga uma indemnização, em consequência da cessação dos seus postos de trabalho, de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a despedimento colectivo.
Assim sendo, ao julgar-se extinto tal direito por prescrição, é sustentável afirmar-se ter havido aplicação implícita da mesma norma, o que vale dizer estarem verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso com fundamento na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro.
7.-Em face do exposto, defere-se a reclamação, revogando-se, consequentemente, o despacho reclamado que deverá ser substituído por outro que admita o recurso de constitucionalidade.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 1998 Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa