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Proc. nº 28/98
Plenário
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. J..., invocando a qualidade de candidato das listas do Partido Social Democrata - PPD/PSD, veio interpor recurso de contencioso eleitoral, nos termos do art. 103º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro), para o Tribunal Constitucional, de deliberação da Assembleia de Apuramento Geral de Torres Vedras relativa à eleição da Assembleia de Freguesia de A-dos-Cunhados.
A petição de recurso deu entrada na secretaria do Tribunal Constitucional em 9 de Fevereiro de 1998, pelas 9 horas e 19 minutos, alegando o recorrente que foi tempestivamente interposto o recurso. O recorrente invocou os seguintes fundamentos do recurso por ele interposto:
- Em 18 de Dezembro de 1997 reuniu a Assembleia de Apuramento Geral de concelho de Torres Vedras, a qual concluiu os seus trabalhos pelas 19 horas desse dia, tendo distribuído os mandatos pelas diversas listas candidatas aos diferentes
órgãos autárquicos do concelho;
- Relativamente à eleição da Assembleia de Freguesia de A-dos-Cunhados essa distribuição 'teve como universo 9 mandatos, que decorreram do número total de eleitores inscritos que foram verificados através das actas das operações de voto, de acordo com o nº 1 do art. 96º do diploma referido e para cumprir a alínea a) do art. 98º da mesma lei' (art. 3º da petição de recurso; à referência
é feita à indicada lei eleitoral);
- A Assembleia de Apuramento Geral verificou que o número total de eleitores inscritos (4989) determinava a existência de 9 mandatos, de harmonia com o disposto no art. 5º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, tendo sido publicado edital proclamando os resultados finais, sem que tenha havido reclamação, protesto ou contraprotesto;
- Das operações de apuramento não foi interposto qualquer recurso contencioso para o Tribunal Constitucional;
- Em 29 de Dezembro de 1997, o Juiz que presidira à Assembleia de Apuramento Geral entendeu reunir de novo essa Assembleia, por causa de dúvidas levantadas quanto à distribuição de mandatos da Assembleia de Freguesia de A-dos-Cunhados, havendo interessados que sustentavam 'que a determinação dos mandatos a distribuir deveria ter como base o número de eleitores inscritos no termo do prazo da entrega das listas de candidatura no Tribunal da Comarca (20 de Outubro)' (art. 8º da petição). Foi entendimento maioritário dos membros da Assembleia de Apuramento que 'o total de eleitores inscritos válidos para a determinação do número de mandatos deveria ser o total obtido no somatório das respectivas secções de voto e que constavam das actas respectivas' (art. 9º da petição), razão por que não foi alterada a distribuição de mandatos quanto à referida Assembleia;
- Apesar de não ter havido qualquer reclamação, protesto ou contraprotesto nessa segunda assembleia e com referência à distribuição de mandatos da indicada freguesia, nem recurso da deliberação para o Tribunal Constitucional, a verdade
é que veio a reunir uma terceira vez, em 4 de Fevereiro de 1998, a Assembleia de Apuramento Geral, por pressões dos descontentes com os resultados;
- Nessa reunião de 4 de Fevereiro, para a qual apenas foram convocados os membros da Assembleia, não tendo sido convocados os representantes dos partidos políticos, foi alterado o número de mandatos daquela assembleia de freguesia (de
9 para 13), tendo sido considerado como número de eleitores o indicado pelo STAPE e vigente à data do termo da entrega de candidaturas;
- Alertado para o facto de se realizar esta terceira reunião, aí compareceu o recorrente, tendo apresentado uma reclamação no sentido de que estão feridas de nulidade 'quaisquer decisões posteriores a[o] «trânsito em julgado» da Acta da Assembleia de Apuramento Geral [de 18 de Dezembro de 1997]' (art. 18º da petição de recurso);
- Em qualquer caso, seria ilegal a consideração do número de eleitores que se apurou no período de actualização anual normal (de 1 a 31 de Maio de 1997), visto ter havido um período extraordinário de inscrição de novos eleitores no recenseamento (entre 1 e 15 de Julho de 1997), 'de que resultou uma diminuição do número de eleitores' (art. 24º da petição de recurso; aí se faz referência ao disposto nos arts. 9º, nº 3, e 13º da Lei nº 19/97, de 19 de Julho).
Com base nos indicados fundamentos o recorrente pede que o Tribunal Constitucional considere 'nulas as deliberações desta última Assembleia de Apuramento Geral e que sejam repostas as conclusões da primeira Assembleia de 18 de Dezembro de 1997'.
2. O recorrente instruiu a petição de recurso com 9 documentos
(numerados de 1 a 10, faltando o 5º, por ser repetido): documento probatório da qualidade de candidato; certidão do edital da 3ª reunião da Assembleia de Apuramento Geral; certidão do edital da 1ª reunião da Assembleia de Apuramento Geral; certidão da acta da reunião de 18 de Dezembro de 1997 da referida Assembleia; certidão da acta da segunda reunião da Assembleia de Apuramento Geral; três reclamações formuladas pelo recorrente na terceira reunião da Assembleia (pelo facto de o seu partido não ter sido convocado para a reunião; contra a deliberação tomada, dada a sua ilegalidade: pelo facto de ter sido alterado o número de mandatos a distribuir); e, por último, certidão da acta da terceira reunião da Assembleia de Apuramento Geral.
Protestou juntar certidão em substituição do documento nº 1 (tendo, efectivamente, junto essa certidão autêntica em 10 de Fevereiro de 1998).
II
3. Conforme resulta dos documentos que foram juntos pelo recorrente com a petição de recurso, o ora recorrente foi candidato pelo Partido Social Democrata à Assembleia Municipal de Torres Vedras (terceiro da respectiva lista), tendo sido eleito (Doc. nº 3, edital do apuramento geral).
Por outro lado, resulta do documento nº 2 (certidão do edital de apuramento geral de 4 de Fevereiro de 1998) que o mesmo edital foi afixado às 17 horas e 20 minutos de 5ª feira, de 5 de Fevereiro de 1998.
4. Nos termos do art. 103º, nº 2, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, têm legitimidade para interpor recurso de contencioso eleitoral, relativamente à decisão sobre a reclamação ou protesto, além do apresentante da reclamação, protesto ou contraprotesto, os candidatos, os seus mandatários e os partidos políticos que, na área do município, concorrem à eleição (nos termos do art. 95º, nº 3, da mesma lei eleitoral, os candidatos a
órgãos autárquicos do município podem assistir, sem direito de voto, aos trabalhos da assembleia de apuramento geral, mas com direito de reclamação, protesto ou contraprotesto).
No caso dos autos, o ora recorrente foi candidato à Assembleia Municipal de Torres Vedras, tendo sido eleito, e foi ele quem apresentou três reclamações na terceira reunião da Assembleia de Apuramento Geral do Município de Torres Vedras, as quais foram indeferidas (documentos nºs. 7, 8 e 10), tendo ficado apensas à acta.
É, assim, indiscutível a sua legitimidade para interpor o presente recurso, pois sendo candidato a um dos órgãos autárquicos apresentou reclamações
à Assembleia da Apuramento Geral, a qual as indeferiu.
5. Por outro lado, o presente recurso é tempestivo.
De facto, devendo o recurso ser interposto no prazo de 48 horas contado a partir da afixação do edital da Assembleia de Apuramento Geral (art. 104º, nº
1, da referida Lei Eleitoral), o prazo para interpor o recurso veio a completar-se pelas 17 horas e 20 minutos de sábado, 7 de Fevereiro de 1997. Estando encerrada nesse dia a secretaria do Tribunal Constitucional, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil, 2ª feira, 9 de Fevereiro de 1998, pela hora de abertura da secretaria.
6. Por último, importa ainda referir que o recurso vem instruído com todos os elementos pertinentes, pelo que pode dele conhecer-se.
7. Dos elementos documentais juntos aos autos resulta que:
- Na primeira reunião da Assembleia de Apuramento Geral do Município de Torres Vedras, na distribuição de mandatos respeitantes à Assembleia de Freguesia de A-dos-Cunhados foi considerado como número de eleitores inscritos 4989;
- Em função dos resultados das quatro listas concorrentes (CDU -81 votos; PPD/PSD - 960 votos; CDS/PP - 59 votos; PS - 1610 votos), foram distribuídos os
9 mandatos entre o PS (6 mandatos) e o PSD (3 mandatos) (Doc. nº 4);
- Dessa acta não consta qualquer reclamação, protesto ou contraprotesto;
- Em 29 de Dezembro de 1997, foi lavrada acta de uma 2ª reunião da Assembleia de Apuramento Geral em que se dá conta do facto de ter sido mantida a anterior distribuição de 9 mandatos quanto à referida assembleia de freguesia, não obstante o teor de um parecer em contrário do STAPE - Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral, do Ministério da Administração Interna
(nesse parecer preconizava-se que o número de mandatos a considerar seria de 13, por se ter de atender ao número de eleitores apurados no período de actualização ordinária do recenseamento, 5013 eleitores, em vez dos 4989 apurados no período extraordinário de actualização). De harmonia com o que consta dessa acta foi deliberado 'remeter para a Comissão Nacional de Eleições o presente processo, para os fins que forem tidos por convenientes', esclarecendo-se que tal remessa
'não terá qualquer efeito suspensivo na tramitação do processo eleitoral, nomeadamente no que concerne à proclamação e publicação dos resultados' (Doc. nº
6);
- Finalmente, foi lavrada uma terceira acta da reunião de 4 de Fevereiro de 1998 da mesma Assembleia de Apuramento Geral, de onde consta que, dado o teor da resposta da Comissão Nacional de Eleições à exposição endereçada sobre o número de eleitores a considerar, foi deliberado, por maioria, alterar o número de mandatos a distribuir de 9 para 13, procedendo à atribuição dos quatro mandatos aos candidatos sucessivos nas listas do PS e do PSD (2 mandatos para cada partido) (Docs. nºs. 2 e 9);
- Foram indeferidos protestos apresentados em 4 de Fevereiro de 1998 pelo recorrente quer quanto à não convocação para a terceira reunião do Partido a que o recorrente pertence, quer quanto à intempestividade da reunião e falta de competência da Assembleia de Apuramento Geral para deliberar, quer quanto à legalidade da deliberação de distribuição de mais quatro mandatos (Docs. nºs. 7,
8 e 10).
8. As questões controvertidas submetidas ao Tribunal Constitucional são as de saber se a Assembleia de Apuramento Geral podia reunir cerca de um mês e meio após a afixação do edital que deu publicidade às operações de apuramento geral no concelho de Torres Vedras para alterar uma deliberação anteriormente tomada, e, em caso de resposta afirmativa, se foi legal a segunda deliberação que considerou que o número de mandatos era de 13 e não de 9.
9. Comecemos pela primeira questão.
A resposta do Tribunal Constitucional é negativa, quanto à mesma, ou seja, considera-se ilegal a realização de uma reunião da Assembleia de Apuramento Geral em 4 de Fevereiro de 1998 destinada a alterar uma deliberação tomada em 18 de Dezembro de 1997 e publicada pela mesma Assembleia em 22 do mesmo mês e ano, relativamente ao número de mandatos da Assembleia de Freguesia de A-dos-Cunhados.
As razões deste juízo constam do acórdão nº 20/98, ainda inédito, deste Tribunal que versou uma hipótese similar (correcção, em posterior reunião da Assembleia de Apuramento Geral, da atribuição de um mandato numa assembleia de freguesia, em situação de igual número de votos a considerar entre duas listas, na aplicação do método de Hondt):
'6. - O Tribunal Constitucional de há muito que vem entendendendo que a Assembleia de Apuramento Geral, não sendo um órgão jurisdicional, deve ser qualificada como órgão da administração eleitoral, com competência para a prática de actos que se inserem no processo eleitoral. É este um processo em que assume especial relevância o princípio da aquisição progressiva dos actos, que mais não é do que a expressão de que todo ele deve ser permeado por um sentido de celeridade e de completude dos actos sucessivamente praticados.
Na verdade, nesta fase final, a ideia fundamental deverá ser a de que, para que seja respeitada a vontade democraticamente manifestada dos cidadãos eleitores, os titulares dos órgãos electivos devem assumir a plenitude de funções tão rapidamente quanto possível, já que o mandato dos titulares ainda em funções está sujeito a prazos de duração legalmente estabelecidos, que só com base em razões muito ponderosas deverão ser ultrapassados.
Nesta conformidade, a Assembleia de Apuramento Geral encontra-se vinculada às suas próprias decisões, pois que os seus poderes, em princípio, se esgotam com a afixação dos editais que publicitam os resultados apurados, sem prejuízo de recurso contencioso para este Tribunal, a interpor no curto prazo de 48 horas, que decidirá em plena jurisdição, também num prazo de igual duração, e comunicará a decisão ao governador civil e à Comissão Nacional de Eleições
(artigo 104º, nº 2, da LEOAR), e não à Assembleia de Apuramento, em princípio já automaticamente dissolvida.
O que acaba de se dizer não exclui, certamente, a possibilidade de correcção de erros materiais (veja-se, neste sentido, os Acórdãos nºs 17/90 e 18/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º Vol.,pág. 675 e segs., e 679 e segs., respectivamente).
Para a generalidade das situações, ou seja, para a apreciação e decisão sobre as irregularidades ocorridas no apuramento (quer se traduzam em erros de facto quer em erros de direito das deliberações), valerá, desde logo, o que na lei se dispõe sobre o contencioso eleitoral, a saber, recurso para este Tribunal nos termos já referidos (artigos 103º e 104º da LEOAR).
Mas, quando se admita que a Assembleia possa subsistir para além do encerramento dos seus trabalhos com a afixação do edital a que se refere o artigo 90º da LEOAL, para corrigir alguma ilegalidade (ao menos quando manifesta), isso, em qualquer caso, só poderá ocorrer dentro do prazo de quarenta e oito horas de interposição do recurso contencioso.'
É este entendimento que agora se reafirma, visto não ser possível que uma Assembleia de Apuramento Geral altere anteriores deliberações, depois de estas se terem consolidado por delas não ter sido oportunamente interposto recurso de contencioso eleitoral.
10. A resposta dada à primeira questão posta ao Tribunal conduz à anulação, por ilegalidade, de deliberação agora recorrida, pelo que não tem o Tribunal Constitucional de versar a questão de saber qual o número de eleitores que devia ser considerado para efeitos de distribuição de mandatos. III
11. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional conceder provimento ao recurso, anulando a deliberação que a Assembleia de Apuramento Geral do Município de Torres Vedras tomou na sua reunião de 4 de Fevereiro de 1998, relativamente à distribuição de mais quatro mandatos na eleição para a Assembleia de Freguesia de A-dos-Cunhados.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 1998 Armindo Ribeiro Mendes Bravo Serra Luis Nunes de Almeida Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Guilherme da Fonseca Messias Bento Maria Fernanda Palma Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa