Imprimir acórdão
Processo nº 1/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): A... Recorrido(s): Director Distrital de Finanças de Lisboa
I. Relatório:
1. O presente recurso vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Maio de 1998, cuja aclaração e reforma foi recusada pelo acórdão do mesmo Tribunal, de 4 de Novembro de 1998.
Pretende o recorrente que se aprecie a constitucionalidade das normas constantes do artigo 97º do Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações e do artigo 155º do Código de Processo Tributário, interpretadas 'no sentido de não permitirem o recurso contencioso do acto que autoriza a avaliação ao abrigo do §
único do artigo 57º' do Código primeiramente citado.
O relator, com fundamento em que se não verificavam os pressupostos do recurso interposto, proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso.
2. De tal decisão sumária reclama, agora, o recorrente para a conferência, com vista a que se conheça do recurso. Sustenta o recorrente que se verificam os pressupostos do recurso que interpôs, uma vez que – disse – 'deve ter-se como certo que, perante o Supremo Tribunal Administrativo e nas alegações apresentadas em 21 de Maio de 1992, o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 97º do CISISSD'; e 'relativamente ao artigo 155º do Código de Processo Tributário, sendo certo que o que interessa é a suscitação da constitucionalidade da norma
(a constitucionalidade da norma já tinha sido suscitada quando se referiu que a constante da disposição anterior também não permitia o recurso), a verdade é que a referência ao mencionado artigo 155º não era exigível nas alegações apresentadas em 21 de Maio de 1992'. Acrescenta que, 'para além disso, deve-se ter em consideração que, perante a 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, o recorrente, através do pedido de reforma e do pedido subsidiário de aclaração formalizado no requerimento de 22 de Maio de 1998 [...], volta a suscitar a questão da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 97º do CISISSD, quando interpretado com o sentido de que não permite o recurso interposto do despacho do Sr. Director Distrital de Finanças de Lisboa [...]'.
A entidade recorrida veio dizer que deve manter-se a decisão reclamada.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Na decisão sumária ora reclamada, depois de se dizer que não podia conhecer-se do recurso, escreveu-se: De facto, fundado que vem na alínea b) do nº 1 do referido artigo 70º, o recurso tem como pressupostos, entre o mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas que pretende ver apreciadas sub specie constitutionis; e que, não obstante, a decisão recorrida as tenha aplicado como suas rationes decidendi. Ora, no caso, o recorrente não suscitou, como exige o nº 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade daquelas normas 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer'. E, por isso, o acórdão sob recurso, embora faça apelo expresso àqueles normativos, não aprecia a sua eventual inconstitucionalidade. Na alegação que então apresentou, o recorrente, depois de dizer que a recorribilidade do acto que, nos termos do artigo 57º do Código da Sisa, autorizou a avaliação do imóvel não podia, face ao disposto no artigo 268º, nº 4, da Constituição, ser posta em dúvida – e que, por isso, o recurso lhe não podia ter sido rejeitado com fundamento na sua irrecorribilidade
– apenas acrescentou que a rejeição do recurso o privava, 'contra a própria Lei Fundamental, do direito de recorrer contra um acto que ordena uma avaliação que, a manter-se, prejudica o recorrente'.
É dizer que o recorrente não imputou qualquer violação da Lei Fundamental a nenhuma norma legal, designadamente às que pretende ver apreciadas por este Tribunal. Quando muito, atribui um tal vício à própria decisão de rejeição do recurso. Simplesmente, o controlo de constitucionalidade que a este Tribunal está cometido pela Constituição e pela lei apenas pode ter por objecto as normas jurídicas que as decisões de que se recorre desaplicaram, com fundamento na sua incompatibilidade com a Constituição, ou que aplicaram, não obstante essa compatibilidade ter sido questionada, durante o processo, e não essas mesmas decisões consideradas em si próprias. Não se verifica, assim, o pressuposto da suscitação, durante o processo, e de forma processualmente adequada, da questão de constitucionalidade.
5. Nada do que o recorrente diz na reclamação apresentada põe a crise a decisão de não conhecimento do recurso no que toca ao artigo 97º do Código da Sisa.
Vejamos. O recorrente, para concluir que, nas alegações produzidas no recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, suscitou a inconstitucionalidade da norma do artigo 97º do CISISSD, interpretada 'no sentido de que não permite o recurso do despacho que autorizou a avaliação nos termos do artigo 57º do citado Código', invoca as seguintes passagens da referida alegação:
'Ora, o nº 4 do artº 268º da Constituição da República Portuguesa preceitua que
é garantido aos interessados recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
'A rejeição do recurso equivale a privar o recorrente de um direito que a própria Constituição lhe reconhece, uma vez que, face àqueles arestos, a ilegalidade do despacho não constitui, como é óbvio, a preterição de qualquer formalidade de avaliação e, por isso, a avaliação não poderia ser atacada com os fundamentos pelos quais se impugna o despacho em causa.
'Por isso, a recorribilidade de tal despacho não pode ser posta em dúvida, face ao art.º 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual 'é garantido aos interessados recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos'. A rejeição do recurso priva, assim, o recorrente, contra a própria Lei Fundamental, do direito de recorrer contra um acto que ordena uma avaliação que, a manter-se, prejudica o recorrente, uma vez que, segundo a lei, tal avaliação não devia ser autorizada no caso em apreço.
Não pode, pois, dizer-se, como faz o recorrente, que, 'das alegações produzidas
[...] resulta, com meridiana clareza, que, segundo o recorrente, a citada norma, com esse sentido, é inconstitucional precisamente por violar o disposto no nº 4 do artigo 268º, da Constituição da República Portuguesa'; nem que 'isto é mais do que suficiente para se ter como certo que o recorrente suscitou perante a 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo a questão de constitucionalidade do artigo 97º do Código citado'; nem ainda que 'a inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente só podia reportar-se a essa norma com o sentido que ficou referido'. Anota-se também que, como este Tribunal tem decidido repetidamente, a suscitação da questão de constitucionalidade no pedido de aclaração já não é feita durante o processo, pois não o é a tempo de o tribunal recorrido a poder decidir.
Sublinha-se ainda que o dever de os tribunais não aplicarem normas feridas de inconstitucionalidade, nos feitos submetidos a julgamento, não significa que eles devam pronunciar-se sobre a compatibilidade com a Constituição de toda e cada uma das normas que tenham que aplicar. Significa tão-só que, quando, eles próprios, considerem que certa norma, que o julgamento do caso convoca, é inconstitucional, lhe devem recusar aplicação.
Acresce que, para além de a inconstitucionalidade do mencionado artigo 97º não ter sido suscitada, durante o processo, de forma processualmente adequada, em direitas contas, este normativo nem sequer foi aplicado pelo acórdão recorrido. De facto, para concluir pela irrecorribilidade do acto, que autoriza a avaliação ao abrigo do § único do artigo 57º do Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, esse aresto, verdadeiramente, fez apelo ao artigo 155º do Código de Processo Tributário, e não ao artigo 97º do Código da Sisa.
Depois de referir que, nos termos do mencionado artigo 97º, 'o contribuinte poderia impugnar tanto uma como outra avaliação' – ou seja: tanto a primeira como a segunda avaliação -, desde que o fundamento da impugnação fosse
'preterição de formalidades legais', o acórdão acrescentou que, com a entrada em vigor do Código de Processo Tributário, face ao disposto no seu artigo 155º, a situação alterou-se'.
E acrescentou: Em relação à situação anterior há três alterações a reter: por um lado, o prazo de impugnação para o contribuinte é agora de 90 dias e não de 8 dias, como se dispunha no referido art. 97º do C.I.M.S.I.S.S.D.. Por outro lado, torna-se agora necessário esgotar os meios graciosos previstos no processo de avaliações. No caso concreto, torna-se necessário requerer uma segunda avaliação, com previsão no art. 96º do C.I.M.S.I.S.S.D.. Finalmente, a lei expressamente refere agora toda e qualquer ilegalidade e não apenas a preterição de formalidades legais.
Logo a seguir, o acórdão conclui: E a conclusão a tirar daqui é óbvia, a saber: o referido art. 97º do C.I.M.S.I.S.S.D. foi revogado pelo art. 155º do CPT, atento o disposto no art.
11º do Dec.-Lei nº 154/91, de 23/4.
É assim para nós inequívoco que o art. 155º do CPT revogou, na parte ora em apreciação, o citado art. 97º do C.I.M.S.I.S.S.D.. Resulta do que vai dito que só o resultado da 2ª avaliação era susceptível de impugnação. E só então era lícito ao recorrente discutir quer o despacho que autorizou a avaliação do prédio, nos termos do art. 57º, § único do C.I.M.S.I.S.S.D., quer a avaliação propriamente dita, através do pertinente recurso do resultado da avaliação.
5. Relativamente ao artigo 155º do Código de Processo Tributário, o recorrente reconhece que 'não suscitou, de maneira nenhuma, a sua constitucionalidade [sic] nas suas alegações de recurso interposto do acórdão do Tribunal Tributário da 2ª Instância'. Acrescenta, no entanto, que quanto a esse normativo, deve o recurso ser admitido, apesar de ele não ter suscitado a sua inconstitucionalidade, uma vez que ele 'aparece mencionado, pela primeira vez no processo, no douto acórdão de
6 de Maio de 1998, para se dizer que revogou o artigo 97º do CIISSD, na parte em que este restringia a impugnação da avaliação apenas com fundamento na preterição de formalidades legais'. E ainda que, segundo esse mesmo acórdão, 'o disposto no artigo 155º do Código de Processo Tributário devia ser interpretado também no sentido de não permitir o recurso do acto que tenha determinado a avaliação ao abrigo do artigo 57º do CSISSD'. Ou seja: o recorrente alega que, não tendo tido oportunidade processual para suscitar a inconstitucionalidade deste artigo 155º, durante o processo, deve ser dispensado do cumprimento do respectivo ónus.
Na decisão sumária ora reclamada, não foi apreciada a questão de saber se é ou não caso de dispensar o cumprimento do ónus da suscitação, durante o processo, da questão da inconstitucionalidade do dito artigo 155º. Não o foi, porque, tendo o recorrente afirmado, no requerimento de interposição do recurso, que 'as questões da inconstitucionalidade das referidas normas foram suscitadas no processo [...]', essa questão não se colocava no momento de proferir aquela decisão.
Colocada agora a questão, há-de convir-se que o recorrente deve ser dispensado de cumprir o dito ónus, pois, como o acórdão da 2ª instância, para concluir pela irrecorribilidade do acto que autoriza a avaliação, convocou o artigo 97º do Código da Sisa; e o acórdão recorrido fez decorrer essa irrecorribilidade do artigo 155º do Código de Processo Tributário; ele não teve oportunidade processual de suscitar a inconstitucionalidade deste normativo, antes da prolação do aresto recorrido.
Há, por isso, que deferir a reclamação, para se conhecer da questão de constitucionalidade do mencionado artigo 155º do Código de Processo Tributário.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, defere-se, em parte, a reclamação, apenas para se conhecer do recurso quanto ao artigo 155º do Código de Processo Tributário.
Lisboa, 9 de Março de 1999 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida