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Processo nº 544/99 Conselheiro Messias Bento Plenário
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. O PROVEDOR DE JUSTIÇA pede se declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas abaixo indicadas do Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Banca dos Casinos, aprovado em 23 de Julho de
1973 e publicado no Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, nº
34, de 15 de Setembro de 1973:
(a). a título principal, da norma que se contém no artigo 22º, em conjugação com a do artigo 21º, do dito Regulamento;
(b). a título consequencial, de várias normas dos capítulos III e IV do mesmo Regulamento, concretamente das dos artigos 8º, nºs 2 e 3; 9º, nºs 1, 2 e 3; 11º, nº 1; 14º, alínea b); 15º, nº 1; 17º; 24º, nº 3; 25º, nº 2; 26º, nº 1; 27º; 29º, nº 1; 31º; 32º; 34º; 35º; 36º e 37º.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA entende, por um lado, que o reconhecimento de poderes de intervenção e decisão do sindicato no processo de passagem de carteiras profissionais viola a liberdade sindical garantida no artigo 55º, n.º 1, e n.º
2, alínea b), da CRP, e que, por outro lado, não é compatível com o princípio da independência sindical, consagrado no n.º 4 do artigo 55º da CRP, 'a atribuição forçada do exercício de funções públicas aos sindicatos, tal como acontece no caso em apreço'.
O requerente reconhece que 'o poder sindical em matéria de atribuição de carteiras profissionais decorria do disposto no parágrafo 1º do art. 3º do Decreto-Lei n.º 29 931 de 15.03.39', norma entretanto já declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 91/85 deste Tribunal, por violar os princípios da liberdade sindical e da independência dos sindicatos. E reconhece igualmente que tal norma já fora expressamente revogada pelo artigo 9º do Decreto-Lei n.º 358/84, de 13 de Novembro, apesar de o artigo
8º do mesmo diploma estabelecer que os regulamentos de carteiras profissionais existentes se mantinham em vigor até à respectiva revogação e substituição (n.º
1), sem prejuízo de a passagem de carteiras profissionais emitidas ao abrigo de tais regulamentos dever ser efectuada pelos serviços competentes do Ministério do Trabalho ou das correspondentes Secretarias Regionais do Trabalho, nas regiões autónomas (n.º 2), pelo que, presentemente, as carteiras profissionais dos empregados de banca dos casinos já não estão a ser passados pelo respectivo sindicato.
Contudo, o Provedor de Justiça contesta que o sindicato continue 'a deter um conjunto de competências instrumentais à da passagem de carteiras profissionais atentatórias, também elas, da liberdade sindical', uma vez que 'estes poderes de intervenção e decisão do sindicato possam constituir um instrumento de coerção ou de sugestão no sentido da sindicalização dos empregados de banca nos casinos, sendo susceptíveis de retirar aos trabalhadores por ele abrangidos a possibilidade de uma livre escolha no plano sindical'.
É que, salienta o requerente, 'todo o processo conducente à obtenção da carteira profissional se mostra desde o início dominado pela intervenção do Sindicato, desde a decisão de realizar os exames (condição indispensável para o ingresso na profissão) e seu anúncio (art.º 9.º), a entrega da documentação por parte dos candidatos (art.º 11) e ainda, aspecto que é particularmente grave, a intervenção do sindicato na composição do respectivo júri de exame (art.º
15.º)'. Por outro lado, o artigo 14.º do Regulamento 'dispõe que, na apreciação das provas o júri terá em consideração, para os candidatos que tenham frequentado o curso de preparação orientado por um representante do sindicato, a informação dos respectivos instrutores sobre o seu aproveitamento'.
Ora, tendo já o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 272/86, em situação similar, salientado que 'existe o perigo real de a competência para a emissão das cadernetas de registo da prática ser mal gerida e de os sindicatos se valerem dela para – recusando a sua passagem aos não filiados ou simplesmente levantando-lhes especiais obstáculos – forçarem ou sugerirem a sindicalização aos auxiliares de farmacêutico que de tais cadernetas necessitarem para o exercício da sua actividade profissional', a verdade é que tais 'considerações valem mutatis mutandis para o caso em apreço já que todas estas competências do sindicato, relativamente ao exame necessário para ingresso nas profissões de empregados de banca, instrumentais à passagem da caderneta profissional (cfr. art.º 3.º do Regulamento), podem funcionar como instrumento de pressão junto dos trabalhadores, com vista à sua sindicalização, nomeadamente criando especiais obstáculos a não sindicalizados na admissão a exames, apreciação dos mesmos, justificação de faltas, etc.' ou 'favorecendo sindicalizados na frequência de cursos de preparação orientados pelo sindicato, relativamente aos quais a informação final dos instrutores sobre aproveitamento é tida em consideração na apreciação das provas pelo júri'. Conclui, pois, o Provedor de Justiça que se encontra em crise o princípio da liberdade sindical assegurado no artigo 55.º, n.º 1, e n.º 2, al. b), da Constituição (nas suas vertentes positiva e negativa).
Para além disso, 'ao impor-se, por via regulamentar, ao sindicato, o exercício de toda uma actividade processual e administrativa em favor de trabalhadores, que não precisam sequer de ser seus associados (cf. art.º 23.º do Regulamento), está-se a violar a liberdade de acção das associações sindicais e também o princípio da independência, acolhido pelo n.º 4 do citado art.º 56.º da CRP'. É que, como deflui da jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente vertida no Acórdão n.º 445/93, não podem ser atribuídos às associações sindicais competências que 'implicam a atribuição do exercício de verdadeiros poderes ou prerrogativas de autoridade, manifestamente contrários e estranhos àqueles que são próprios dos sindicatos e se inscrevem no âmbito das suas específicas finalidades'. Logo, conclui o requerente, 'não pode a lei atribuir aos sindicatos poderes de autoridade como sejam, no caso, os de realizar exames indispensáveis para o ingresso nas profissões dos empregados de banca'.
Nesta conformidade, também o princípio da independência dos sindicatos, consagrado no artigo 55º, n.º 4, da CRP, se encontra violado.
O PRIMEIRO-MINISTRO, notificado para se pronunciar sobre o pedido, veio oferecer o merecimento dos autos.
2. Foi aprovado o memorando apresentado. E, assim, ficou fixada a orientação do Tribunal sobre as questões (prévias e de fundo) a resolver.
3. Cumpre, então, decidir.
II. Fundamentos:
4. As normas impugnadas. Dispõem como segue os artigos 22º e 21º (objecto do pedido, a título principal): Artigo 22º A carteira profissional, de modelo a aprovar pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, será passada pelo Sindicato Nacional dos Empregados da Banca nos Casinos: a) Aos indivíduos que à data da publicação deste Regulamento estejam legalmente habilitados a exercer a profissão; b) Aos candidatos que se encontrem nas condições previstas no artigo 3º e hajam prestado serviço efectivo na profissão durante um ano; c) Aos indivíduos que ascendam, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 5º do capítulo II, às profissões de chefe de banca e fiscal de banca; d) Aos indivíduos que desempenhem as profissões de chefe de banca e fiscal de banca, ao abrigo do n.º 3 do artigo 5º do capitulo II, bem como àqueles que desempenhem as profissões de chefe de partida e fiscal-chefe, quer quando recrutados dentro da profissão, quer quando recrutados fora dela. Artigo 21º Nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 29 931, de 15 de Setembro de 1939, a carteira profissional é título obrigatório para o exercício das funções inerentes às profissões enumeradas no artigo 2º deste Regulamento.
Os demais preceitos aqui sub iudicio prescrevem assim: Artigo 8º
1. (....)
2. Os exames realizar-se-ão no Sindicato ou, quando tal não seja possível ou conveniente, no casino de uma das zonas autorizadas.
3. Quando circunstâncias excepcionais o justificam, o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ouvidos o Conselho de Inspecção de Jogos e o Sindicato, podem determinar a realização de exames fora dos prazos normais, sem prejuízo dos exames regulares e periódicos previstos no n.º 1 deste artigo. Artigo 9º
1. A realização dos exames será tornada pública pelo Sindicato por meio de aviso afixado na sua sede, nas instalações reservadas ao pessoal de banca nos casinos de todas as zonas de jogo, e anúncio num jornal diário da manhã e da tarde, com a antecedência mínima de seis meses, em qualquer dos casos.
2. Os elementos que deveram constar do requerimento solicitando a admissão aos exames, os documentos que hão-de instruí-lo e o prazo para a sua entrega, que não poderá ultrapassar os sessenta dias anteriores à sua realização, estarão patentes ao público no Sindicato.
3. Independentemente do aviso e anúncio referido no n.º 1 deste artigo, os candidatos que já tenham requerido a admissão a exame deverão ser notificados pelo Sindicato por meio de carta registada com aviso de recepção. Artigo 11º
1. Os requerimentos deverão dar entrada no Sindicato até às 17 horas do último dia do prazo estabelecido, devendo, porém, ser aceites aqueles que se prove terem sido entregues, sob registo, em qualquer estação dos correios do continente até à véspera do dia do encerramento do concurso.
2. (....) Artigo 14º Na apreciação das provas o júri terá em consideração: a) (....) b) Para os candidatos que tenham frequentado o curso de preparação orientado por um representante do Sindicato, a informação dos respectivos instrutores sobre o seu aproveita- mento. Artigo 15º
1. O júri dos exames será presidido por pessoa nomeada por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social e terá por vogais um funcionário designado pelo presidente do Conselho de Inspecção de Jogos e o presidente da Direcção do Sindicato Nacional dos Empregados de Banca nos Casinos, que poderá delegar.
2. (....) Artigo 17º Os resultados dos exames serão afixados no Sindicato no termo do dia em que ocorra a prestação das provas. Artigo 24º
1. (....)
2. (....)
3. O modelo do título provisório carece de aprovação da Direcção-Geral do Trabalho e Corporações.
4. (....) Artigo 25º
1. (....)
2. As carteiras profissionais serão assinadas pelos titulares e pelo presidente da direcção do Sindicato ou quem as suas vezes fizer e só serão válidas depois de visadas pelos serviços competentes da Direcção-Geral do Trabalho e Corporações. Artigo 26º
1. Os vistos nas carteiras profissionais dependem da apresentação dos respectivos processos organizados no Sindicato, devidamente relacionados.
2. (....) Artigo 27º A passagem da carteira profissional será solicitada ao presidente da direcção do Sindicato, mediante requerimento, em impresso especial. Artigo 29º
1. As carteiras profissionais serão revalidadas pelo Sindicato anualmente e no decurso do mês de Janeiro.
2. (....)
3. (....) Artigo 31º
1. Serão obrigatoriamente averbadas nas carteiras, pelo Sindicato, as alterações que tenham ocorrido posteriormente à sua passagem.
2. (....) Artigo 32º Nos casos de deterioração ou extravio das carteiras profissionais ou dos títulos provisórios, o Sindicato passará aos interessados, mediante requerimento, no prazo de trinta dias, segundas vias dos mesmos, entregando desde logo documentos provisórios, que, para todos os efeitos, substituirão as carteiras profissionais ou os títulos em falta. Artigo 34º Quando os recursos obtiverem provimento, a direcção do Sindicato será notificada do despacho respectivo para, no prazo de oito dias, entregar a carteira profissional ou o título provisório, ou reparar a sua decisão.
Artigo 35º
1. O Sindicato cobrará as seguintes importâncias, que constituem sua receita própria: a) Pela admissão a exame de aptidão profissional ..............................
200$00 b)Pela passagem de 1.ª via de carteira profissional
............................. 50$00 c) Pela passagem de 2.ª via ou outra via de carteira profissional ..........
75$00 d) Pela passagem de 1.ª via de título provisório
................................... 50$00 e) Pela passagem de 2.ª via de titulo provisório
.................................... 75$00 f) Pela revalidação da carteira profissional:
1 – Requerida durante o prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 29.º ...... 20$00
2 – Requerida fora do prazo referido
.................................................... 40$00 Artigo 36º As carteiras profissionais, cujos titulares tenham deixado de exercer a actividade definitivamente ou estejam impedidos de a exercer, nos termos do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 48 912, deverão ser entregues no Sindicato, a fim de serem inutilizadas com o carimbo «Anulada», em tipo destacado, aposto em todas as suas faces ou folhas, após o que poderão ser devolvidas aos interessados, a seu pedido. Artigo 37.º As carteiras profissionais sem validade e, bem assim, as que não forem entregues nos termos do artigo anterior, serão apreendidas pela Inspecção do Trabalho, por sua iniciativa ou a pedido dos serviços da Direcção-Geral do Trabalho e Corporações ou do Conselho de Inspecção de Jogos, e enviadas ao Sindicato para efeitos de revalidação ou anulação, conforme os casos.
5. Questão prévia.
5.1. O pedido principal. Como sublinhou o memorando, a razão de ser do pedido (recordando: violação dos princípios da liberdade sindical e da independência dos sindicatos) atinge a norma constante do artigo 22º do Regulamento, apenas na parte em que nela se atribui ao Sindicato dos Empregados de Banca nos Casinos a competência para a passagem das carteiras profissionais, pois nem a exigência de carteira profissional (artigo 21º), nem as condições para a poder obter – enunciadas nas alíneas a) a d) do artigo 22º - têm a ver com a questão suscitada pelo Provedor de Justiça, razão por que estão fora do âmbito do pedido.
Simplesmente, o mencionado artigo 22º, na parte em que vem requerida a declaração da sua inconstitucionalidade, já não se encontra em vigor. De facto, o artigo 8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 358/84, de 13 de Novembro, veio prescrever que 'a passagem de carteiras profissionais ao abrigo de regulamentos mantidos em vigor nos termos do número anterior será feita pelos serviços competentes do Ministério do Trabalho e Segurança Social e das Secretarias Regionais do Trabalho dos Açores e da Madeira'. Ou seja: veio transferir dos sindicatos para os serviços do Ministério do Trabalho e das Secretarias Regionais do Trabalho a competência para a passagem de carteiras profissionais.
Mas, sendo isto assim – sublinhou-se no memorando e repete-se agora -, não existe seguramente qualquer interesse na declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma em causa, revogada há mais de quinze anos, ainda antes da apresentação do pedido, e sem que o requerente aponte qualquer razão específica que o pudesse justificar.
Não vai, por isso, conhecer-se do pedido formulado a título principal.
5.2. O pedido a título consequencial. Quanto às normas, cuja declaração de inconstitucionalidade vem pedida a título meramente consequencial – as indicadas supra, I, 1, b) -, poderia pensar-se também em não tomar conhecimento do pedido: essa seria, de facto, a consequência normal do não conhecimento do pedido principal.
Simplesmente, a correcta interpretação do pedido do Provedor de Justiça é a de que a inconstitucionalidade, cuja declaração pede a título consequencial, não é, verdadeiramente, uma inconstitucionalidade meramente consequencial: não o é, ao menos no sentido de se tratar de uma inconstitucionalidade que afecte normas cuja subsistência dependa de norma declarada inconstitucional a título principal. A qualificação de inconstitucionalidade como meramente consequencial utilizou-a, antes, o requerente no sentido de se estar em presença de uma inconstitucionalidade que constitui mero corolário da inconstitucionalidade da norma impugnada a título principal; ou seja: no sentido de a mesma decorrer da inconstitucionalidade da norma impugnada a título principal, por identidade ou maioria de razão. Isto é o que resulta do facto de o Provedor de Justiça apontar razões autónomas de inconstitucionalidade relativamente a várias dessas normas cuja inconstitucionalidade suscita a título consequencial.
Pois bem: devendo o pedido ser interpretado como se deixou dito (ou seja: na medida em que a norma do artigo 22º do Regulamento seria virtualmente inconstitucional, à luz da jurisprudência do Tribunal, igualmente inconstitucionais seriam, por identidade de razão, as normas instrumentais que se mantiveram em vigor), então, justificar-se-ia a respectiva declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, porque, embora instrumentais, essas normas são dotadas de autonomia e continuaram a ser aplicadas, apesar de a citada norma do artigo 22º já não se encontrar em vigor.
Neste contexto – continuando a dizer com o memorando -, o pedido de inconstitucionalidade de todas as normas do Regulamento – para além da do artigo
22º, conjugado com o artigo 21º - refere-se, efectivamente, a uma verdadeira inconstitucionalidade a título principal, e não a uma mera inconstitucionalidade consequencial.
Mas, sendo isto assim, já o Tribunal pode conhecer do pedido que vem formulado a título consequencial. Contudo, não vai conhecer-se dele em relação a todas as normas que o constituem:
é que, algumas dessas normas deixaram, necessariamente, de vigorar em consequência da transferência de competências do sindicato para os serviços públicos quanto à matéria da passagem de carteiras profissionais. São normas que, por isso, se encontram revogadas de sistema. Ora, achando-se essas normas revogadas e tendo deixado de ser aplicadas há, seguramente, quinze anos, não se justifica, quanto a elas, qualquer declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral. Isto é o que acontece relativamente às seguintes normas: a) Artigo 25.º, n.º 2; b) Artigo 27.º; c) Artigo 29.º, 31.º e 32.º (este, enquanto se refere às segundas vias de carteiras profissionais); d) Artigo 34.º (na parte respeitante a carteiras profissionais); e) Artigo 35.º, alíneas b), c) e f); f) Artigos 36.º e 37.º
De facto, a assinatura das carteiras pelo presidente do sindicato e a obrigatoriedade de as mesmas serem visadas pelos serviços públicos competentes
(artigo 25º, nº 2) só se entendia no quadro legal em que essas carteiras eram passadas pelo sindicato e não pelos referidos serviços públicos. Quanto ao artigo 27º, só no quadro legal anterior fazia sentido que a passagem da carteira profissional fosse requerida ao presidente da direcção do sindicato. Quanto aos artigos 29º, 31º e 32º (este, na parte referida), a competência para revalidar as carteiras profissionais ou para nelas efectuar averbamentos, bem como a competência para emitir segundas vias de carteiras profissionais, pressupõe, necessariamente, a competência para passar as mesmas carteiras, pelo que, desaparecida essa competência, também as outras se extinguiram. Quanto ao artigo 34º, na parte considerada, não havendo competência do sindicato na matéria, não se compreende a existência do recurso. Quanto ao artigo 35º, alíneas b), c) e f), a extinção das competências do sindicato implica que ele já não possa cobrar as importâncias previstas nestas normas. Quanto aos artigos 36º e 37º, a anulação das carteiras profissionais já não pode caber ao sindicato, mas à entidade competente para as emitir.
Também, pois, quanto às normas que se deixaram elencadas o Tribunal não vai conhecer do pedido.
Dir-se-á que também não deveria conhecer-se do pedido quanto às restantes normas, pois elas têm que estar revogadas, uma vez que a revogação do artigo 22º não pôde deixar de implicar a de tais normas: é que – argumentar-se-á -, tendo o sindicato deixado de ter competência para passar carteiras profissionais não pode continuar a ser competente para a organização do respectivo processo.
A verdade, porém, é que o Decreto-Lei nº 358/84, de 13 de Novembro, ao mesmo tempo que atribuiu aos serviços do Ministério do Trabalho e das Secretarias Regionais do Trabalho a competência para passar carteiras profissionais, retirando-a aos sindicatos, dispôs que elas continuariam a ser emitidas ao abrigo dos regulamentos das carteiras profissionais aprovados nos termos do Decreto nº 29.931, de 15 de Setembro de 1939 (cf. o nº 2 do artigo 8º), que manteve em vigor até serem revogados ou substituídos (cf. o nº 1 do mesmo artigo
8º). Ao que acresce que, se, acaso, a melhor interpretação deste artigo 8º não for a de ter mantido em vigor os ditos regulamentos, pelo menos o Regulamento que aqui está sub iudicio, bem ou mal, tem vindo a ser aplicado, como decorre dos termos do pedido formulado pelo Provedor de Justiça, onde se diz, entre o mais, que 'o Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Banca nos Casinos continua em vigor', 'razão pela qual [...] o respectivo sindicato continua a deter um conjunto de competências instrumentais à da passagem de carteiras profissionais'.
O Tribunal vai, por isso, conhecer do pedido em relação às seguintes normas, atrás transcritas, do mencionado Regulamento: a). Artigo 8.º, n.º 2 e 3; b). Artigo 9.º; c). Artigo 11º, nº 1; d). Artigo 14.º, al. b); e). Artigo 15.º, n.º 1; f). Artigo 17.º; g). Artigo 24.º, n.º 3 (por supor a emissão do título provisório pelo sindicato); h). Artigo 26.º, n.º 1; i). Artigo 32.º (enquanto se refere às segundas vias de títulos provisórios); j). Artigo 34.º (na parte respeitante aos títulos provisórios); l). Artigo 35.º, alíneas a), d) e e).
6. A questão de constitucionalidade
6.1. Antecedentes jurisprudenciais. Importa recordar as seguintes decisões do Tribunal: a). Acórdão n.º 46/84 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º vol., pág. 275):
– julga inconstitucionais as normas constantes do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29.931, de 15 de Setembro de 1939, que autoriza a passagem de carteiras profissionais pelos sindicatos, e do artigo 3.º do Regulamento da Carteira Profissional dos Ajudantes de Farmácia do Distrito de Lisboa, aprovado por Despacho de 28 de Novembro de 1940 (fiscalização concreta). b). Acórdão n.º 91/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., pág. 277):
– declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral e restringindo os efeitos da decisão, do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29 931, de 15 de Setembro de 1939, que comete aos sindicatos a competência para a passagem de carteiras profissionais. c). Acórdão n.º 272/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, pág.
189): – declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 9.º da Portaria n.º 367/72, de 3 de Julho, relativa à passagem pelos sindicatos respectivos da caderneta de registo da prática dos auxiliares de farmácia, e limita os seus efeitos, de forma que eles se produzam unicamente para o futuro, a partir da data da publicação do acórdão no Diário da República. d). Acórdão n.º 445/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 25º vol., pg. 335):
– declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 13.º, n.º 1, e 14.º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista, aprovado pelo artigo 1.º da Lei n.º 62/79, de 20 de Setembro, e dos artigos 3.º, 6.º, 8.º, n.º
1, 9.º, 10.º, n.ºs 1 e 7, 14.º, 15.º, n.º 2, 16.º, n.º 2, 17.º, n.º 3, 18.º,
19.º, n.º 1, 20.º, n.º 3, 22.º, n.º 1, 25.º, 26.º e 28.º do Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º
513/79, de 24 de Dezembro.
6.2. Esta linha jurisprudencial, que aqui se reafirma e para a qual se remete, conduz, naturalmente, à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas acabadas de identificar, por violação dos princípios da liberdade sindical e da independência dos sindicatos, consagrados nos artigos 55º, nºs 1, 2, alínea b), e 4, da Constituição.
Na parte que aqui importa, o artigo 55º da Constituição dispõe como segue: Artigo 55º (Liberdade sindical)
1. É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses.
2. No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente: b). A liberdade de inscrição, não podendo nenhum trabalhador ser obrigado a pagar quotizações para sindicato em que não esteja inscrito.
4. As associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer as garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras.
A liberdade sindical constitui um direito fundamental dos trabalhadores, que podem, com plena autonomia de decisão, inscrever-se ou não num sindicato existente e, bem assim, tomar a iniciativa de promover a criação de um novo sindicato. Tal liberdade apresenta-se, pois, com um lado positivo e com um lado ou perfil negativo, que se resolve na faculdade de se não associar – é dizer: no direito a não ser constrangido a associar-se. A liberdade sindical, além de garantir a cada trabalhador, uti singuli, o direito de ser ele próprio a decidir, com plena autonomia, sindicalizar-se ou não, implica também que sejam os sindicatos, com independência e autonomia (isto
é, sem quaisquer intromissões estranhas), a definir as categorias profissionais que abarcam, e a escolher o modelo da sua própria organização e, bem assim, o modo de defender os interesses dos seus associados. A liberdade sindical há-de, pois, poder ser desfrutada, livre de qualquer forma de pressão. De contrário, os sindicatos podem acabar por funcionar como estruturas de coerção (cf. sobre isto, o citado acórdão nº 46/84). E, então, a liberdade sindical negar-se-á a si própria.
Ora, semelhantemente ao que se afirmou no citado acórdão nº 445/93, a propósito de normas paralelas do Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista, o
'exercício das competências que o regime integrado pelas normas sob apreciação atribui à organização sindical' em causa 'é susceptível de poder transformar-se em instrumento de coerção da liberdade sindical dos trabalhadores, limitando ou retirando-lhes a possibilidade de uma livre escolha no plano da sua filiação sindical'. Acresce que a atribuição à organização sindical 'do exercício de verdadeiros poderes ou prerrogativas de autoridade manifestamente contrários e estranhos àqueles que são próprios dos sindicatos e se inscrevem no âmbito das suas específicas finalidades', atinge o princípio da independência e autonomia das associações sindicais. Na verdade, este seria o resultado de ter o sindicato que organizar o processo para a emissão de carteiras profissionais: os trabalhadores poderiam sentir-se constrangidos a sindicalizar-se; e o sindicato ver-se-ia forçado a desincumbir-se de tarefas impostas do exterior e estranhas à sua vocação de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores. III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
(a). não conhecer do pedido quanto às seguintes normas do Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Banca nos Casinos: as dos artigos 22º, conjugado com o artigo 21º; 25º, nº 2; 27º; 29º; 31º; 32º, enquanto se refere às segundas vias de carteiras profissionais; 34º, na parte respeitante a carteiras profissionais; 35º, alíneas b), c) e f); 36º; e 37º.
(b). declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral – por violação do artigo 55º, nºs 1, 2, alínea b), e 4, da Constituição - das seguintes normas do mesmo Regulamento: as dos artigos 8º, nºs 2 e 3; 9º; 11º, nº
1; 14º, alínea b); 15º, nº 1; 17º; 24º, nº 3, enquanto supõe a emissão de um título provisório pelo sindicato; 26º, nº 1; 32º, enquanto se refere às segundas vias de títulos provisórios; 34º, na parte respeitante aos títulos provisórios; e 35º, alíneas a), d) e e).
Lisboa, 29 de Março de 2000 Messias Bento Guilherme da Fonseca Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa