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Processo n.º 163/97
1ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. M... intentou no Tribunal do Trabalho de Braga acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra o Centro Regional de Segurança Social do Norte, pedindo que fosse declarado 'ilícito e de nenhum efeito' o despedimento operado, a condenação do Réu a reintegrá-la 'no mesmo cargo ou posto de trabalho e com a antiguidade que lhe pertencia' (ou, se por isso viesse a optar, a pagar-lhe as retribuições vencidas e uma indemnização de antiguidade), bem como a pagar-lhe a indemnização ou compensação prevista no artigo 46º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. A acção veio a ser, por sentença de 20 de Abril de 1995, julgada parcialmente procedente, assim declarando ilícito o despedimento e condenando o Réu 'a reintegrá-la no cargo de 3ª Oficial, com a antiguidade reportada a 13.12.89, e a pagar-lhe a quantia global de 2.305.570$00', no mais absolvendo o réu do pedido. Inconformado, apelou o Centro Regional de Segurança Social do Norte, mas, por acórdão de 4 de Dezembro de 1995, o Tribunal da Relação do Porto decidiu manter a sentença recorrida, desatendendo o recurso de apelação. Não se conformando com o assim decidido, interpôs o Centro Regional de Segurança Social do Norte recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em que 'o douto Acórdão, ao fazer a aplicação directa do dec. Lei
64-A/89 ao caso e ao considerar que o início do contrato se verificou em
13-12-89 e ainda ao decidir manter a relação de trabalho entre a recorrida e a alegante violou a lei e mais concretamente os artigos 14º nº 1, 20º nº 3 e 43º todos do decreto-lei 427/89 de 7 de Dezembro.' O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 19 de Fevereiro de 1997, concedeu provimento ao recurso, considerando para tal que 'não tem a autora direito a ver transformado o contrato de trabalho a termo que celebrara com o recorrente em contrato de trabalho sem termo, sendo, por virtude deste contrato integrada nos quadros do réu. Pelo contrário, não se renovando e nem sendo possível celebrar novo acordo laboral, o contrato extinguia-se'.
2. Deste acórdão foi interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso de constitucionalidade, sustentando a recorrente (artigo 11º do requerimento de interposição do recurso) que
'o douto acórdão em questão, ao considerar inaplicável ao contrato de trabalho celebrado em 13.12.89 o art. 14º, nº 3, conjugado com o art. 37º, nº 4, ambos do citado D.L. 427/89, e salvo o devido respeito, fez das disposições neles contidas uma interpretação inconstitucional, face ao que dispõe o art. 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP), mormente se se tiver em conta que o referido contrato se reveste essencialmente de natureza civil, dominado mais pelos princípios do direito civil ou privado do que pelos princípios do direito público.' Nas alegações que produziu neste Tribunal, M..., rematou-as do seguinte modo:
'1. O douto Acórdão recorrido fez das disposições contidas nos arts. 14º, nº 3, e 37º, nº 4, do DL 427/89, de 7/12, uma interpretação inconstitucional, face ao que dispõem os arts. 13º, 53º e 58º da Constituição da República Portuguesa;
2. Disposições estas cuja aplicação, implicitamente, foi recusada ou descurada pelo Supremo Tribunal de Justiça;
3. Violou, assim, o douto Acórdão recorrido, entre outras, as normas contidas naqueles arts. 13º, 53º e 58º da C.R.P.' Por seu turno, o Centro Regional de Segurança Social do Norte também alegou, considerando que 'nenhum dos referidos princípios constitucionais foi violado'. II. Fundamentos
3. O presente recurso de constitucionalidade tem por objecto a apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 14º, n.º 3, conjugado com o artigo 37º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado ou outros institutos públicos (no caso, o Centro Regional de Segurança Social do Norte) não se convertem em contratos de trabalho sem termo uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, não lhes sendo aplicáveis as disposições dos artigos 44º e 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. A recorrente sustenta que tal interpretação viola o princípio da igualdade e o direito à segurança no emprego e o direito ao trabalho, consagrados nos artigos
13º, n.º 1, 53º, e 58º, n.º 1, da Constituição da República. O recorrido, diversamente, considera que aquela interpretação não viola qualquer destas normas constitucionais. Ora, a constitucionalidade da norma do artigo 14º, n.º 3, do citado Decreto-Lei n.º 427/89, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho, foi recentemente apreciada pelo Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 683/99, tirado em Plenário no dia 21 de Dezembro de 1999
(publicado no Diário da República, II série, de 3 de Fevereiro de 2000), aí se concluindo que essa norma, com tal interpretação, é inconstitucional, por violação do artigo 47º, n.º 2, da Lei Fundamental. O Tribunal Constitucional concluiu nesse aresto que:
'não só a Constituição da República não impõe – nem pela garantia da segurança no emprego, nem por força do princípio da igualdade – a aplicação aos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado de um regime de conversão ope legis em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como tal conversão, e a correspondente forma de acesso à função pública se revelariam violadoras da regra da igualdade nesse acesso e do princípio do concurso, consagrados no artigo 47º, n.º 2, da Constituição'. O confronto da norma em causa com os direitos à segurança no emprego e com o princípio da igualdade foi efectuado no referido aresto, concluindo-se, não só pela inexistência de inconstitucionalidade por violação destes princípios (v. os pontos 7. e seguintes do Acórdão n.º 683/99), como, pelo contrário, pela inconstitucionalidade, por violação do artigo 47º, n.º 2, da Lei Fundamental, de uma interpretação das normas em causa que conduzisse à conversão em contratos de trabalho sem termo. Isto, como também se pode ler no citado Acórdão,
'sendo certo, igualmente, que, se a conversão em contratos de trabalho sem termo for proibida pela Lei Fundamental não pode, obviamente, ter-se por imposta (o que é proibido não pode, sem contradição lógico-deôntica, ser imposto)'.
4. A fundamentação e a citada conclusão do Acórdão n.º 683/99 são, aliás, inteiramente extensíveis aos contratos de trabalho celebrados, não directamente pelo Estado, mas por institutos públicos como é o caso do ora recorrido, sem que, além disso, tal fundamentação seja infirmada pela consideração do direito ao trabalho, consagrado no artigo 58º, n.º 1, da Constituição da República como direito económico (é, aliás, claro que este direito não funda uma pretensão originária directa à atribuição de um posto de trabalho, exercitável contra o Estado ou outros institutos públicos). Na verdade, os centros regionais de segurança social são hoje institutos públicos dotados de autonomia administrativa e financeira, nos termos do artigo
1º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 260/93, de 23 de Julho (que reorganizou os centros regionais de segurança social). Ao seu pessoal aplica-se, por outro lado, o regime jurídico da função pública (salvo para o que tenha optado, ao abrigo dos Decretos-Leis n.ºs 278/82 e 106/92, de 20 de Julho e 30 de Maio, respectivamente, pela legislação em vigor nas caixas de previdência), sendo o provimento dos lugares dos quadros de pessoal dos centros regionais feito de acordo com as normas em vigor na função pública (artigo 26º, n.ºs 1 e 2, do citado Decreto-Lei n.º 260/93). Assim, as considerações efectuadas por este Tribunal no referido Acórdão n.º
683/99, sobre a ratio e o alcance do princípio constitucional de igualdade no acesso à função pública contido no artigo 47º, n.º 2, da Lei Fundamental, afiguram-se directamente aplicáveis ao instituto público recorrido, sendo de considerar, para este efeito, que está em causa o acesso à 'função pública'. A esta conclusão não constitui, aliás, objecção a subsistência residual de regimes de trabalho diferenciados, para os casos em que os trabalhadores tenham optado pelo regime de trabalho das instituições de previdência, nos termos dos citados normativos. É que tal subsistência de uma dualidade de regimes afigura-se claramente excepcional, e mesmo esse último regime tem vindo a ser aproximado do regime jurídico da função pública (v. os preâmbulos dos citados Decretos-Leis n.ºs 278/82 e 106/92, de 20 de Julho e 30 de Maio). Ao que acresce, ainda, não só o facto de o regime actualmente vigente para os ditos institutos públicos ser apenas o da função pública como a circunstância de as razões que fundamentaram a análise, no Acórdão n.º 683/99, do alcance e sentido do referido princípio contido no artigo 47º, n.º 2, da Constituição, serem igualmente aplicáveis ao acesso de pessoal, não só a um posto de trabalho junto do Estado, mas também num instituto público como o Centro Regional de Segurança Social do Norte.
5. Pode, por conseguinte, aplicar-se no presente recurso a jurisprudência fixada, por maioria, no Acórdão n.º 683/99, considerando-se que a norma do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelos centros regionais de segurança social não se convertem em contratos de trabalho sem termo uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, não lhes sendo aplicáveis as disposições dos artigos 44º e 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, não é inconstitucional. III. Decisão Nestes termos, aplicando a doutrina do Acórdão n.º 683/99, o Tribunal Constitucional decide: a. Não julgar inconstitucional a norma do artigo 14º, n.º 3, conjugada com o artigo 37º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelos centros regionais de segurança social não se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo; b. Em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita. Lisboa, 4 de Abril de 2000 Paulo Mota Pinto Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida