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Proc. nº 436/97
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório.
1. A Sociedade de Construções P..., Lda, (ora recorrida), recorreu contenciosamente para o Supremo Tribunal Administrativo do despacho do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, que indeferiu o recurso hierárquico do despacho que homologara o parecer desfavorável a certo pedido de loteamento, referente a área incluída na Reserva Ecológica Nacional.
2. O Supremo Tribunal Administrativo, por decisão de 7 de Novembro de 1996, concedeu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido. Para o efeito, recusou aplicar as normas constantes do artigo 2º, nº 1, alínea e), e nº 2, alínea i), bem como a do artigo 3º, nº 1, enquanto reportado às referidas alíneas, todos do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Junho (Reserva Ecológica Nacional), com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 168º, nº1, alínea g) da Constituição da República Portuguesa (na versão de 1982).
3. É desta decisão que vem interposto pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso obrigatório de constitucionalidade.
4. Já neste Tribunal foi o Ministério Público notificado para apresentar alegações, o que fez, tendo formulado as seguintes conclusões:
'1º - As normas constantes do art. 2º, nº 1, al. e) e nº 2, al. i), bem como a do art. 3º, nº 1, enquanto reportado às referidas alíneas, são organicamente inconstitucionais, por violação da alínea g) do nº 1 do art. 168º da Constituição da República Portuguesa.
2º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de constitucionalidade orgânica constante da decisão recorrida.'
5. Igualmente notificada para alegar, o que também fez, a recorrida manifestou, em suma, inteira concordância com o decidido quanto à questão de constitucionalidade no acórdão sob recurso. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação.
6. É o seguinte o teor dos preceitos do Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de Julho
(que instituiu a Reserva Ecológica Nacional) cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida: Artigo 2º
(Constituição da Reserva Ecológica Nacional) A Reserva Ecológica Nacional (REN), que adiante se designará por Reserva Ecológica, é constituída por:
1 - Ecossistemas costeiros, designadamente:
(...) e) Estuários e rias, englobando uma faixa de 100 m para além da linha máxima de praia-mar de águas vivas;
(...)
2 – Ecossistemas interiores, designadamente:
(...) i) Uma faixa de 100 m para além das bermas das auto-estradas e vias rápidas e de
50 m para além das bermas das restantes estradas nacionais;
(...).
Artigo 3º
(Regime da Reserva Ecológica)
1 - Nos solos da Reserva Ecológica são proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas funções e potencialidades, nomeadamente vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações, destruição do coberto vegetal e vida animal.
2 – (...)
7. O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 368/92 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23º Vol., pág. 211), declarou já 'a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da alínea g) do nº1 do artigo 168º da Constituição, da norma constante da alínea c) do nº1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, bem como da norma ínsita no nº1 do artigo 3º do mesmo diploma, com referência à aludida alínea c) do nº1 do artigo 2º', decisão que fundamentou, em síntese, nos seguintes termos:
'...Por um lado, a circunstância de a regulação ínsita nas normas sub specie ter introduzido no ordenamento jurídico preexistente um princípio básico que ali se não consagrava (qual seja o de proibir a realização de obras, construções, aterros, escavações, destruição do coberto vegetal ou da vida animal nas arribas, incluindo uma faixa até 200m para o interior do território contados a partir do respectivo rebordo), desta sorte efectuando uma fundamental e verdadeira inovação; Por outro lado, que a matéria objecto das ditas normas faz parte de um sistema de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico; e Ainda por outro, que o diploma em que tais normas se encontram não foi emitido a coberto de autorização parlamentar'.
Posteriormente os Acórdãos nºs 515/93, 203/95 e 218/99 (ainda inéditos), julgaram inconstitucionais, por identidade de razão com o decidido no acórdão nº
368/92, as normas dos artigo 2º, nºs 1, alínea d), e 2, alínea a) (o primeiro);
2º, nº 1, alínea d) e 3º, nº 1 (o segundo) e 2º, nº 1, alínea b) e 3º, nº 1 (o terceiro).
É esta jurisprudência, cujas razões são inteiramente transponíveis para as normas que vêm recusadas nos presentes autos, em que continua a estar em causa o inovatório estabelecimento do quadro de princípios básicos fundamentais da regulamentação do sistema de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico, que mais uma vez há que reiterar.
III – Decisão.
Em face do exposto, decide-se julgar inconstitucionais as normas do artigo 2º, nº1, alínea e), e nº 2 alínea i), do Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de Julho e do artigo 3º, n.º1, do mesmo diploma, na parte em que se refere às aludidas alínea e) do n.º1 e i) do nº 2 do artigo 2º, por violação do artigo 168º, nº1, alínea g) da Constituição (na redacção dada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro) e, em consequência, negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Lisboa, 4 de Abril de 2000 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida