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Processo n.º 324/09
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorridos CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, B.
– C., D., S.A., E., S.A., F., S.A. e G., foi proferida a seguinte decisão
sumária, em 12 de Maio de 2009, nos termos da qual se decidiu não conhecer do
objecto do presente recurso.
2. Em 28 de Maio de 2009, o recorrido apresentou um requerimento, através do
qual se limitou a requerer o seguinte:
«1. No requerimento de interposição do recurso, de 16.3.2009, o recorrente
apresentou denúncia crime contra os autores dos despachos recorridos, e reiterou
denúncia crime já apresentada nos autos da Reclamação, contra a Relatora no
processo de que ela emerge.
2. Tal denúncia foi transmitida ao Ministério Público por efeito da decisão
proferida no mesmo despacho em que foi admitido o recurso, isto é, o despacho de
22.4.2009.
3. Por força do disposto no artigo 97° do CPC, também aplicável ao presente
recurso ex vi o disposto no artigo 69° da LTC, o Relator podia/devia sobrestar
na decisão sobre o recurso, ou decidir a questão crime que passou a ser objecto
de acção penal por efeito das supra referidas denúncias. Na verdade, dispõe-se
no nº 2 daquele artigo 97º, que, caso a suspensão da instância fique sem efeito,
o juiz da acção decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz
efeitos fora do processo em que foi proferida Sobre esta obrigação legal de
decidir a questão criminal prejudicial, escreveu o Prof. Alberto dos Reis:
suponhamos que o juiz não ordena a suspensão: não obstante a existência da
questão prejudicial de natureza criminal deixa seguir o processo. Isto significa
que se propõe decidir, ele próprio, a questão prejudicial (cf. Comentário ao
Código de Processo Civil, 1960, Vol. 1º, p.288). Sobre o poder/dever de
sobrestar na decisão, até que o tribunal competente se pronuncie, escreveu o
Prof. Antunes Varela: Quando, porém, a decisão a proferir na acção dependa da
resolução prévia de uma questão do foro criminal (questão prejudicial), o
tribunal da causa (civil) pode e deve, em princípio, fazê-lo, atento o interesse
que reveste a resolução da questão prejudicial pelo tribunal competente em razão
da matéria (cf. Manual de Processo Civil, 2 edição, pp 22 1/2).
4. Dispõe-se no artigo 78°-B, n° 1, da LTC, que compete ao Relator declarar a
suspensão da instância quando imposta por lei. Ora, na citada interpretação do
Prof. Antunes Varela, sobre a letra do artigo 97° do CPC, a suspensão da
instância até que se resolva uma questão prejudicial de natureza criminal é
imposta pela lei. Assim, o que o Recorrente esperava fosse decidido pelo Relator
no Tribunal Constitucional, era a suspensão da instância até que fossem
decididas as questões criminais prejudiciais resultantes das denúncias
apresentadas nos autos e que o despacho de 22.4.2009 ordenou fosse transmitida
ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 245° do Código
de Processo Penal (CPP).
5. As questões criminais ora em investigação no Ministério Público, são,
efectivamente, prejudiciais relativamente ao objecto do recurso de
constitucionalidade, e são, no processo cível, determinantes da
a) invalidade/inexistência jurídica/nulidade das decisões recorridas,
b) do próprio sentido das normas aplicadas nas decisões recorridas,
c) da inconstitucionalidade desse sentido.
6. Sumariando aqui, os factos integrantes das denúncias crimes apresentadas nos
autos, recorda-se:
a) As partes nos autos de recurso que subiu à Relação de Lisboa, em 29.9.2003,
de que emergem a Reclamação e o Recurso, são apenas, A. e COMISSÃO DO MERCADO DE
VALORES MOBILIÁRIOS;
b) Em 9.2.2006, um terceiro denominado H., S.A., sem sequer requerer a sua
admissão nos autos de recurso, “aparece” neles, a deduzir oposição às pretensões
do A.;
c) Tal conduta abusiva do dito Banco e do seu mandatário foi objecto de
impugnação do A.;
d) A impugnação do A. não foi objecto de decisão expressa;
e) O abuso consentido ao dito terceiro continuou a verificar-se;
f) A omissão de decisão sobre a impugnação do A. à ilícita intervenção do dito
terceiro, nos autos do recurso de agravo, foi objecto de arguição de nulidade
processual por omissão de acto imposto por lei — a pronúncia sobre os factos do
dito terceiro;
g) As decisões proferidas na Relação sobre questão que só se pôs nessa instância
— isto é, que não têm por objecto decisões da 1ª instância — não se encontram
abrangidas pelo disposto no artigo 754°, nºs 2 e 3, do CPC;
h) O recurso interposto de tais decisões, é, na jurisprudência e na doutrina,
designado de agravo novo por contraposição ao agravo continuado previsto no
artigo 756° do mesmo código;
i) Esta questão de direito processual é de fácil resolução: invocar o disposto
nos nºs 2 e 3 do artigo 754° do CPC, para impedir o acesso do Recorrente ao STJ,
constitui acto consciente contra direito para prejudicar o Recorrente e
beneficiar o terceiro que abusivamente “apareceu” nos autos, apenas na Relação,
e que tem gozado dos “favores” desta e dos Vice-Presidentes do Supremo Tribunal
de Justiça;
j) A invocação das normas dos nºs 2 e 3 do artigo 754° do CPC, manifestamente
inaplicáveis segundo a lei, a jurisprudência e a doutrina, no seu sentido
literal, são invocadas nas decisões recorridas em termos subsumíveis ao disposto
no artigo 369°, nºs 1 e 2, do Código Penal, e 204° da Constituição, como
critério decisório inovador.
7. A decisão sobre a alternativa prevista no artigo 97° do CPC, não pode deixar
de ser tomada antes de qualquer outra que tenha por objecto o requerimento de
interposição do recurso, e não pode, essa decisão, deixar de ser notificada ao
recorrente para os devidos efeitos legais. Assim, a omissão destes actos é
cominada de nulidade pelo disposto no artigo 201°, nº 1, do CPC, e determinante
de anulação dos termos subsequentes. Pelo que, o Recorrente REQUER ao Relator, o
suprimento dessa nulidade e a anulação dos termos subsequentes.
8. Cautelarmente, o Recorrente, ora Arguente de nulidade processual, sublinha,
com a devida vénia, que o presente requerimento não constitui reclamação contra
“decisão sumária”, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 78°-B da LTC, e argui
a inconstitucionalidade da norma que dele se possa extrair no sentido de que o
Relator pode “convolar” uma reclamação de nulidade processual deduzida ao abrigo
das competências legais do Relator, em reclamação para a conferência, por tal
norma infringir o disposto na Constituição e os princípios nela consignados,
designadamente nos seus artigos 1°, 2°, 20°, nºs 1 e 4, e 203°. Com efeito, essa
norma viola o princípio da autonomia privada que radica no respeito pela
dignidade da pessoa humana, e de que deriva o princípio do dispositivo vigente
em processo civil e no recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
das normas.» (fls. 115 a 117)
3. Consequentemente, foi proferido o Acórdão n.º 401/09, pela conferência, em 30
de Julho de 2009, que procedeu à convolação do requerimento em reclamação e,
apreciando-a, decidiu indeferi-la, por considerar que:
«6. Afirma então o reclamante que a decisão sumária padece de
nulidade, na medida em que o artigo 97º, n.º 1, do CPC, aplicável “ex vi” artigo
69º, da LTC, e o artigo 78º-B, n.º 1, da LTC, impediria que a Relatora
proferisse decisão sumária, sendo aquela obrigada a suspender a instância
recursiva “até que fossem decididas as questões criminais prejudiciais
resultantes das denúncias apresentadas nos autos e que o despacho de 22.4.2009
ordenou fosse transmitida ao Ministério Público, em conformidade com o disposto
no artigo 245° do Código de Processo Penal” (fls. 116).
Sucede, porém, que apenas cabe ao Relator “declarar a suspensão da
instância quando imposta por lei” (artigo 78º-B, n.º 1, da LTC, com sublinhado
nosso). Ora, é por demais evidente que o n.º 1 do artigo 97º, do CPC, aplicável
“ex vi” artigo 69º, da LTC, não impõe qualquer dever de suspensão da instância
em caso de questão prejudicial de natureza criminal. Pelo contrário, aquele
preceito legal limita-se a prever uma faculdade de suspensão da instância (“pode
o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie”, com
sublinhado nosso), não inibindo a Relatora de proferir decisão sobre a questão
de constitucionalidade.
Para além do mais, a questão criminal em causa – a saber, a alegada
denegação de justiça por parte do Juiz-Relator junto do Tribunal da Relação de
Lisboa (artigo 369º, n.º 2, do CP) – nem sequer é configurável como questão
prejudicial face aos presentes autos de recurso de constitucionalidade, na
medida em que não dizem respeito ao sentido normativo que constitui objecto do
presente recurso de constitucionalidade. Razão acrescida para que não houvesse –
nem haja – qualquer dever por parte da Relatora nos presentes autos de suspensão
da instância, sem que fosse proferida decisão sumária.
Como tal, nem sequer seria possível invocar a nulidade da decisão
sumária proferida, por pretensa violação do n.º 1 do artigo 201º, do CPC,
aplicável “ex vi” artigo 69º, da LTC, na medida em que, nem a lei processual
impõe à Relatora um dever de suspensão da instância, nem tão pouco é possível
afirmar que a mera denúncia por denegação de justiça, deduzida contra o
Juiz-Relator junto do Tribunal da Relação de Lisboa constitua uma verdadeira
questão prejudicial relativamente à questão de constitucionalidade apreciada nos
presentes autos. Não se verifica, assim, qualquer nulidade da decisão sumária
proferida nos autos.»
4. Persistindo em não se conformar com aquela decisão definitiva,
veio agora o recorrente, pela primeira vez, invocar a nulidade da decisão
sumária e, por arrastamento, do acórdão proferido, em sede de incidente de
reclamação.
Em suma, o recorrente afirma: i) por um lado, que apenas o recorrido
CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários é parte processual legítima
nos presentes autos de recurso, pelo que a admissão dos demais recorridos como
partes processuais nos autos, em alegada violação dos artigos 20º, n.º 4, da
CRP, e 18º, n.º 1, da CRP, “é cominada de invalidade pelo disposto no artigo 3º,
n.º 3, da Lei Fundamental, e, como tal, invocável a todo o tempo por qualquer
interessado” (fls. 169); ii) e, por outro lado, que a intervenção nos autos do
recorrido E., S.A. configura a continuação da prática do crime de falsificação
de documento, pelo que procede à denúncia do mesmo.
5. Notificado para o efeito, a recorrida CMVM – Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários veio responder, em 24 de Setembro de 2009, no sentido de que: i) por
um lado, mesmo a haver intervenção nos autos, de partes processuais sem
legitimidade, esta apenas geraria mera irregularidade, não resultando na
nulidade de qualquer acto processual praticado nos autos; ii) e, por outro lado,
o Tribunal Constitucional não dispõe de poderes para apreciar a denúncia da
prática do crime de falsificação de documento.
II – FUNDAMENTAÇÃO
6. Resulta da sequência processual relatada que o recorrente já teve – em tempo
oportuno – a possibilidade de impugnar a validade da decisão sumária,
entretanto, reclamada, podendo, nessa altura, ter invocado a alegada nulidade da
mesma por ter admitido a intervenção como recorridos de pessoas jurídicas que o
recorrente considera agora não serem partes legítimas nos presentes autos.
Independentemente de um ulterior conhecimento do teor do requerimento ora
apresentado – que só terá lugar após pagamento das custas legalmente devidas –,
é manifesto que o presente requerimento mais não visa do que obstar ao
cumprimento da decisão, entretanto, proferida e, consequentemente, à remessa dos
autos ao tribunal a quo.
Mas, sendo assim, impõe-se que, ao abrigo do disposto no artigo 84º, n.º 8, da
Lei do Tribunal Constitucional, conjugado com o disposto no artigo 720º do
Código de Processo Civil, estes novos incidentes sejam processados em separado,
sendo o processo contado e, de imediato, remetido ao tribunal recorrido, para,
nos termos do n.º 2 deste último artigo, aí prosseguir os seus termos. Além
disso, de acordo com o disposto no n.º 8 do artigo 84º da LTC, só se proferirá
decisão no traslado depois de pagas as custas em que o requerente já foi
condenado neste processo no Tribunal Constitucional, pelo que os autos e seus
eventuais apensos só serão conclusos depois da verificação de tal facto.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto n.º 8 do artigo 84º da Lei do Tribunal
Constitucional, decide-se ordenar que:
a) Seja extraído traslado de fls. 13 a 15, 36, 56 a 58, 73, 74, 82 a 88 e
100 a 184 do presente processo, bem como das capas dos autos a correr termos no
Supremo Tribunal de Justiça, relativos ao Proc. n.º 3863/08-2 e ao Proc. n.º
8321/03-8(B) e do presente acórdão;
b) Após contados os autos e extraído o traslado, se remetam os mesmos, de
imediato, ao tribunal recorrido, para prosseguirem os seus termos, conforme
estatuído no n.º 2 do artigo 720º do Código de Processo Civil;
c) Uma vez pagas as custas, se abra conclusão, a fim de, então, se decidir
o agora requerido quanto à pretendida nulidade do Acórdão n.º 401/2009.
Lisboa, 11 de Novembro de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Rui Manuel Moura Ramos