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Processo nº 273/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em
que é recorrente o Ministério Público e recorrida a Fazenda Pública, foi
interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº
1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 30 de Dezembro de 2008.
2. É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:
«Notificado da conta de custas, veio o Exm.° Representante da Fazenda Pública
contra ela reclamar com fundamento na respectiva desproporcionalidade
relativamente ao serviço público concretamente prestado no caso em apreciação,
tendo por referência o custo médio de vida em Portugal. Entende, por isso, que a
taxa de justiça aplicada viola princípios constitucionais como o da
proporcionalidade (proibição do excesso) e o do acesso ao direito e tutela
jurídica efectiva, consagrados nos Art. 18.°, n.° 2, 266.°, n.° 2 e 20.° da
Constituição da República Portuguesa.
Os autos foram com vista ao Exm.° Procurador da República que, no seu douto
parecer de fls. 126, promoveu o deferimento da reclamação contra a conta de
custas.
Ora, se por um lado a conta de custas está elaborada nos termos legalmente
previstos, por outro, afigura-se manifesta a desproporcionalidade entre o
serviço público prestado e a taxa aplicada que, nos termos da douta
jurisprudência do Tribunal Constitucional citada pelo reclamante, determina a
inconstitucionalidade dos Art. 13°, n.° 1 e 18.°, n.° 2 do Código das Custas
Judiciais.
Em boa verdade, não podemos olvidar que os presentes autos tiveram uma
tramitação normal, limitada aos actos legalmente previstos, sem incidentes ou
recursos de qualquer natureza, não tendo havido, sequer, produção de prova
testemunhal ou pericial.
Conclui-se, portanto, como o reclamante e o Exm.° Procurador da República, que
existe uma desproporção intolerável entre o serviço público prestado e a taxa de
justiça exigida.
Deste modo, defiro a presente reclamação e fixo a taxa de justiça em 20 UC’s, de
acordo com a Tabela 1-A do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL
n.° 34/2008, de 26/02».
3. Notificado para indicar, com precisão, a norma cuja aplicação foi recusada
com fundamento em inconstitucionalidade, o Ministério Público veio dizer o
seguinte:
«1º
Por despacho de 30-01-2008 (fls. 129), foi deferida a reclamação da Fazenda
Pública – constante de fls. 111 a fls. 123 – na qual se arguiu a
inconstitucionalidade material da norma do artigo 13º, nº1 – e a tabela de taxa
de justiça (Anexo I) – por violação dos princípios constitucionais da
proporcionalidade e do acesso aos tribunais (fls. 111 e fls. 113) quando
interpretada no sentido de “que tal formulação normativa não permite ao tribunal
limitar o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta,
designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter
manifestamente desproporcionado do montante em questão”.
2º
Assim, o tribunal a quo – desaplicando (implicitamente) a norma arguida de
inconstitucionalidade, - concordando com o reclamante e o Ministério Público –
deferiu a reclamação e fixou a taxa de justiça em 20 UCs de acordo com a tabela
1-A do Regime de Custas.
3º
Para fundamentar a decisão de aplicação diz-se, para além do mais o seguinte:
“…afigura-se manifesta a desproporcionalidade entre o serviço prestado e a taxa
aplicada que, nos termos da douta jurisprudência do Tribunal constitucional
citada pelo reclamante, determina a inconstitucionalidade dos artigos 13º, nº 1
e 18º, nº 2 do Código das Custas Judiciais”.
4º
Assim, a norma em causa – objecto de desaplicação – é a norma que resulta dos
artigos 13º, nº 1, e tabela anexa, e 18º, nº 2, do Código das Custas Judiciais
(cfr. decisão de fls 129 e 130), e tal como identificadas no requerimento de
interposição de recurso obrigatório (cfr. fls 133) e na dimensão referida no
artigo 1º deste requerimento.
5º
Sempre se dirá que a norma em causa foi já objecto de apreciação por este
Tribunal, tendo este concluído, no Acórdão nº 116/08, de 20 de Fevereiro de
2008, o seguinte:
“Julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais,
consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da
proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da
mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa,
15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na
versão de 1996 (…)”».
4. Notificado para alegar, o Ministério Público concluiu o seguinte:
«1. É inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais,
consagrado no artigo 20º da Constituição, conjugado com o princípio da
proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, nº 2, segunda parte, da
mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13º, nº 1, e tabela I,
anexa, e 18º, nº 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na
interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em Acção de
Impugnação Judicial, cujo valor exceda 250.000 Euros, é definido em função do
valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em
que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido
no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do
processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão.
2. Termos em que deve improceder o presente recurso, mantendo-se a decisão
impugnada».
5. Notificada, a recorrida contra-alegou, concluindo pela inconstitucionalidade
material dos artigos 13º, nº 1 – tabela anexa I – e 18º, nº 2, do Código das
Custas Judiciais na redacção do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro.
6. Por despacho da relatora, o recorrente e a recorrida foram notificados, em
cumprimento do disposto no artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil,
aplicável por força do artigo 69º da LTC, para, querendo, se pronunciarem sobre
a possibilidade de vir a ser proferida decisão de não conhecimento do objecto do
recurso:
«É configurável que o Tribunal venha a entender que o acórdão recorrido não
recusou a aplicação da norma cuja apreciação foi requerida, o que obsta a que se
possa dar como verificado um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da
alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional (LTC).
Resulta dos presentes autos que foi recusada a aplicação de norma extraída de
disposições legais constantes do Código das Custas Judiciais, na redacção dada
pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro. Isto é, a decisão recorrida não
recusou a aplicação de norma reportada a disposições legais constantes daquele
Código, na redacção do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro».
O Ministério Público e a Fazenda Pública não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º
da LTC, segunda a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões
dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em
inconstitucionalidade.
O recorrente requer a apreciação da norma que resulta dos artigos 13º, nº 1, e
tabela anexa, e 18º, nº 2, do Código das Custas Judiciais na versão de 1996,
quando interpretada no sentido de que tal formulação normativa não permite ao
tribunal limitar o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em
conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter
manifestamente desproporcionado do montante em questão.
É o que decorre dos artigos 1º, 4º e 5º da resposta ao convite formulado ao
abrigo do nº 6 do artigo 75º-A da LTC (cf. supra ponto 3. do Relatório), peça
processual em que ficou definido o objecto do recurso. Bem como das alegações
produzidas pelo recorrente (cf. fl. 147 e ss. e supra ponto 4. do Relatório), na
medida em que estas incidem expressamente “sobre norma que resulta dos artigos
13º, nº 1 – e Tabela de Taxa de Justiça (anexo I) – e 18º, nº 2, do Código das
Custas Judiciais (na redacção do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro)”.
Dos presentes autos resulta, contudo, que a norma indicada pelo recorrente não
coincide com a norma desaplicada pela decisão recorrida, não se podendo dar como
verificado o requisito da recusa de aplicação pelo tribunal recorrido, como
ratio decidendi, da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal
aprecie. E tal obsta ao conhecimento do objecto do recurso, uma vez que a
decisão de constitucionalidade, em sede de fiscalização concreta, tem uma
“função instrumental”, ou seja, a decisão da questão de constitucionalidade tem
de “influir utilmente na decisão da questão de fundo” (Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 169/92, Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de
1992).
Nos presentes autos, a norma cuja aplicação foi recusada, com fundamento em
violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (proibição do
excesso) e do acesso ao direito e tutela jurídica efectiva, consagrados nos
artigos 18º, nº 2, 266º, nº 2, e 20º da Constituição da República Portuguesa,
resulta dos artigos 13º, nº 1, e 18º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, na
redacção dada pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro. Não na redacção
dada pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro.
Esta conclusão impõe-se considerando que o processo que deu origem aos presentes
autos foi instaurado após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 324/2003 (cf.
artigo 16º deste diploma e fl. 2 e ss.); face à conta de custas em causa (fl.
94), da qual consta a “Redução” fundada no artigo 73º-E do Código das Custas
Judiciais, disposição legal que foi aditada por aquele Decreto-Lei; e por
referência à reclamação da conta de custas, onde se lê, entre o mais, que o
valor em questão “decorreu da aplicação da tabela de taxa de justiça (anexo 1)
por força do artigo 13º, conjugado com o artigo 73º-E, todos da actual redacção
do Código das Custas Judiciais” (fl. 114).
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Outubro de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos