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Procº n.º 393/99 ACÓRDÃO Nº213/2000
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I - RELATÓRIO
1. – J... e L... foram acusados e julgados pelo tribunal colectivo do Tribunal Judicial de Espinho pela prática em co-autoria material de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164º, n.º1 e de um crime de sequestro previsto e punido pelo artigo 158º, n.º1, ambos do Código Penal, e o J... pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguês, previsto e punido pelo artigo 292º e artigo 69º, n.º1, alínea a) do Código Penal, com referência ao artigo 149º do Código da Estrada.
Por acórdão de 13 de Maio de 1998, os arguidos foram condenados:
J... como autor de um crime de sequestro, na pena de 7 meses de prisão; como autor de um crime de violação, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão; como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguês, na pena de 2 meses de prisão; e, em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 4 anos e 7 meses de prisão e, ainda na pena acessória de inibição da faculdade de conduzir veículos motorizados por 5 meses.
L... como autor de um crime de sequestro, na pena de 5 meses de prisão; como autor de um crime de violação, na pena de 4 anos de prisão; e, em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 4 anos e 1 mês de prisão; e ainda na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses.
Inconformados com o assim decidido, ambos os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, por acórdão de 14 de Abril de 1999, decidiu conceder provimento parcial ao recurso, condenando os arguidos J... e L... como autores de um crime de violação previsto e punido pelo artigo 164º, n.º1, do Código Penal, nas penas, respectivamente, de
4 anos e 3 anos e seis meses de prisão e absolvendo-os da restante acusação.
Os arguidos, notificados deste acórdão, vieram então interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) do n.º1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo que se aprecie a constitucionalidade do artigo 374º, n.º2, do Código de Processo Penal (CPP), quando conjugada com as alíneas a), b) e c) do artigo 410º do CPP, por violação do n.º1 do artigo 32º, da Constituição.
2. - Neste Tribunal, foram produzidas as pertinentes alegações, tendo os recorrentes formulado as seguintes conclusões: A. 'A norma do nº 2 do artigo 374º do CPP de 1987 é inconstitucional, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº
1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com as normas das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do artigo 32º, também da Constituição. B. A Lei nº 59/98 de 25 de Agosto aditou ao referido nº 2 do artigo 374º a exigência do exame crítico das provas, não bastando agora somente a indicação das provas, mas também o exame crítico dessas provas. C. Na fundamentação da sentença é agora obrigatória a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do exame crítico destas. D. Quando foi proferido o Acórdão do STJ a nova redacção do nº 2 do artigo
374º do CPP já estava em vigor. E. Quando foi proferido o Acórdão na 1ª instância, também já era obrigatório na sentença o exame crítico das provas com base no dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no artigo 205º da Constituição. F. Os factos constantes dos números 14, 15 e 16 dos factos provados no Acórdão não estão fundamentados, ou seja, há a indicação das provas no Acórdão, mas não foi feito o exame crítico destas. G. A convicção dos julgadores deve ter a precedê-la a indicação e o exame crítico das provas, os quais, conjugados com as regras da experiência comum ou de critérios lógicos levem a concluir a convicção do tribunal no sentido do crime de violação. H. Há, no caso dos factos constantes do Acórdão para integrarem o crime de violação, uma manifesta falta de fundamentação ou motivação a qual impede ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso, conforme impõe inequivocamente o artigo 410º, nº 2 do CPP. I. Não se sabe quais foram os outros elementos, para além do exame no corpo da ofendida, que tenham o tribunal levado a concluir pelo crime de violação, pois ninguém viu qualquer acto de violação dos referidos nos números
14, 15 e 16 dos factos provados no Acórdão, sendo certo que os arguidos sempre negaram ter violado a ofendida. J. Há uma falta de fundamentação ou de motivação do Acórdão. K. Foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 205º, nº 1 e 32º, nº
1 da Constituição da República Portuguesa.'
Também o Ministério Público alegou, tendo suscitado a questão prévia do não conhecimento do recurso, por entender que a decisão recorrida não aplicou a norma do artigo 374º do CPP, uma vez que os arguidos não levantaram a questão da nulidade da decisão proferida sobre matéria de facto pelo Tribunal de Espinho.
Notificados desta questão, os recorrentes não responderam.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTOS
3. - Cumpre apreciar, antes de mais, a questão prévia do não conhecimento do recurso, que vem suscitada pelo Ministério público.
A questão prévia tem de proceder.
Com efeito, na motivação do recurso que os arguidos interpuseram para o STJ, em parte alguma, os recorrentes suscitam a nulidade da decisão da primeira instância quanto à matéria de facto que veio a ser considerada provada e, muito menos a respectiva fundamentação, na parte relativa
à convicção do tribunal.
Aliás, nas conclusões que os recorrentes apresentaram com a motivação do recurso para o STJ, apenas se indicam, como violadas, as seguintes normas: artigos 127º, 158º e 164º, do Código Penal e o artigo 356º, n.ºs 2 e 5, do CPP. É, assim, claro que os recorrentes não consideraram como relevante qualquer violação do artigo 374º do CPP, a que nem sequer se referem na motivação do mencionado recurso.
Não tendo sido suscitada pelos recorrentes, como se referiu, a nulidade da decisão da primeira instância sobre matéria de facto, o poder de cognição do STJ ficou limitado ao reexame da matéria de direito.
De facto, a única nulidade do acórdão do colectivo que os recorrentes suscitaram reporta-se á autorização de leitura, na audiência, das declarações da ofendida (artigo 365º, n.º5, do CPP). Das restantes questões suscitadas pelos recorrentes quanto aos factos, o STJ não conheceu das mesmas por elas não envolverem qualquer dos vícios do artigo 410º, n.º2 do CPP.
Daí, que se possa concluir que a decisão recorrida não aplicou a norma do artigo 374º, n.º2 do CPP, como refere o Ministério Público, pelo que falta um dos pressupostos ou requisitos de conhecimento do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, o recurso vem interposto ao abrigo da alínea g), do n.º1, do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, ou seja, de uma decisão que aplique norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional.
E, na verdade, este Tribunal julgou inconstitucional a norma do artigo 374º, n.º2 do CPP de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, no Acórdão n.º 680/98 (in 'Diário da República', IIª Série, de 5 de Março de 1999).
Só que, como se referiu, a decisão recorrida não aplicou a norma questionada o que implica o deferimento da questão prévia suscitada pelo Ministério Público e a que os recorrentes não responderam.
III - DECISÃO:
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do presente recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 8 UC's para cada recorrente.
Lisboa, 5 de Abril de 2000 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa