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Processo n.º 639/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. interpôs reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro (LTC), do despacho de 29 de Junho de 2009 do relator do
processo no Tribunal da Relação de Guimarães que não admitiu um recurso de
constitucionalidade que interpôs ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da mesma Lei.
O despacho recorrido é do seguinte teor:
?- Requerimento de fls. 84 (recurso de constitucionalidade):
Por decisão sumária, datada de 1 de Junho de 2009, o recurso interposto pelo
arguido foi rejeitado por inadmissibilidade legal.
A referida decisão, proferida ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 6 do
artigo 417º do Código de Processo Penal, foi notificada ao recorrente por via
postal registada datada de 2 de Junho de 2009.
Em 15 de Junho do mesmo ano o arguido interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional daquela decisão.
Nos termos do n.º 8 do citado artigo 417º, cabe reclamação para a conferência
dos despachos proferidos pelo relator nos termos do n.ºs 6 e 7. Ora, a
admissibilidade do recurso interposto de decisão que aplique norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo depende do prévio
esgotamento dos meios ordinários de recurso quanto à decisão recorrida. Por
outras palavras, só se pode recorrer das decisões que já constituam decisão
definitiva na ordem jurisdicional de onde provêm. Na verdade, nos termos do n.º
2 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal
Constitucional), os recursos previstos na alíneas b), isto é, de ?decisões ?que
apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo?,
?apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei não o
prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os
destinados a uniformização de jurisprudência.?
E, o n.º 3 do mesmo preceito estatui que ?são equiparados a recursos ordinários
as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não
admissão ou retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos
juízes relatores para a conferência.?
Assim, uma vez que à data da interposição do recurso a decisão sumária em causa
admitia reclamação para a conferência e ainda não decorrera o prazo para o
efeito, dela não é admissível recurso directo para o Tribunal Constitucional.
Por conseguinte, por a decisão o não admitir, o requerimento de recurso deverá
ser indeferido de acordo com o n.º 2 do artigo 76º da Lei n.º 28/82 e nos moldes
constantes do n.º 3 do artigo 687º, do Código de Processo Civil, este último ex
vi do artigo 69º daquela Lei.
Em face do exposto, decide-se indeferir por inadmissibilidade, o requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade.
2. O recorrente funda a reclamação no seguinte:
?(?)
14º O nº 8 do artigo 417 do C.P.P que prevê a reclamação para a conferência dos
despachos proferidos pelo relator nos termos dos números 6 e 7 do mesmo artigo,
constitui disposição inovadora criada pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto.
15º Na anterior redacção do mesmo dispositivo legal, referia-se que o relator,
depois de haver procedido a exame preliminar, elabora em 15 dias projecto de
acórdão sempre que aquele exame tiver suscitado questão que deva e possa ser
decidida em conferência.
16º A reclamação para a conferência era, assim, da iniciativa do relator do
processo, não estando assim o arguido obrigado, caso quisesse interpor recurso
da sua decisão, obrigado a reclamar previamente para a conferência.
17º Ora, tendo o nº 8º do artigo 417 do C.P.P sido introduzido em 29 de Agosto
de 2007, não podia aplicar-se ao presente processo, dado que este foi instaurado
e tramita com data anterior, pelo que aquele dispositivo legal não pode ser
aplicado retroactivamente, por essa aplicação retroactiva ser inconstitucional
por violação dos direitos e garantias individuais.
18º Por outro lado, a apreciação da extinção do procedimento criminal por
prescrição é de conhecimento oficioso, pelo que o Tribunal sempre dela deveria
tomar conhecimento, o que não fez.
19º E não se diga que depois proferida a decisão final, o Tribunal não pode
pronunciar-se sobre requerimento apresentado, nomeadamente sobre a extinção do
procedimento criminal (como refere o despacho de 1 de Junho de 2009). O que ele
não pode pronunciar-se é sobre requerimento apresentado após o trânsito em
julgado da decisão final.
20º E, não se vê também que o artigo 73º do Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro,
impeça, que em processo de contra ordenação, o recurso das decisões proferidas
depois da sentença como, expressamente refere o despacho proferido em 1 de Junho
de 2009.
(?).?
O Ministério Público responde nos termos seguintes:
?1. No Tribunal da Relação de Guimarães foi proferida decisão sumária rejeitando,
por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo reclamante de decisão da lª.
Instância que, na sequência de pedido feito por aquele, entendeu que não se
verificava a prescrição do procedimento criminal.
Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, o mesmo não foi admitido
porque daquela decisão cabia reclamação para a conferência.
Desta decisão foi deduzida reclamação para este Tribunal, nela afirmando o
reclamante que era duvidoso que tivesse de reclamar para a conferência e que,
tendo-se o processo iniciado antes da entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29
de Agosto, era a redacção anterior às alterações introduzidas no artigo 417º do
CPP, por aquela Lei, que seria a aplicável.
2. A primeira questão que temos de tratar é a de saber qual a versão aplicável
do artigo 4 17.º do CPP, se a anterior, se a posterior à Lei nº 48/2007.
O que está exclusivamente em causa neste processo é a eventual prescrição do
procedimento criminal, uma vez que, quanto ao fundo, a questão está resolvida.
Este incidente foi despoletado pelo requerente em 19 de Novembro de 2008, após
ter sido proferida uma Decisão Sumária neste Tribunal Constitucional.
Portanto, a tramitação daquele incidente processou-se, desde o início, estando
já a em vigor a nova versão do artigo 417º do CPP, pelo que é esta a aplicável.
Mas, mesmo que se entendesse que o relevante era a tramitação do processo quanto
a fundo da questão, a conclusão seria a mesma.
Na verdade, apesar do processo se ter iniciado antes, a decisão da 1ª instância
foi proferida em 23 de Novembro de 2007, ou seja, depois da entrada em vigor da
Lei nº 48/2007.
Ora, estando em causa a admissibilidade de um recurso pela Relação e partindo do
princípio que se aplica, no caso, a interpretação acolhida no Acórdão
Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2009, segundo a qual, em sede de aplicação
da lei no tempo em matéria de recursos o momento relevante é a data da decisão
de 1ª instância, seria já também a nova versão, a aplicável.
De registar ainda que aquela interpretação normativa foi julgada conforme à
Constituição, pelo Tribunal Constitucional (Acórdão nº 263/2009).
3. Aplicando, pois, a redacção actual do artigo 417.º do CPP não há dúvidas que
da Decisão Sumária do relator cabia reclamação para a Conferência, nos termos do
nº 8 daquele preceito.
É evidente que, assim sendo, também não faz sentido dizer, como pretende o
reclamante, que a Relação se devia pronunciar sobre as causas extintivas do
procedimento, porque tudo isso seria matéria a tratar pela conferência se
tivesse havido reclamação.
Ora, como as reclamações para a conferência são equiparadas a recurso para
efeito de se considerar esgotados os recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 3, da
LTC), não se verificando tal requisito, deve indeferir-se a reclamação.?
3. A única questão pertinente é, como salienta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto,
a de saber, para efeitos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º da LTC, se a
decisão recorrida estava sujeita a reclamação para a conferência. Não é matéria
da competência do Tribunal Constitucional e, em qualquer caso, é questão
estranha ao objecto do meio processual previsto nos artigos 76.º e 77.º da LTC,
cuja finalidade é decidir se o recurso de constitucionalidade deveria ou não ter
sido admitido (ou subir imediatamente), saber se a prescrição do procedimento
sempre deveria ter sido conhecida.
No despacho reclamado entendeu-se que cabia reclamação por disposição expressa
do n.º 8 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007,
de 29 de Agosto. O recorrente argumenta que ?esse dispositivo legal não pode ser
aplicado retroactivamente, por essa aplicação retroactiva ser inconstitucional
por violação dos direitos e garantias individuais?.
Sucede que nem sequer importa apreciar esta argumentação.
Efectivamente, qualquer que fosse o regime processual aplicável à tramitação do
recurso, sempre a decisão do relator estaria sujeita a reclamação para a
conferência, só o acórdão que viesse a ser proferido constituindo decisão
susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Efectivamente, no regime dos recursos em processo penal anterior à Lei n.º 48/2007,
a exigência de reclamação dos despachos do relator para obter uma decisão
recorrível resultava da aplicação do n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo
Civil, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal. Efectivamente, os
tribunais superiores são, por índole, tribunais colectivos. Por isso, quando o
relator profere um despacho que a parte considera ilegal, tem de provocar
acórdão da formação colegial. Só o acórdão que tenha recaído sobre a reclamação
constitui decisão final do poder jurisdicional a esse nível da hierarquia dos
tribunais judiciais susceptível de impugnação perante o Tribunal Constitucional.
Consequentemente, supondo que fosse aplicável a redacção do artigo 417.º do
Código de Processo Penal anterior à Lei n.º 48/2007 como o reclamante pretende,
perante o despacho do relator a rejeitar o recurso, em vez de submeter o
processo à conferência, teria o interessado de reclamar de tal despacho
hipoteticamente ilegal que, em seu entender, o prejudicava.
Deste modo, em qualquer das alternativas configuráveis ? (i) não ser sequer
susceptível de discussão a questão do regime processual aplicável, por ser
questão da conformação da causa por aplicação do direito ordinário que não
compete ao Tribunal Constitucional apreciar; (ii) ser aplicável, como foi, o
regime processual actual, pelas razões desenvolvidas pelo Ministério Público; (iii)
ser aplicável o regime da lei antiga ?, tem de considerar-se que não foram
esgotados os meios ordinários que no caso cabiam, pelo que a reclamação
improcede.
4. Decisão
Pelo exposto decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas,
com 20 UC de taxa de justiça.
Lx. 29/9/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão