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Processo n.º 434/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificada do acórdão n.º 406/2009 que confirmou a decisão sumária de não
conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, a recorrente A., S.A.
veio ?ao abrigo do disposto no artigo 669.º, n.º 1, alínea a) do CPC, solicitar
o seguinte esclarecimento?:
?1. Por se entender, uma vez mais, que as normas invocadas pela Recorrente (maxime,
os artigos 31º do RTA e o artº 29º da Lei n.º 31/86) não integram a ratio
decidendi da Decisão Recorrida foi decidido indeferir a Reclamação da Recorrente;
2. Em particular, no que se refere à alegada aplicação do disposto no art.º 29º
da Lei n.º 31/86 considerou-se que o n.º 1 deste preceito ?...não foi aplicado
para resolver o problema da recorribilidade.? porquanto ?A não admissão de
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não resultou do dispositivo deste
preceito, de qualquer interpretação que se desse à expressão ?da decisão
arbitral cabem para o Tribunal da Relação aos mesmos recursos que caberiam da
sentença proferida pelo tribunal de comarca mas do entendimento de que a
expressão ?cabendo sempre recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa?
significa que os outorgantes quiseram renunciar ao recurso para o Supremo.?
3. Concluiu-se, pois, neste particular que ?... embora seja possível sustentar
que a decisão de que uma dada situação não cabe na hipótese de determinada norma
ainda pode constituir uma forma de aplicar essa norma, mantém-se que não houve
aplicação de qualquer das referidas normas porque o que se decidiu é indiferente
ao sentido que possa ter-se atribuído ao que aí se prescreve?;
4. Ora, é manifesta a obscuridade da Decisão Recorrida na parte supra transcrita;
5. De facto, não se alcança como pode a Decisão Recorrida decidir como decidiu ?
indeferindo a reclamação da Recorrente com fundamento no facto de que as normas
invocadas pela Recorrente não integram a ratio decidendi da Decisão Recorrida ?
quando se considera, simultaneamente, que é possível sustentar que ao decidir-se
que uma dada situação não cabe na hipótese de determinada norma ainda pode
constituir uma forma de aplicar essa norma alegando, para o efeito, que o que se
decidiu ?é indiferente ao sentido que possa ter-se atribuído ao que aí se
prescreve?....
6. É que ? como bem apontou, aliás, o Conselheiro Urbano Dias no seu voto de
vencido ?, o que as partes acordaram na Cláusula Compromissória é, nada mais
nada menos, igual ao que se prescreve no invocado art.º 29º/1 da Lei nº 31/86
pelo que a Decisão Recorrida não só não podia ser-lhe indiferente como, de facto,
o não é;
7. Acresce que, por outro lado, as cláusulas compromissórias não integram o
objecto do thema decidendum;
8. O que se pediu ao Tribunal Constitucional foi a apreciação da
constitucionalidade de uma norma quando interpretada no sentido de vedar o
acesso à via judicial.
Senão vejamos:
A)A via arbitral acha-se prevenida na nossa Lei Fundamental (art.º 209º/2 da CRP)
e bastaria tal previsão para que se não mostre irrelevante a verificação, ou
melhor, a susceptibilidade de controlo da sua adequação aos princípios
informadores do nosso ordenamento fundamental.
As cláusulas compromissórias, ao fim e ao cabo, mais não são do que emanações de
normas constitucionais e legais habilitantes da sua e para a sua produção.
B) A via arbitral, por outro lado, esgotou-se no momento em que foi interposto
recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Daí que, a interpretação da vontade das partes, ao comprometerem-se a recorrer
para o Tribunal da Relação nunca poderia envolver a renúncia a uma decisão
judicial, por via de Recurso.
C) Bastará interpretar e aplicar o art.º 681º/1, 2ª parte, do CPC, para se
concluir pela irrelevância dessa necessidade de interpretar a vontade das partes,
uma vez que inexiste qualquer declaração hábil para atingir tal renúncia;
D) Sendo assim, é inequívoco que foi vedado à ora Reclamante o acesso a uma via
de recurso o que expressamente se reconhece na Decisão Reclamanda quando se diz:
?...É certo que elas foram invocadas no despacho do relator que veio a ser
confirmado pelo acórdão recorrido...?. Apesar de se dizer que tal invocação se
dirigia à integração da vontade das partes e não para resolver qualquer questão,
o certo é que tal interpretação e aplicação emerge de um prius inconstitucional
que resulta da recusa da via de recurso sob os auspícios da interpretação de uma
norma do CPC que foi aplicada em termos colidentes com o art.º 20º da CRP.
E) Daí a omissão de pronúncia em que o Acórdão incorreu;
F) Razão pela qual e, em suma, se requer aos Exmos. Senhores Conselheiros uma
reapreciação da sua Deliberação, seguramente douta, mas que, face ao extremo
relevo da matéria sub judicio, justifica este esforço e este sereno reexame do
Acórdão.
Termos em que se requer:
A) seja esclarecida a referida obscuridade, resultante do último parágrafo do
ponto 3 do Acórdão Recorrido;
B) seja apreciada e declarada a invocada nulidade do Acórdão em apreço, por
omissão de pronúncia.?
O recorrido respondeu no sentido do indeferimento do pedido, por considerar o
acórdão em crise perfeitamente claro e fundamentado.
2. As partes podem pedir o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade
que o acórdão contenha (cfr. artigos 669.º, n.º 1, alínea a) e 716.º do CPC e
artigo 69.º da LTC). O pedido de esclarecimento serve para eliminar
perplexidades ou dúvidas de interpretação justificadas, de um destinatário
normal, colocado na posição do real destinatário da decisão; não é meio para
insistir na tese rejeitada pela decisão aclaranda.
Ora, o acórdão recorrido é perfeitamente claro.
A passagem a propósito da qual afirma dúvidas de interpretação insere-se no
seguinte contexto:
?3. Como claramente resulta do acórdão recorrido, a única questão que esse
acórdão apreciou para decidir sobre a admissibilidade do recurso do acórdão da
Relação para o Supremo Tribunal de Justiça foi a da interpretação a dar às
cláusulas compromissórias insertas nos concretos contratos de arrendamento de
que emerge o litígio. Estava em causa a determinação do sentido de cláusulas com
a seguinte redacção: ?As questões emergentes do presente contrato serão
resolvidas por recurso a arbitragem de acordo com o Regulamento do Tribunal do
Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Associação
Comercial de Lisboa, com recurso a 3 (três) árbitros nomeados de acordo com o
regulamento, cabendo sempre recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa?.
Colocou-se sempre e só uma questão de interpretação da vontade das partes ao
comprometerem-se nos termos dessa cláusula e não a questão da sua validade. E
essa questão não foi resolvida por aplicação das normas referidas pela
recorrente. É certo que elas foram invocadas no despacho do relator que veio a
ser confirmado pelo acórdão recorrido. Mas, somente, para ilustrar o que
ocorreria se a vontade das partes não tivesse disposto sobre a matéria, não para
resolver qualquer questão por aplicação do teor normativo que se entendeu nelas
contido. Não foi aplicado o artigo 31.º do RTA, que vedaria o recurso, porque se
considerou afastado pela vontade das partes (sem curar de saber se seria
passível de constituir objecto do recurso). E o n.º 1 do artigo 29.º da Lei n.º
31/86, também não foi aplicado para resolver o problema da recorribilidade. A
não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não resultou do
dispositivo deste preceito, de qualquer interpretação que se desse à expressão ?da
decisão arbitral cabem para o tribunal da Relação os mesmos recursos que
caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca?, mas do entendimento de
que a expressão ?cabendo sempre recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa ?
significa que os outorgantes quiseram renunciar ao recurso para o Supremo.
Assim, embora seja possível sustentar que a decisão de que uma dada situação não
cabe na hipótese de determinada norma ainda pode constituir uma forma de aplicar
essa norma, mantém-se que não houve aplicação de qualquer das referidas normas
porque o que se decidiu é indiferente ao sentido que possa ter-se se atribuído
ao que aí se prescreve?.
Neste contexto, mesmo que a passagem destacada pela reclamante fosse obscura ou
ambígua quando lida isoladamente ? o que não se aceita ?, nenhuma dúvida se
justifica quanto à razão determinante de se ter considerado que a decisão
recorrida não fez aplicação das normas que a recorrente quer ver apreciadas. Um
destinatário normal, sobretudo se tiver presente a argumentação a que aí se
responde, não terá sombra de dúvida que o Tribunal, sem excluir que no recurso
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC caibam as decisões de ?aplicação
negativa? da norma impugnada (que tenham interpretado uma norma de modo a
excluir com violação de preceitos ou princípios constitucionais uma dada
situação do seu âmbito de aplicação), reafirmou que nem essa hipótese se
verificava.
3. Embora abrindo o requerimento com a afirmação de que vem pedir esclarecimento
(artigo 669.º, n.º 2, do COC), a reclamante acaba por formular também o pedido
de que seja apreciada e declarada a nulidade do acórdão em apreço, por omissão
de pronúncia.
Sucede que não se consegue entender que omissão de pronúncia a reclamante
considera verificada. A reclamante não identifica qualquer questão suscitada na
reclamação da decisão sumária que o Tribunal tenha deixado de apreciar.
4. Decisão
Pelo exposto, indefere-se o pedido de esclarecimento e a arguição de nulidade,
condenando-se a reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte
cinco) UCs.
Lx. 29/9/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão