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Processo n.º 814/2009
Plenário
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
Relatório
O Presidente da Comissão Política Concelhia de Vila Nova de Famalicão do Partido
Socialista (PS) requereu à Comissão Nacional de Eleições (CNE) a reposição da
estrutura de propaganda política vulgarmente designada por outdoor, alusiva à
candidatura do referido partido político às Eleições Autárquicas de 2009, que
tinha sido colocada numa rotunda existente na freguesia de Calendário, no
concelho de Vila Nova de Famalicão, e que fora alegadamente retirada no dia 9 de
Setembro de 2009, sem qualquer audição prévia, por funcionários da Câmara
Municipal de Vila Nova de Famalicão.
Notificada para se pronunciar sobre o pedido, a Câmara Municipal de Vila Nova de
Famalicão informou que procedeu à remoção coerciva da estrutura metálica de
propaganda eleitoral que se encontrava colocada no interior da rotunda porque a
mesma atentava, pelas suas dimensões, contra a segurança rodoviária,
constituindo, por isso, um perigo eminente, em violação do disposto na alínea d)
do n.º 1 do artigo 4° e no n.º 1 do artigo 6° da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto.
Mais esclareceu o referido órgão autárquico que a remoção coerciva em questão
foi precedida pela notificação da Comissão Política Concelhia de Vila Nova de
Famalicão do PS para proceder à remoção voluntária da referida estrutura de
propaganda eleitoral, pelos aludidos fundamentos, no prazo de três dias úteis.
Na sequência do referido esclarecimento, a Comissão Nacional de Eleições
determinou a reposição da propaganda política em questão, através da deliberação
de 22 de Setembro de 2009, com o seguinte teor:
«O plenário aprovou a Informação que constitui anexo à presente acta e, nos
termos e com os fundamentos constantes da mesma, tomou, por unanimidade dos
Membros presentes, a seguinte deliberação:
?Encontra-se cometida à Comissão Nacional de Eleições a competência específica
para assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das
candidaturas (alínea d), do artigo 5º da Lei nº 71/78, de 27 de Dezembro).
Como referiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 605/89, o controlo da CNE
é exercido ?não apenas quanto ao acto eleitoral em si mas de forma abrangente de
modo a incidir também sobre a regularidade e a validade dos actos praticados no
decurso do processo eleitoral?.
Considerando que o Tribunal Constitucional veio consagrar no Acórdão nº 312/2008
que ?É a especial preocupação em assegurar que estes actos (eleições e
referendos), de crucial importância para um regime democrático, sejam realizados
com a maior isenção, de modo a garantir a autenticidade dos seus resultados, que
justifica a existência e a intervenção da CNE, enquanto entidade administrativa
independente?.
Considerando, ainda, a jurisprudência do recente Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 310/2009, segundo a qual:
«... a Constituição estabelece, como princípio de direito eleitoral, a liberdade
de propaganda, que se entende aplicável, às campanhas e pré-campanhas eleitorais,
e que constitui uma manifestação particularmente intensa da liberdade de
expressão, e que envolve, numa dimensão negativa, por efeito da obrigação de
neutralidade da Administração, ?o direito à não interferência no desenvolvimento
da campanha levada a cabo por qualquer candidatura?...
? a liberdade de propaganda implica, ela própria, a impossibilidade de
intromissão da Administração em relação aos conteúdos e finalidades da mensagem
de propaganda e à sua adequação em relação à função de esclarecimento e
mobilização a que se destina...».
Tendo presente que, no caso em apreço, estamos perante uma acção de propaganda
inserida no processo eleitoral respeitante à eleição dos órgãos das autarquias
locais, o qual teve início no dia 3 de Julho, data da publicação do decreto que
marcou o dia da eleição.
Considerando que a CNE deve acautelar a normal actividade da propaganda
eleitoral e garantir que a administração, em particular os órgãos das autarquias
locais, não proíbam, pela prática administrativa, o exercício do direito de
expressão através da realização de propaganda;
Tendo presente que no exercício das suas competências a CNE tem sobre os órgãos
e agentes da Administração os poderes necessários ao cumprimento das suas
funções (artigo 7º da Lei nº 71/78);
Notifique-se o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão
para, no prazo de 48 horas, repor a propaganda do PS removida, sob pena de, não
o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º
do Código Penal.»
A informação que integra os fundamentos da referida deliberação ? e que
constitui anexo à acta da sessão em que aquela foi tomada ? apresenta o seguinte
teor na parte que ora releva:
«[...]
3. Analisado o conteúdo da resposta apresentada pela Câmara Municipal de Vila
Nova de Famalicão, destacam-se os seguintes fundamentos invocados em que
alegadamente assentou a remoção do cartaz de propaganda do PS situado na rotunda
que serve a Rua Dr. Alberto Sampaio e Rua António Joaquim Garcia Carvalho na
freguesia de Calendário, do concelho de Vila Nova de Famalicão:
- O entendimento perfilhado pela Câmara Municipal é o de que a colocação de
estruturas metálicas de propaganda eleitoral no interior das próprias rotundas
atentam, pelas suas dimensões, manifesta e comprovadamente, contra a segurança
rodoviária, constituindo por isso um perigo iminente, violando o disposto na
alínea d), do nº 1 do artigo 4º, via aplicação do artigo 6, nº 1 da Lei nº 97/88,
de 17 de Agosto;
- Por despacho de 31 de Agosto de 2009, entregue no dia no dia seguinte na sede
do Partido Socialista de Vila Nova de Famalicão, foi esta força política
notificada para retirar a referida estrutura de propaganda política, tendo sido
proposto que a remoção fosse feita directamente pelo PS no prazo de 3 dias úteis,
para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 6 da referida Lei nº 97/88;
- Não tendo o PS retirado voluntariamente a referida propaganda no prazo
concedido, nem contestado a factualidade constante do despacho de 31 de Agosto,
foi ordenada a sua remoção coerciva, tendo a estrutura sido retirada pelos
serviços camarários no dia 9 de Setembro.
4. Quanto ao primeiro argumento invocado pela Câmara Municipal, afigura-se que o
mesmo não pode ser acolhido, contrariando, aliás, o entendimento da CNE em
matéria de remoção de propaganda.
De acordo com o entendimento da CNE a este respeito, as entidades apenas podem
remover meios amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no nº 1 do
artigo 4 da Lei 97/88, quando tal for determinado por tribunal competente ou os
interessados, depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de
remoção, o não façam naqueles prazos e condições, sem prejuízo do direito de
recurso que a estes assista.
As excepções à liberdade de propaganda estão expressa e taxativamente previstas
nos nºs 2 e 3 do artigo 4º da Lei nº 97/88 que, como qualquer excepção, devem
ser interpretadas de forma estrita e não restritiva para os direitos, liberdades
e garantias.
4. Em segundo lugar, afigura-se que o conceito de perigo iminente parece
pressupor um perigo actual e efectivo que se verifique no caso concreto, não
bastando invocar de forma abstracta razões que correspondem a algumas das
alíneas do n.º 1 do artigo 4º do referido diploma.
Ora não resulta dos elementos constantes do processo que o local onde se
encontrava afixada a estrutura seja susceptível de violar quaisquer dos
critérios objectivos a que se reporta o artigo 4º da Lei nº 97/88, de 17 de
Agosto, ou constitua qualquer perigo para a segurança rodoviária.
5. Quanto aos dois outros argumentos, também não parecem proceder visto que
conforme foi referido, as câmaras municipais apenas podem remover meios
amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no nº 1 do artigo 4º da Lei
97/88, quando tal for determinado por tribunal competente ou os interessados,
depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de remoção, o não
façam naqueles prazos e condições, sem prejuízo do direito de recurso que a
estes assista, não podendo legalmente proceder a uma remoção coerciva, como
sucedeu no caso em apreço».
A Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão interpôs recurso desta deliberação
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B da Lei
do Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
?1 - A CNE, na sua deliberação, ordena o colocação do material de propaganda
removido por ter sido considerado que não colhe o argumento invocado pela Câmara
Municipal de afectar a mesma a segurança rodoviária;
2 - Com o devido respeito, tal entendimento não pode colher;
3 - O painel em causa, suportado por uma estrutura metálica, pelas dimensões e
colocação do mesmo na confluência das ruas Dr. Alberto Sampaio e António Joaquim
Gorda Carvalho constitui efectivo e real perigo para os automobilistas que,
através dessas artérias, entram e saem no miolo urbano da cidade;
4 - Não só pela topografia do terreno, mas por nas imediações existir um posto
de abastecimento de combustíveis e uma média superfície comercial;
5 - Se o elevado volume de tráfego rodoviário não é, só por si, motivo
suficientemente atendível, adicione-se o facto de numa rotunda com 6 metros de
raio ser colocado um painel com 8 metros de largura e que, ainda por cima, prima
pelo factor novidade e estético (que se reconhece e admite) por ter sido
elaborado por arquitecto e, como tal, foge aos cânones habituais do padrão médio
neste domínio;
6 ? É entendimento do Município, na pessoa do responsável que solicitou a
remoção do estrutura, que não se deve tentar preencher o conceito de perigo com
um facto concreto, antes com a mera previsão que o mesmo pode ocorrer atentas as
circunstâncias concretos;
7- Aliás, o PS sabe bem que assim é, porquanto na sua ladainha divaga sobre
painéis e rotundas, mas esquece-se de referir que só este elemento foi alvo de
remoção;
8 - O que permite bem avaliar da lisura de comportamento de cada uma das partes
em causa neste processo!
9 - Mais a mais, resulta ainda que os suportes utilizados pelo PS não é o mais
adequado, dado o forte impacto e a obstrução visual que origina e porque
contribuirá para uma forte poluição visual e descaracterização da área protegida.
10 - Isto já para não se falar que foi completamente olvidado na douta
deliberação que um painel numa estrutura de ferro não se enquadra na previsão do
número 2 do artigo 4º do aludido diploma legal;
11 - Face ao exposto, e para os devidos efeitos foi notificado o PS para que no
prazo de 3 dias úteis removesse aquela estrutura e apenas aquela:
12 - Ora, nem o PS se dignou responder à Câmara Municipal, ou retirar o painel
em apreço;
13 - Ora, assim sendo, a Câmara Municipal entende que cumpriu com o que lhe era
legalmente exigível e que o interessado (ao caso, o PS), ?depois de ouvido e com
eles fixados os prazos e condições de remoção, o não façam naqueles prazos e
condições? se encontra legitimada a ter actuado da forma que o fez,
14 - Não é esta, contudo, a tese da CNE parece sufragar na presente deliberação;
15 - Que, com o devido respeito, nos causa estranheza pois sabemos que tem sido
entendimento da CNE que as Câmaras Municipais apenas podem remover meios
amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no nº 1 do art. 4º da Lei
nº 97/88 quando isso seja determinado por um tribunal ou os interessados não o
façam nos prazos e condições em que eles próprios acordaram:
16 - A CNE estriba-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 636/95, bem como
na sua própria Jurisprudência:
17 - Porém, nem o referido acórdão do Tribunal Constitucional perfilha tal
entendimento, nem a sua pretérita Jurisprudência seguiu esse caminho;
18 - Quanto ao acórdão nº 636/95, o que o aresto em apreço estabelece é que a
Lei nº 97/88 já regulou ela própria e definitivamente o exercício cívico da
liberdade de propaganda, articulando-a com os valores do direito a um ambiente
de vida sadio e equilibrado, do direito de propriedade, do ordenamento do
território, da segurança do tráfego, do património cultural, histórico e artístico.
Tal proposição merece o acordo da Câmara Municipal;
19 - Por outro lado, não tem sido essa a Jurisprudência da própria CNE. Dois
exemplos. No acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2008, pode ler-se que
está em causa a apreciação de uma deliberação da CNE de 20/05/2008 do seguinte
teor: ?Sendo a propaganda uma forma de liberdade de expressão, só a Assembleia
da República pode proceder à sua regulação considerando-se que qualquer
introdução normativa nesta matéria aprovada por outro Órgão viola o disposto nos
artigos 18º e 37º da Constituição. Uma vez que a afixação dos cartazes de
propaganda pelo PCP contra o que dispõe o regulamento municipal, não fere os
princípios estabelecidos no nº 1 do artigo 4º do Lei 97/88, de 17 de Agosto, nem
se enquadra em nenhuma das proibições previstas nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo,
deve a Câmara Municipal do Porto repor os referidos cartazes?:
20 - No mesmo sentido, cita-se ainda uma outra deliberação da CNE, que vem
transcrita na obra de Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, sob o
título ?Lei Eleitoral da Assembleia da República? (2ª reedição. 1999, pág. 89),
do seguinte teor: ?Os executivos autárquicos podem não consentir e, por isso,
limitar a afixação de propagando apenas, mediante fundamentação concreta, nos
casos expressamente previstos na lei e porventura esmiuçados em regulamentos ou
posturas municipais, mas nunca fora desses casos, impedir, proibir, rasgar,
destruir, inutilizar ou remover propaganda politico-eleitoral afixada ou
colocada em locais públicos ou particulares. É necessário justificar e indicar
concretamente as razões pelas quais o exercício da actividade de propaganda não
obedece, em determinado local ou edifício, aos requisitos previstos na lei. E
mesmo neste caso não podem os órgãos executivos autárquicos mandar remover
material de propaganda gráfica colocado em locais classificados ou proibidos por
lei sem primeiro notificar e ouvir as forças partidárias envolvidas (arts. 5º nº
2 e 6º nº2, da referida Lei nº 97/88)?;
21 - Isto é, a própria CNE já entendeu que aquilo que estava vedado às Câmaras
era retirar a propaganda noutras situações que não aquelas situações de
ilegalidade previstas na Lei nº 97/88 e sem que previamente ouvisse as torças
partidárias visadas;
22 - A CNE interpreta de forma errónea a lei;
23 - O que a Lei estabelece para que as Câmaras Municipais possam remover a
propaganda são dois requisitos;
24 - Um de natureza substantiva, que tem a ver com a violação dos comandos
constantes nos nºs 1, 2 e 3 do art. 4º da Lei nº 97/88;
25 - Outro de natureza adjectiva, que a tem a ver com a obrigatoriedade de
audição dos interessados para definir prazos e condições de remoção desses meios
de propaganda;
26 - Tais requisitos estão preenchidos no caso em apreço;
27 - Por outro lado, a força partidária em causa foi notificada para os efeitos
de definir prazos e condições de remoção;
28 - A tese da CNE conduziria a resultados absurdos, frise-se:
29 - A Câmara Municipal estaria impedida de remover um cartaz que afectasse a
percepção de sinais de trânsito identificadores de perigo!...
Nestes termos, e nos demais de Direito que se aplicam ao caso, solicita a Câmara
Municipal de Vila Nova de Famalicão que seja dado provimento ao presente recurso
e assim mantida a sua decisão de remoção daquela estrutura de propagando do PS.»
Cumpre apreciar e decidir, sendo que nada obsta a que se passe à apreciação da
matéria de fundo.
*
Fundamentação
1. Resulta dos elementos dos autos o seguinte:
a) Em data não determinada, anterior a 31 de Agosto de 2009, a Comissão Política
Concelhia de Vila Nova de Famalicão do Partido Socialista colocou, no interior
da rotunda que serve a Rua Dr. Alberto Sampaio e a Rua António Joaquim Garcia
Carvalho, na freguesia de Calendário, concelho de Vila Nova de Famalicão, uma
estrutura de propaganda política, vulgarmente designada por outdoor, alusiva à
candidatura do PS às Eleições Autárquicas de 2009;
b) Em 31 de Agosto de 2009, a Comissão Política Concelhia de Vila Nova de
Famalicão do Partido Socialista foi notificada pela Câmara Municipal de Vila
Nova de Famalicão para proceder à remoção da referida propaganda no prazo de 3
dias úteis ?porquanto, fruto da sua localização, põe em causa, manifesta e
irrefutavelmente, a segurança da circulação rodoviária, violando o disposto na
alínea d), do n.º 1 do art. 4.º, via aplicação do art. 6.º, n.º 1 da Lei n.º 97/88,
de 17 de Agosto?;
c) Em 9 de Setembro de 2009, a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão
efectuou a remoção da referida propaganda.
d) Em 11 de Setembro seguinte, a Comissão Política Concelhia de Vila Nova de
Famalicão do Partido Socialista apresentou uma participação à Comissão Nacional
de Eleições, por indevida remoção de materiais de propaganda relativos às
Eleições Autárquicas de 2009;
e) Por deliberação de 22 de Setembro de 2009, a Comissão Nacional de Eleições
ordenou a notificação do presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de
Famalicão, para, no prazo de 48 horas, repor a propaganda do PS;
f) Em 3 de Julho de 2009, a data das eleições autárquicas foi designada para 11
de Outubro de 2009 (Decreto n.º 16/2009, de 3 de Julho);
g) As partes juntaram, no âmbito do procedimento administrativo e com o recurso
contencioso, as fotografias de fls. 13-16, o expediente de notificação municipal
de fls. 23, e os extractos das mensagens de correio electrónico trocadas entre a
CMVNF e a participante de fls. 36-37 (que aqui se dão como reproduzidos).
2. A Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão efectuou a remoção da propaganda
política utilizada pelo PS invocando exclusivamente para tanto razões urgentes
de segurança da circulação viária, nomeadamente a circunstância da estrutura
metálica de suporte do outdoor ter sido colocada no interior de uma rotunda,
pretensamente em violação das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 1, al.
d), e 6.º, n.º 1, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto.
Por seu lado, a autoridade recorrida fundamentou a sua deliberação no
entendimento de que o material de propaganda em questão não constituía qualquer
perigo para a segurança rodoviária de acordo com os elementos então constantes
do processo.
O que aqui está em causa é, pois, a aplicação de um dos critérios do exercício
das actividades de propaganda, a que se refere o artigo 4º, n.º 1, alínea d), da
Lei n.º 97/88, e que impõe que a propaganda não afecte «a segurança das pessoas
ou das coisas, nomeadamente a circulação rodoviária ou ferroviária».
Na verdade, face aos elementos constantes dos autos, e apesar de o material de
propaganda se encontrar colocado na placa central de uma rotunda, não é evidente
que ele prejudique a visibilidade da sinalização aí existente e impeça os
utentes da via de adoptar as precauções necessárias à aproximação e à circulação
numa rotunda.
De facto, a fotografia junta aos autos do local onde se encontrava o outdoor
retirado não revela que a visibilidade da sinalização rodoviária vertical aí
existente, nomeadamente aquela que assinala a existência de uma rotunda, bem
como a visibilidade recíproca dos veículos que entram e circulam em sentido
giratório no interior da mesma, tenham sido relevantemente prejudicadas pela
colocação daquele outdoor.
Por conseguinte, não é possível concluir-se, pela análise dos elementos
existentes nos autos, que a colocação do referido outdoor resultasse num perigo
para a segurança rodoviária.
Por outro lado, o facto da estrutura deste outdoor ser em ferro não é impeditivo
da sua amovibilidade.
Não podendo concluir-se pela existência de um erro na ponderação e valoração dos
interesses públicos em presença, por parte da autoridade recorrida,
designadamente no tocante ao risco para a segurança rodoviária, não há motivo
para julgar procedente este recurso.
*
Decisão
Nestes termos decide-se negar provimento ao recurso interposto pela Câmara
Municipal de Vila Nova de Famalicão da decisão da Comissão Nacional de Eleições
de 22 de Setembro de 2009.
*
Lisboa, 29 de Setembro de 2009
João Cura Mariano
Vítor Gomes
Maria João Antunes
Benjamim Rodrigues
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
Joaquim de Sousa Ribeiro
Maria Lúcia Amaral
José Borges Soeiro
Carlos Pamplona de Oliveira vencido conf. declaração
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido.
Entendo, conforme declarei no Acórdão n.º 209/09, de que divergi, que se me
afigura que a CNE não tem competência para determinar a reposição da propaganda
removida por determinação camarária com fundamento em razões de segurança
rodoviária e por violação das respectivas disposições legais.
Com efeito, é à câmara municipal que cabe, nos termos do artigo 6º da Lei n.º 97/88
de 17 de Agosto, fixar as regras de colocação na via pública dos meios amovíveis
de propaganda, segundo os critérios fixados no artigo 4º do diploma, dos quais
se destaca a não afectação da segurança das pessoas ou das coisas, 'nomeadamente
na circulação rodoviária'. Prescreve ainda o artigo 10º do diploma que a
colocação de propaganda, em infracção desta prescrição, 'constitui contra-ordenação
punível com coima' a aplicar pelo presidente da câmara municipal da área em que
se verifique a contra-ordenação, acrescentando-se que ao montante da coima, às
sanções acessórias e às regras de processo se aplicam 'as disposições constantes
do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro'. Trata-se, assim, do exercício de
função materialmente administrativa no domínio de uma competência típica dos
municípios quanto à circulação rodoviária.
Isto é: à CNE não foi atribuída competência para disciplinar a colocação dos
meios amovíveis de propaganda eleitoral em função da segurança rodoviária.
Carlos Pamplona de Oliveira