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Proc.Nº 421/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO:
Nos presentes autos de recurso, em que é recorrente M... e recorrido J..., confirma-se a exposição do relator de fls. 1002 a 1008 pelos fundamentos dela constantes, não tendo o recorrido respondido. Por outro lado, a resposta da recorrente não abalou minimamente os fundamentos daquela exposição.
Com efeito, a posição constante do acórdão de 1 de Outubro de 1996 corresponde a um entendimento jurisprudencial ( para além do acórdão citado na decisão, vejam-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de
1982, in BMJ, 321, 378) e doutrinal firme (já o Prof. Alberto dos Reis escrevia
'O que há fundamentalmente no artº663º é uma regra de conteúdo substancial. Quando a lei diz - o Tribunal deve tomar em consideração, no julgamento, os factos constitutivos ou extintivos do direito que se produzirem posterirmente à proposição da acção - dita um comando que há-de ser aplicado em conformidade com as disposições de carácter substantivo reguladoras da relação jurídica litigiosa. Estas disposições é que nos hão-de dizer se o facto superveniente tem realmente as características de facto constitutivo ou extintivo do direito feito valer pelo autor. A lei de processo só intervém para determinar: 1º - Que o facto superveniente há-de conter-se na causa de pedir alegada pelo autor ou pelo réu; 2º Que esse facto há-de produzir-se até ao encerramento da discussão' - in
'Revista de Legislação e Jurisprudência', Ano 84, pág. 6 e ss).
Assim sendo, não se vê como seja possível afirmar que a interpretação da norma constante do acórdão recorrido - que corresponde à tradicional - possa ser considerada surpreendente e imprevísivel, não sendo excessivo exigir a quem defende diferente posição que, utilizando um juízo de prognose razoável, suscite previamente a inconstitucionalidade de tal entendimento.
Assim, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em .6.UC's.
Lisboa, 1998.02.19 Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa Proc.Nº 421/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Exposição Preliminar do Relator a que se refere o Artº 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1.- Em 7 de Janeiro de 1983, JR... intentou uma acção de condenação, com processo ordinário, contra J... e esposa M... pedindo que fosse declarado nulo por falta de forma, o contrato de mútuo entre eles celebrado e pelo qual lhes emprestou a quantia de 1.265.000$00, peticionando a restituição da quantia emprestada acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
A acção foi julgada procedente por duas vezes e, também, por duas vezes, foi tal decisão anulada pela Relação. Por fim, veio a realizar-se o julgamento em 13 de Junho de 1994, os Réus foram de novo condenados e a Ré mulher, única contestante, condenada como litigante de má-fé.
Interposto recurso para a Relação de Coimbra, por acórdão de 3 de Outubro de 1995, negou esta provimento a dois agravos e julgou a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença quanto à condenação em juros de mora, pois entendeu serem os mesmos devidos apenas a partir da citação.
Não se conformando com o assim decidido, a Ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça (adiante, STJ), tendo o autor interposto recurso subordinado.
Por acórdão de 1 de Outubro de 1996, o STJ decidiu negar a revista, confirmando a decisão recorrida. A Ré, notificada do acórdão, veio então pedir a sua aclaração relativamente ao argumento apresentado pelo STJ para concluir que as modificações legislativas resultantes do Decreto-Lei nº 163/95, de 13 de Julho e da Portaria nº 1171/95, de 25 de Setembro não são abrangidas pelo artigo 663º, nº1, do Código de Processo Civil, suscitando então, nessa peça processual, por mera cautela e para eventualmente interpor recurso para o Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade da norma contida no nº1 do artigo 663º do Código de Processo Civil, ao menos na interpretação que nos presentes autos lhe vem sendo dada até ao presente.
O STJ, por acórdão de 26 de Novembro de 1996, decidiu indeferir o pedido de aclaração, por entender que a requerente não pretendia qualquer aclaração da decisão mas sim a sua alteração de acordo com a argumentação que apresentara e criar condições para interpor recurso para o Tribunal Constitucional caso a decisão não acolhesse a posição por ela defendida. Fundamentando a decisão escreve-se no acórdão:
'Repetir-se-á, mais uma vez, o que já se disse: não é possível atender a sua pretensão, não só porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, como, também, porque não surgiram questões do conhecimento oficioso, além de que, no espírito do nº1 do artº 663º do C.P.C. não cabem, como se disse, as simples alterações legislativas , mas apenas os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se pretende fazer valer e que esteja em vigor no momento da propositura da acção, factos que se hão-de conter na causa de pedir e que se têm de produzir até ao momento do encerramento da discussão, que se realiza na 1ª Instância.
Quanto à questão da inconstitucionalidade, dir-se-á que, com a pretendida alteração do julgado, demonstrado ficou que a requerente a veio suscitar fora de tempo.'
A ré, notificada desta decisão, veio então apresentar requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, com vista à apreciação da constitucionalidade da norma do nº1 do artigo 663º do Código de Processo Civil, tendo este recurso sido admitido por despacho de 30 de Junho de 1997.
2. - O presente recurso foi interposto ao abrigo do preceituado no artigo 70º, nº1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional.
De acordo com esta norma - que reproduz o artigo 280º, nº1, alínea b) da Constituição - constituem pressupostos de admissibilidade de tal tipo de recurso, o dever ter sido suscitada durante o processo, pelo recorrente, a inconstitucionalidade de dada norma e de esta norma ter sido aplicada na decisão recorrida como seu fundamento normativo.
Este Tribunal, em jurisprudência reiterada e uniforme, vem entendendo que a locução durante o processo deve ser tomada não num sentido puramente formal - que tornaria possível a suscitação até à extinção da instância - mas com um sentido funcional, de modo que o tribunal recorrido possa ainda conhecer da questão enquanto se não tiver esgotado o seu poder jurisdicional, o que, em princípio, ocorre com a prolação da sentença. De facto, na medida em que se está perante um recurso para o Tribunal Constitucional, pressupõe-se a existência de uma decisão anterior do tribunal «a quo» sobre a questão de constitucionalidade que é objecto do recurso.
Esgotando-se o poder jurisdicional com a prolação da sentença ou acórdão e não constituindo a eventual aplicação de norma inconstitucional um erro material nem sendo causa de nulidade da decisão judicial nem a tornando obscura ou ambígua, tem de entender-se que a aclaração da decisão judicial ou a arguição da sua nulidade não são já, por via de regra, momentos idóneos e atempados para suscitar a questão de constitucionalidade
(cfr.,por todos, os acórdãos nºs 61/92, 152/93, 261/94, 164/95, 1124/96, 125/97 e 305/97, estes dois últimos ainda inéditos e os restantes publicados no Diário da República, IIª Série, de 18 de Agosto de 1992, 16 de Março de 1993, 26 de Julho de 1994,29 de Dezembro de 1995 e 6 de Fevereiro de 1997, respectivamente).
A dispensa de oportuna suscitação da questão de constitucionalidade só releva naqueles casos em que a interpretação dos preceitos acolhidos na decisão recorrida, ou a sua aplicação, forem de tal forma insólitas ou inesperadas que não se considere razoável que o interessado as previsse. Nestes casos, o ónus que recai sobre as partes de considerarem as várias hipóteses interpretativas das normas susceptíveis de serem aplicadas cessa (cfr. o acórdão nº 370/94, in Diário da República, IIª Série, de 7 de Setembro de 1994).
3. - Face a esta jurisprudência do tribunal, parece claro que, no caso dos autos, a questão de constitucionalidade não foi suscitada a tempo de dela se poder conhecer. Com efeito, só após a prolação do acórdão do STJ que, negando a revista, confirmou a decisão da Relação, é que o problema foi levantado no requerimento em que se pediu a aclaração do acórdão, ou seja, num momento em que já não era possível a alteração da decisão, como aliás se refere no acórdão de indeferimento da aclaração atrás transcrito.
E, na verdade, parece não dever considerar-se o decidido como imprevisível, no sentido de surpreender a recorrente pelo carácter insólito ou inesperado da solução constante do acórdão - situação que a própria recorrente não invoca.
Ora, só perante uma situação em que o recorrente é confrontado com uma aplicação ou interpretação normativas de todo em todo imprevistas ou inesperadas e não dispondo já de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade é que o tribunal vem considerando aberta a via do recurso de constitucionalidade.
O acórdão do STJ em recurso ter-se-á limitado a aplicar a norma questionado com o sentido corrente na sua jurisprudência (citando até uma anterior acórdão do mesmo tribunal). E a recorrente, que nas respectivas alegações de recurso invocou a norma que agora questiona devia então ter adoptado uma estratégia processual adequada à prevenção da possibilidade de não ver o seu entendimento sufragado pela decisão e logo aí sustentar a tese que só depois de proferido o acórdão veio levantar. Não o tendo feito, o pedido de aclaração não era já o momento adequado para suscitar tal questão, uma vez que se tinha esgotado o poder jurisdicional do Tribunal.
Nestes termos, entende-se que não está verificado um pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, pelo que se propõe que o Tribunal não tome conhecimento do recurso.
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Notifique as partes para, querendo, responderem no prazo e a sob a cominação legais.
Lisboa,