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Processo nº 872/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- M... interpôs recurso da decisão do Director Sub-Regional do Porto do Centro Regional de Segurança Social do Norte que lhe aplicou a coima de 500.000$00 por infracção ao disposto nas alíneas b) e e) do artigo 26º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, relativamente ao estabelecimento de idosos - lar da 3ª idade - situado no Porto, de que é proprietária.
O Juiz do 3º Juízo do Tribunal de Trabalho do Porto, por decisão de 12 de Novembro de 1996, recusou a aplicação da norma contida nesse artigo 26º por a reputar organicamente inconstitucional, considerando o disposto no artigo 168º, nº 1, alínea d), parte final, da Constituição da República (CR), e, em consequência, revogou o anteriormente despachado.
2.- É desta sentença que vem o presente recurso, interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
Neste Tribunal, alegou o Procurador-Geral Adjunto competente que assim concluíu:
'1º- É organicamente inconstitucional a norma editada pelo Governo, no exercício da sua competência legislativa própria, que estabeleça como sanção para determinada contra-ordenação, tipificada no mesmo diploma, coima cujos limites excedam o constante do diploma que estabelece o regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social, na redacção vigente à data em que foi publicada a norma em questão.
2º- A alteração daqueles limites, em consequência da revisão do regime geral do ilícito de mera ordenação social, não implica a
'constitucionalização parcial superveniente' da inconstitucionalidade orgânica originariamente cometida.
3º- Termos em que deverá confirmar-se a decisão recorrida, relativamente ao decidido sobre a questão de inconstitucionalidade normativa suscitada, cumprindo ao tribunal 'a quo' graduar a coima em função dos limites estabelecidos no artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, na sua redacção originária.'
A recorrida não alegou.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II
1.- O artigo 26º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, dispõe, na parte que interessa:
'Constituem contra-ordenações puníveis com coima de 250.000$ a
750.000$:
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b) a inadequação das instalações, bem como as deficientes condições de higiene e segurança face aos requisitos legalmente estabelecidos;
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e) O excesso de lotação em relação à capacidade autorizada para o estabelecimento;
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As duas alíneas transcritas tipificam outras tantas contra-ordenações passíveis de serem cometidas pelos estabelecimentos de apoio social com fins lucrativos, prevendo-se as respectivas coimas no corpo do artigo em que se integram.
A norma não distingue entre pessoas singulares e pessoas colectivas mas o certo é que a decisão tomou como assente que a recorrida é a proprietária em nome singular do lar de idosos em causa, e, por sua vez, não deu como provados os factos integradores da previsão da alínea b) do preceito mas considerou 'clara e dolosamente cometidos os factos típicos integradores da contra-ordenação prevista na alínea e) do artigo 26º [...]', se bem que tenha, no entanto, desaplicado essa norma por a ter como organicamente inconstitucional.
A referida decisão parte, para o efeito, da constatação de que o Decreto-Lei nº 30/89 emanou do Governo ao abrigo da sua competência legislativa própria, se bem que a mesma não explicite a norma constitucional violada, inferindo-se a mesma tão só implicitamente - até pela convocação do acórdão deste Tribunal nº 149/94 (e não 194/94, como, por manifesto lapso, refere) -, que se considera violado o disposto na segunda parte da alínea d) do nº 1 do artigo 168º da CR - regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo, matéria da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo.
2.- Ressalvada a concreta projecção normativa, não é esta uma questão nova, posta à consideração do Tribunal Constitucional pela primeira vez.
Na verdade, vem sendo repetidamente decidido jurisprudencialmente que do regime geral a que alude o texto constitucional faz parte não só a definição do quadro das sanções aplicáveis a este tipo de ilícito, mas, também, a fixação dos limites mínimo e máximo das coimas, à luz do que, no âmbito da lei-quadro do ilícito de mera ordenação social - Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro - pode o Governo definir contra-ordenações, criá-las ou eliminá-las e modificar a sua punição mas não pode fixar às coimas um limite mínimo inferior ou um limite máximo superior aos estabelecidos nessa lei-quadro (cfr., por todos, o acórdão nº 175/97, publicado no Diário da República, I Série-A, de 24 de Abril de 1997).
Ora, é o artigo 17º deste diploma que rege quanto aos montantes das coimas.
Na sua redacção originária e no tocante às pessoas singulares, previa-se um limite mínimo de 200$ e um máximo 200.000$, valores que, pelo diploma de 1989, foram elevados para 500$ e 500.000$, respectivamente, e que, pelo texto de 1995, passaram a ser de 750$ e de 750.000$.
Assim, à data da infracção a que se reportam os presentes autos - 5 de Setembro de 1995 - estavam em vigor, ainda, os limites decorrentes da versão de 1989, o que significa que o limite máximo previsto no artigo 26º do Decreto-Lei nº 30/89 era superior ao previsto na lei quadro, mantendo-se o limite mínimo, por sua vez, dentro dos limites ali fixados.
Ou seja, reedita-se quanto a este artigo 26º a problemática já tratada neste Tribunal a respeito da norma do ar- tigo 27º do mesmo diploma, aproveitando a respectiva argumentação.
Nesta perspectiva, e no caso, a norma do artigo 26º do Decreto-Lei nº 30/89 é inconstitucional na parte em que estabelece em valor superior ao do regime geral do ilícito de mera ordenação social, na redacção do Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, o limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação cometida pelo recorrida e a que respeitam os presentes autos, deste modo devendo observar-se, aqui, por semelhança, a argumentação constante da jurisprudência deste Tribunal - cfr. o citado acórdão nº 175/97 - que, relativamente à norma do artigo 27º do mesmo diploma já declarou a sua inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.
3.- Observe-se, no entanto, que a decisão recorrida, seguindo trajectória discursiva aproximada, foi mais longe considerando a norma do artigo
26º totalmente inconstitucional - nessa medida a desaplicando - em vez de o ajuizar somente quanto ao máximo da medida abstracta de punição, relativamente ao quadro geral da punição deste tipo de ilícito à data da infracção.
Como, a este respeito, pondera o magistrado do Ministério Público nas suas alegações, deveria ter o tribunal a quo adequado a concreta sanção aplicável ao limite máximo previsto na lei quadro referente ao ilícito de mera ordenação social, operando a redução da inconstitucionalidade efectivamente existente à parcela ou segmento de norma do citado artigo 26º efectivamente inquinada.
III
Em face do exposto, decide-se revogar a decisão recorrida, que deverá ser reformulada em conformidade com o ora decidido em matéria de constitucionalidade, assim se concedendo, se bem que por diferente fundamentação, provimento ao recurso.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 1998 Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa