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Processo n.º 574/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., melhor identificada nos autos, reclama, ao abrigo do
disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão (LTC), do despacho proferido no Tribunal Judicial de Portalegre
que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2 – O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“(...)
A fls. 392/393 veio a arguida interpor recurso para o Tribunal
Constitucional do despacho proferido a fls. 387, que, aplicando o regime
estabelecido no art. 310º, nº 1 do C.P.Penal, não admitiu o recurso da decisão
de pronúncia pelos factos constantes da acusação particular acompanhada pelo
Ministério Público.
Alicerça a arguida o seu recurso para o Tribunal Constitucional no disposto no
art. 70º, nº 1, al. b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, porquanto,
efectivamente, no requerimento de interposição de recurso ordinário para o
Tribunal da Relação de Évora que não foi admitido, a arguida suscitou a questão
da inconstitucionalidade do citado art. 310º, nº 1 do C.P.Penal que veio a ser
aplicado. Mais invoca a arguida que o preceito constitucional violado é o art.
32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Sucede, porém, que o art. 70º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, no seu
nº 2, restringe as possibilidades de recurso de decisões como a dos autos, ou
seja, as que se subsumem à al. b) do nº 1 do citado preceito (que apliquem norma
cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo) aos casos em
que tais decisões não admitam recurso ordinário.
Por outro lado, dispõe o nº 3 da mesma norma que “São equiparados a recursos
ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos
casos de não admissão ou de retenção do recurso (...)“.
Na situação vertente, constatamos que o despacho recorrido, por se tratar de um
despacho de não admissão de recurso, não é recorrível, sendo, todavia reclamável
para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, conforme resulta do
disposto no art. 405º, nº 1 do C.P.Penal.
Assim, sendo a reclamação equiparada pelo nº 3 do art. 70º da LTC ao recurso
ordinário e não tendo a arguida reclamado do despacho que não admitiu o recurso
da decisão de pronúncia, não poderá recorrer do mesmo para o Tribunal
Constitucional.
Nesta conformidade, não sendo o recurso de fls. 392/393 legalmente admissível,
em virtude de a decisão recorrida admitir reclamação, face ao estatuído pelos
nºs 2 e 3 do art. 70º e 76º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional,
decide-se não admitir tal recurso”.
3 – Por seu turno, a reclamação decidenda abona-se nos seguintes
fundamentos:
“(...)
O douto despacho reclamado assenta, salvo o devido respeito, numa interpretação
errada dos preceitos legais aplicáveis, que nem a sua letra consente, nem o seu
espírito comporta.
Na verdade, o nº 3 do art. 70º, da citada Lei, ao equiparar ao recurso ordinário
a reclamação para o presidente do tribunal superior, visa esclarecer que, tendo
sido indeferida a admissão de recurso ordinário, e tendo havido reclamação dessa
decisão para o presidente do tribunal superior, no caso de indeferimento dessa
reclamação, tem ainda, e também, cabimento o recurso constitucional – por forma
a arredar toda a possibilidade de uma interpretação restritiva do nº 2 do
preceito, que levasse a excluir a possibilidade de interposição de recurso
constitucional no caso de ter havido reclamação para o presidente do tribunal
superior.
No nº 3, toma-se claro que o recurso constitucional pode também ser interposto
do despacho sobre a reclamação deduzida para o presidente do tribunal superior,
sem que do texto legal se possa retirar a conclusão que o douto despacho
reclamado retirou, de que, para se recorrer para o Tribunal Constitucional, não
basta que se esteja perante uma decisão que não admita recurso ordinário, sendo
ademais necessário reclamar para o presidente do tribunal superior, mesmo
sabendo-se de antemão que tal reclamação será inútil, como necessariamente será
no caso de a lei não admitir recurso ordinário.
Ora, a lei proíbe a prática de actos inúteis (art. 137°, Cod. Proc. Civil).
Logo, o elemento sistemático da interpretação leva a excluir a interpretação
adoptada pelo douto despacho reclamado.
Acresce que, até por analogia legis, se não bastasse o elemento literal e o
elemento lógico da interpretação, não pode deixar de se reputar como contrária à
lei a interpretação adoptada pelo douto despacho reclamado.
Citando, e transcrevendo, com a devida vénia, do douto Acórdão nº 457/99, do
Tribunal Constitucional, de 13 de Julho de 1999:
“Ora, sobre o sentido do “esgotamento dos recursos ordinários” exigido pela lei
podia identificar-se, antes da introdução no artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional de um novo nº 4 (pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), uma
divergência na jurisprudência deste Tribunal. Tal divergência incidia sobre a
questão de saber se se podiam considerar esgotados os recursos ordinários apenas
quando o recorrente se tivesse efectivamente prevalecido de todos os recursos
legalmente admissíveis (não se podendo recorrer da decisão apenas por já não
existir mais nenhum recurso previsto na lei), ou se bastava que a decisão se
tivesse tornado definitiva por razões processuais como a renúncia do recorrente
a interpor recurso ou o decurso do prazo de recurso sem a sua interposição.
Para uma posição (a perfilhada no Acórdão nº 8/88, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 110 vol., 1988, p. 1065 e ss.; ver também Armindo Ribeiro
Mendes, Recursos em processo civil, 2ª ed., Lisboa, 1994, p. 332), deveria
dispensar-se a exigência de efectiva utilização de todos os recursos previstos
na lei. Considerar-se-iam, pois, esgotados os recursos ordinários também quando
não pudesse já interpor-se recurso por ter havido renúncia, por ter decorrido o
respectivo prazo sem a sua interposição ou quando não pudessem tais recursos ter
seguimento por razões de ordem processual Segundo esta posição, a ratio essendi
da exigência de esgotamento dos recursos ordinários residia num objectivo de
economia processual, que levava a exigir que se obtivesse sobre a questão de
constitucionalidade, antes da intervenção do Tribunal Constitucional em via de
recurso, uma decisão definitiva, no sentido de insusceptível de recurso – não
sendo possível interpor recurso de constitucionalidade de decisões que ainda
pudessem ser objecto de um recurso cuja resolução pudesse vir a tornar
desnecessária a intervenção do Tribunal Constitucional
Para outra posição (seguida no Acórdão nº 282/95, D.R., II série, de 24 de Maio
de 1996), só deveriam considerar-se esgotados os recursos ordinários quando para
essa decisão já não estivesse previsto na lei recurso ordinário, não sendo de
considerar a renúncia a este, o decurso do prazo sem a sua interposição, ou
outras razões processuais, e antes se exigindo que o recorrente fizesse efectiva
utilização dos recursos legalmente previstos. Para esta perspectiva, o requisito
“esgotamento dos recursos ordinários”, previsto para o recurso do referido
artigo 70º, nº 1, alínea b), significava a necessidade de obter não só uma
decisão irrecorrível (definitiva), mas também uma decisão produzida pelo
tribunal na posição mais elevada na hierarquia judicial, para que se encontre
legalmente previsto um recurso naquele tipo de processo, atento o seu valor e os
outros factores determinantes da admissibilidade de recurso – uma decisão que
constituísse, neste sentido, a última palavra possível segundo o esquema de
recursos previsto na lei sobre a questão de constitucionalidade, antes da
intervenção do Tribunal Constitucional.
Ora, a alteração introduzida na Lei do Tribunal Constitucional pela Lei nº
13-A/98, de 26 de Fevereiro, veio explicitamente resolver a questão no primeiro
dos sentidos referidos – o perfilhado pelo Acórdão nº 8/88, citado (e consagrado
já no artigo 29°, nº 2, do Decreto-Lei nº 503-F/76, de 30 de Junho – Estatuto da
Comissão Constitucional; para mais indicações, podem consultar-se os citados
Acórdãos). Na verdade, segundo o artigo 70°, nº 4 da Lei do Tribunal
Constitucional, na redacção introduzida pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro:
Entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do nº
2, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua
interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de
ordem processual
Nos termos desta norma devem, portanto, considerar-se esgotados os recursos
ordinários se o recorrente já não puder, na data em que interpôs recurso de
constitucionalidade, interpor o recurso ordinário que coubesse no caso concreto,
por ter deixado decorrer o respectivo prazo.
A referida divergência jurisprudencial sobre o sentido do requisito “esgotamento
dos recursos ordinários” encontra-se hoje, pois, superada, no sentido de ser
bastante que se esteja perante uma decisão definitiva, por exemplo, por o
recorrente ter deixado decorrer o prazo para interposição dos recursos
ordinários, não tendo, portanto, utilizado efectivamente todos os recursos que
para o caso a lei preveja.”
O mesmo não pode deixar da valer para o caso vertente, se a questão se não
resolvesse através do simples recurso aos elementos mais comezinhos da
interpretação jurídica, como acima se demonstrou: o elemento literal e o
elemento lógico.
Por último, e quanto ao recurso propriamente dito, diga-se que não se trata de
um mero expediente dilatório: trata-se do exercício do direito de defesa,
constitucionalmente consagrado, e da abordagem da questão suscitada à luz da
redacção do art. 32° da Constituição que foi introduzida pela Revisão
Constitucional de 1997, acrescentando, de novo, uma expressa referência ao
direito de recurso, não se conhecendo decisão que tenha sido proferida na
vigência da actual redacção, além do Acórdão nº 140/99, que se não se debruça,
porém, sobre o problema aqui em causa.
Nos termos expostos, com o douto suprimento, deve a reclamação ser julgada
procedente, consequentemente se admitindo o recurso interposto”.
4 – Neste Tribunal, o Representante do Ministério Público pugnou
pelo indeferimento da reclamação por considerar que:
“1. Da decisão que não admitiu o recurso cabia reclamação para o Senhor
Presidente da Relação.
Assim, ao recorrer para o Tribunal Constitucional daquela decisão, fê-lo, a
reclamante, sem ter esgotado os recursos ordinários que no caso cabiam, uma vez
que tais reclamações são, para esse efeito, equiparadas a recursos ordinários
(artigo 70º, nºs 2 e 3 da LTC).
2. Quanto à invocação do nº 4 do artigo 70º da LTC, ele não faz sentido.
Efectivamente, como parece resultar dos autos, a reclamante interpôs recurso
para o Tribunal Constitucional antes de expirado o prazo para reclamar para o
Senhor Presidente da Relação, sendo certo ainda que não se verifica ter ocorrido
qualquer renúncia ao recurso”.
B – Fundamentação
5 – O recurso para o Tribunal foi interposto ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, sendo um dos pressupostos da sua
admissibilidade o esgotamento dos recursos ordinários, em consonância com o
disposto no n.º 2 do referido artigo – “os recursos previstos nas alíneas b) e
f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso
ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que
ao caso cabiam (...)”.
Por outro lado, nos termos do n.º 3 do artigo 70.º, “são equiparados
a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais
superiores, nos casos de não admissão (...) do recurso (...)”, e, segundo se
esclarece o n.º 4 do mesmo preceito, “entende-se que se acham esgotados todos os
recursos ordinários (...), quando tenha havido renúncia, haja decorrido o
respectivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam
ter seguimento por razões de ordem processual”.
Ora, atentos estes critérios, constata-se que in casu o recurso de
constitucionalidade foi interposto num momento em que ainda não se encontravam
esgotados os recursos ordinários, considerando que do despacho que não admitiu o
recurso da decisão instrutória de pronúncia cabia reclamação para o presidente
do Tribunal da Relação, a qual se encontra equiparada a “recurso ordinário”, nos
termos do n.º 3 do artigo 70.º da LTC.
Assim, tendo sido interposto o recurso de constitucionalidade num
momento em que ainda era possível deduzir tal reclamação e não tendo existido
renúncia expressa ao exercício desse direito processual, é manifesta a
improcedência da presente reclamação.
C – Decisão
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a presente reclamação.
Custas pela Reclamante, com taxa de Justiça que se fixa em 20
(Vinte) UCs.
Lisboa, 13/07/2009
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos