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Processo n.º 35/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I- Relatório
1. A. e mulher B. (réus na acção, ora recorrentes), adquirentes de
uma fracção autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal, em
venda judicial efectuada num processo de execução à ordem do qual estava
penhorada, recorrem para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de fls. 500 e segs. que, negando a revista de
acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, manteve a sua condenação a
reconhecerem o direito de propriedade de C. e mulher D. ( autores na acção, ora
recorridos), que haviam celebrado com o executado escritura de compra e venda da
mesma fracção anteriormente à penhora, mas que só posteriormente à venda no
processo de execução vieram a registar a sua anterior aquisição por via
negocial.
2. Inicialmente, o relator proferiu decisão sumária de não
conhecimento do objecto do recurso, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
Tendo sido deferida reclamação dos recorrentes, foi ordenado o prosseguimento do
recurso com vista à apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 4 do art.º
5.º do Código de Registo Predial, interpretado no sentido de que o adquirente de
um imóvel em venda judicial efectuada em processo de execução não é 'terceiro
para efeitos de registo' relativamente a um adquirente a quem o executado o haja
vendido, anteriormente ao registo a penhora, mas que não tenha registado a
aquisição.
3. Nas alegações que apresentaram, os recorrentes sustentaram as
seguintes conclusões:
“1º - É inconstitucional a norma do artigo 5º, n.º 4 do C.R. Predial quando
interpretada no sentido de que o arrematante em venda executiva, como é o caso
dos aqui Recorrentes, não é terceiro para efeitos de registo. Na verdade,
2º - Quem adquire em venda executiva adquire directamente do executado que, com
ou sem vontade de vender, é o sujeito donde promana o direito ao bem vendido,
gerando‑se, assim, uma aquisição derivada em que o executado é o transmitente.
3º - Ao adquirente em venda executiva não pode ser oposto qualquer outro negócio
translativo da propriedade, ainda que anterior, que não haja sido registado
aquando da inscrição no registo do título emitido subsequentemente a essa venda
judicial.
4º - Relativamente aos bens imóveis, a venda judicial tem, quer para efeitos de
determinação da prioridade da realização dos negócios, quer para efeitos da
prioridade da inscrição no registo predial desses negócios, pelo menos, a mesma
eficácia que a venda por escritura pública.
5º - A não ser assim, isto é, a considerar, como o fez o Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, que o adquirente em venda executiva não é terceiro par
efeitos de registo, por não haver adquirido de um mesmo e comum transmitente,
estar-se-á a violar o direito constitucional à propriedade privada, consagrado
nos artigos 17º, 18º, 62º da Lei Fundamental;
6º - Estar-se-á a violar, além do mais, os princípios da estabilidade, da
certeza e da confiança representados pelo instituto do registo predial, o que é
manifestamente inconstitucional por violação dos próprios princípios básicos do
Estado de direito consagrados no artigos nos artigos 2º, 3º e 9º als. b) e d) da
C.R.P.;
7º - Estar-se-á a violar a segurança e a confiança jurídicas da comunidade em
geral garantidos pelo registo predial, na medida em que este concorre
decisivamente para a segurança do tráfico jurídico imobiliário, essencial à
plena eficácia do princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica
reconhecido no artigo 80º, al. c) da Constituição da Republica Portuguesa.
8º - A decisão do Acórdão do S.T.J. é, igualmente, ilegal, por desconsideração
do disposto no artigo 824º do C.C. já que este, claramente, refere que o
executado é o transmitente na venda executiva e de que com essa venda caducam
todos os direitos reais que não tenham registo anterior à respectiva penhora.
9º - Acresce que, se não se entender que o arrematante em hasta pública é
terceiro para efeitos de registo, nos termos restritos consagrados pelo Ac. 3/99
e pelo artigo 5º, n.º 4 do C.R. Predial, então são este Acórdão e este normativo
– e não já a interpretação que dele fez o Acórdão do Supremo – que se encontram
feridos de inconstitucionalidade, por directa afronta dos princípios
constitucionais vertidos nos artigos 17º, 18º, 62º e 80º al. c) da lei
Fundamental, pelos motivos expostos nas conclusões precedentes –
inconstitucionalidade que vai, igualmente, invocada. Com efeito,
10º - Se a lei vigente, isto é, o artigo 5º, n.º 4 do C.R. Predial não considera
que o adquirente em venda executiva é terceiro para efeitos de registo é, então,
o próprio preceito e a acepção restrita que estão feridos de
inconstitucionalidade, na medida em que a sua aplicação leva à preferência de
uma aquisição anterior não registada a uma outra posterior, legítima e formal,
primeiramente registada.
11º - Tais normativos constitucionais (d’entre outros, os artigos 2º, 3º, 9º
als. b) e d), 17º, 18º, 62º, 80°, al. c) e os princípios da segurança,
estabilidade e confiança no tráfico jurídico, que o registo predial
consubstancia e representa, quedarão igualmente lesados e feridos, com a
consequente inconsideração das regras registrais, se for admitida a
interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez dos artigos 1251º, 1256º, e
1268º do C.C. na medida em que se reconheceria aos Recorridos o direito de
juntar à sua posse a posse dos anteriores proprietários da fracção em causa, e
opor essa posse, desse modo usucapiente, aos Recorrentes.
12º - Sendo, também ilegal, na medida em que desconsidera totalmente o
estabelecido no artigo 1415º do C.C., já que a fracção autónoma é um novo
objecto de direitos, uma nova coisa, autónoma e independente do prédio onde foi
erigido o edifício em que se integra.
13º - De facto, se ao adquirente em venda executiva não é oponível o contrato de
compra e venda anteriormente outorgado, mas posteriormente registado, também lhe
não é oponível a posse dos ante-possuidores a que o primeiro adquirente acede em
virtude desse contrato,
14º - Já que a única posse que lhe poderá ser oposta é aquela que nasce ex novo,
na sua mão, pois só em relação a essa se pode falar de inoperância ou
desinteresse (susceptíveis de gerar usucapião) do segundo adquirente, in casu,
os Recorrentes.”
Por seu turno, os recorridos concluíram do seguinte modo:
“1- O registo predial tem carácter meramente declarativo e publicitário, não
conferindo quaisquer direitos, ou seja, o registo predial não tem carácter
constitutivo.
2- Foi o entendimento restrito da concepção de terceiros para efeitos de registo
que recebeu consagração no n.º 4, do art.º 5º do CRP.
3- Quer o Tribunal da Relação, quer o Supremo Tribunal de Justiça adoptaram um
conceito restrito de terceiro e, nessa medida, concluíram que o comprador do
imóvel na venda judicial, não se enquadra no conceito de terceiro para efeitos
de registo, relativamente aos recorridos a quem anteriormente a executada (antes
1ª ré no processo) o havia vendido, embora eles recorridos não tivessem
registado a aquisição, prevalecendo, assim, a primeira venda feita aos
recorridos.
4- Ambas as instâncias entendem que o executado não deve ser visto como o
verdadeiro vendedor e que o direito de propriedade derivado de venda judicial
advém para o respectivo titular por força da lei e não por acto do executado,
enquanto que o direito derivado de compra e venda advém para o respectivo
titular por mero efeito do contrato, não se podendo falar da ocorrência de dois
direitos adquiridos do mesmo transmitente.
5- Tendo já o executado vendido o bem aos ora recorridos quando a penhora foi
feita este, aquando a venda executiva, já não lhe pertencia, e como tal não
estava sujeito à execução.
6- Se é certo que a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do
executado nos termos do art.º 824º do C.C., a verdade é que é nula a venda de
coisa alheia.
7- À execução estão sujeitos apenas os bens do devedor, nos termos do art.º
821º, do C.P.C.
8- O Tribunal da Relação e o STJ adoptaram uma posição, relativamente ao
conceito de terceiro para efeitos de registo, e relativamente ao caso em apreço
coincidente com a posição maioritária da jurisprudência prévia ao Ac.
uniformizador 15/97, de 20/05/97 e com a posição tradicional de Manuel de
Andrade, donde se conclui que não está ferida de inconstitucionalidade a
interpretação que foi feita do art.º 5º, n.º 4 do C.R.P e o próprio art.º 5º,
n.º 4.
9- Esta é a posição mais consentânea com uma efectiva jurisprudência de
interesses e com a circunstância de, entre nós, o registo dos prédios não ser
obrigatório (nem existir um cadastro predial geométrico actualizado), nem
obrigatória a imediata comunicação pelo notário ao conservador de registo
predial, de que uma escritura pública foi celebrada.
10- Não seria legítimo que os recorridos, após terem celebrado o negócio de
compra e venda da fracção em causa, mediante escritura de compra e venda, terem
ocupado o prédio desde a data da compra, terem pago as contribuições, a água, a
luz, enfim, terem-se comportado como verdadeiros proprietários que, de resto
são, verem arredado esse seu direito por mero efeito de um registo.
11- Os efeitos da falta de registo, cuja importância a generalidade das pessoas
não assimila bem, não conhecem ou conhecem vagamente, é contrariada pela
insegurança e intranquilidade do reverso da situação, pois, após se comprar,
pagar e cumprir a formalidade consubstanciada em escritura celebrada no notário,
essa sim ritologia bem assimilada e integrada no acervo cultural das populações,
depara-se, surpreendentemente com o objecto da compra a pertencer a outrém, por
efeito de um registo.
12- Haveria, sim, violação da propriedade privada se os recorrentes, que
cumpriram todas as formalidades inerentes a um negócio de compra e venda,
perdessem o seu direito de propriedade por mero efeito de um registo.
13- O adquirente da posse, por título diverso da sucessão por morte, tem a
faculdade de unir ou juntar à sua própria posse a do seu antecessor.
14- Á norma do artigo 1.256º, do C.C apenas exige uma ligação sequencial
legítima entre posses, podendo relevar tal ligação para efeitos de usucapião ou
para efeitos de melhor posse.
15- As duas posses não têm de ser absolutamente homogéneas.
16- O Tribunal da Relação e o STJ adoptaram uma posição perfeitamente
consentânea coma as regras dos artigos 1251º, 1256º e 1268º da Constituição da
República Portuguesa [ lapso evidente; pretende-se dizer Código Civil], normas
que prevêem expressamente o instituto da acessão da posse.
17- Pelo que, não é inconstitucional o entendimento e a interpretação que o
Tribunal da Relação e o Supremo Tribunal de Justiça fizeram dos artigos 1251º,
1256º e 1268º do C.C, relativamente à acessão da posse.”
II - Fundamentação
4. Os autores (ora recorridos) haviam adquirido a fracção autónoma
sobre que versa o litígio por escritura pública de compra e venda celebrada em
18 de Junho de 1998. Mas só registaram essa aquisição em 31 de Janeiro de 2002.
Entretanto, a mesma fracção foi objecto de penhora, registada em 23 de Maio de
2001, à ordem de um processo de execução movido contra o vendedor. E os réus
(ora recorrentes) adquiriam-na na venda judicial subsequente, em 6 de Dezembro
de 2001. Esta aquisição foi registada em 30 de Janeiro de 2002.
O acórdão recorrido considerou que a aquisição por via negocial
anterior à penhora embora não registada (a dos autores, ora recorridos)
prevalecia sobre a aquisição em venda executiva posterior ( a dos réus, ora
recorrentes). Para tanto, após excurso sobre a controvérsia jurisprudencial e
doutrinal acerca do conceito de “terceiro para efeitos de registo”, consignou o
seguinte:
“Mas será que os RR/recorrentes provaram a existência de um verdadeiro direito
de propriedade a seu favor, no confronto com o direito dos AA/recorridos?
Sabido que à data em que a arrematação ocorreu ainda os AA, ora recorridos não
haviam ainda feito registar a seu favor a aquisição do imóvel em apreço, tendo
mesmo os RR./recorrentes registado a aquisição do bem (por via de venda
judicial) , em momento prévio ao dos AA., poderá afirmar-se que a nova redacção
do artº 5º nº 4 C.R.Pred. os abrange, constituindo-se AA, e RR., reciprocamente,
na posição de “terceiros para efeitos de registo”?
A tese maioritária dentro da tese conceptual que acabou por fazer vencimento
entende que “na execução, o tribunal não vende no exercício de poder
originariamente pertencente ao credor ou ao devedor, mas sim em virtude de um
poder autónomo que se reconhece à própria essência da função judiciária;
estaremos perante uma venda forçada, naturalmente alheia à vontade do executado.
Dentro dessa lógica, representaria um mero artifício afirmar-se que na venda
judicial é o executado que deve ser visto como verdadeiro vendedor. O direito de
propriedade emergente da venda judicial (ao contrário do direito derivado da
compra e venda, que se transfere para o património do comprador por mero efeito
do contrato – artºs 879º al a) e 408° C.Civ.) advém para o respectivo titular
por força da lei e não por acto do executado, pelo que não poderá sustentar-se
que ocorra um conflito de dois direitos adquiridos do mesmo transmitente.
Destarte, há que concluir na esteira da posição tradicional de Manuel de Andrade
– que o comprador/adquirente de imóvel na venda judicial não se enquadra no
conceito de ‘terceiro para efeitos de registo’, relativamente aos adquirentes
(como os ora recorridos) a quem anteriormente a executada (antes 1ª Ré no
processo) o havia alienado, embora eles recorridos não houvessem registado a
aquisição o que tudo conduz a que se deva considerar como prevalecente aquela
primeira venda aos AA , ora recorridos
Nem se diga que a interpretação que assim foi feita dos textos legais
supra-citados , e desde logo das do artº 5º do CRP 84 , violam os artºs 2º , 17º
, 18º , 62º e 202º da Constituição da República , violações essa que não vêm ,
de resto , minimamente substanciadas pelos recorrentes.
5. Dispõe o n.º 1 do artigo 5.º do Código do Registo Predial que “os factos
sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do
respectivo registo”, sendo que, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito
“terceiros, para efeito de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor
comum direitos incompatíveis entre si”.
E o artigo 7.º estabelece que “O registo definitivo constitui presunção de que o
direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o
registo o define”.
O conceito de terceiro não é unívoco e desde há muito que se arrasta, na
doutrina e na jurisprudência nacionais, uma persistente controvérsia em torno do
conceito de terceiros para efeitos de registo. Divergência de tal modo acentuada
que deu azo a que se sucedessem dois acórdãos de uniformização de
jurisprudência, uma intervenção legislativa confessadamente dirigida a pôr termo
à divergência interpretativa e uma abundante produção doutrinária (Cfr., sem
pretensão de exaustão, Antunes Varela e Henrique Mesquita, Revista de Legislação
e Jurisprudência, Ano 126.º, 3837 e segs., em anotação a acórdão de 3/6/92, do
STJ; Carvalho Fernandes, “ Terceiros para efeitos de registo predial. Anotação
do acórdão n.º 15/97 do Supremo Tribunal de Justiça”, Revista da Ordem dos
Advogados, Ano 57.º, III; Miguel Teixeira de Sousa, “Sobre o conceito de
terceiros para efeitos de registo (A propósito do Ac STJ-3/99, de 10/7)',
Revista da Ordem dos Advogados, Ano 59.º, pág. 29 e segs.); António Quirino
Duarte Soares, 'O conceito de terceiros para efeitos de registo predial',
Cadernos de Direito Privado, n.º 9, pág. 3 e segs.; Ana Maria Taveira da
Fonseca, 'Publicidade espontânea e publicidade provocada de direitos reais sobre
imóveis', Cadernos de Direito Privado, n.º 20, pág. 14 e segs.; Luis M. Couto
Gonçalves, Cadernos de Direito Privado, n.º 11, pág. 26 e segs.; Mariana França
Gouveia, Cadernos de Direito Privado, n.º 4. pág. 26 e segs.; Paulo Videira
Henriques, 'Terceiros para efeitos do Artigo 5.º do Código de Registo Predial',
Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, pág. 389 e segs.; Orlando
de Carvalho, “Terceiros para efeitos de registo”, Boletim da Faculdade de
Direito, pág. 97 e segs.; Isabel Pereira Mendes, Estudos Sobre Registo Predial,
pág. 115 e segs., págs. 131 e segs, págs. 139 e segs, e págs. 157 e segs.; José
Alberto Gonzalez, A Realidade Registal para Terceiros, “maxime” págs. 369 a 389,
Mónica Jardim, “A segurança jurídica gerada pela publicidade registal em
Portugal e os credores que obtêm o registo de uma penhora, de um arresto ou de
uma hipoteca judicial”, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXIII, págs. 382
e segs.).
Efectivamente, pelo acórdão n.º 15/97 (Diário da República, I Série A, de
4/7/1997 e Boletim do Ministério da Justiça, 467, pág. 88) o Supremo Tribunal de
Justiça perfilhou um sentido amplo do conceito de terceiro, fixando
jurisprudência no sentido de que “terceiros, para efeitos de registo predial,
são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio,
veriam esse direito arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado
ou registado posteriormente”. Esta jurisprudência foi revista pelo acórdão n.º
3/99 (Diário da República, I Série A, de 10 /7/99 e Boletim do Ministério da
Justiça, n.º 487, pág. 209, mediante o qual o mesmo Supremo Tribunal retomou o
chamado “conceito restrito” de terceiro, fixando jurisprudência no sentido de
que “terceiros, para efeitos do artigo 5º do Código de Registo Predial, são os
adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis
sobre a mesma coisa”.
No seguimento desta última decisão uniformizadora, o Decreto-Lei n.º 533/99, de
11 de Dezembro, veio aditar ao artigo 5.º do Código um n.º 4 que passou a dispor
que “terceiros, para efeito de registo, são aqueles que tenham adquirido de um
autor comum direitos incompatíveis entre si”. No preâmbulo daquele diploma
legal, explica-se que se aproveitou, “ tomando partido pela clássica definição
de Manuel de Andrade, para inserir no artigo 5.º do Código do Registo Predial o
que deve entender-se por terceiros, para efeitos de registo, pondo-se cobro a
divergências jurisprudenciais geradoras de insegurança sobre a titularidade dos
bens”.
Porém, esta intervenção legislativa não logrou solucionar todas as
dúvidas, designadamente quanto a um dos mais controversos e socialmente mais
relevantes aspectos do problema que é o de saber se cabem nesse conceito de
terceiros para efeitos de registo, relativamente a um adquirente anterior que
não tenha registado a aquisição, o credor penhorante e o subsequente adquirente
de bens penhorados em acção executiva movida contra o titular inscrito. A
casuística revela que é esta a fonte da maior parte dos litígios em que os
tribunais se têm ocupado do conceito de terceiro para efeitos de registo e onde
mais frequentemente se encontram decisões divergentes.
E foi este tipo de problema que mais uma vez se colocou na acção em que se
suscitou a questão de constitucionalidade que agora ao Tribunal Constitucional é
sujeita. O acórdão recorrido resolveu-o, adoptando um entendimento que se
decompõe nos seguintes passos:
- a venda executiva é efectuada no exercício de um poder de direito público e
não em representação do executado;
- o comprador na venda voluntária anterior e o comprador na venda executiva não
são terceiros para efeitos de registo;
- o comprador na venda voluntária não registada pode opor ao comprador na venda
executiva registada o direito de propriedade por si anteriormente adquirido.
6. Começa por salientar-se, tendo em vista as alegações
apresentadas, que não cumpre ao Tribunal Constitucional apreciar a controvérsia
de que as partes se ocupam acerca da qualificação da venda executiva e os
efeitos desta, designadamente face ao disposto no artigo 824.º do Código Civil,
nem sobre a caracterização da posse dos recorridos para efeitos dos artigos
1251.º, 1256.º e 1268.º do Código Civil. Em primeiro lugar, porque o que aí está
em causa é o acerto da interpretação e aplicação do direito ordinário pelos
tribunais da causa, domínio que escapa ao poder cognitivo do Tribunal
Constitucional. Em segundo lugar, porque tais normas não se incluem no objecto
do recurso tal como ficou definido pelo requerimento de interposição do recurso
em conjugação com o acórdão que deferiu a reclamação.
Assim, a questão validamente colocada ao Tribunal é, somente, a de
saber se a norma do n.º 4 do artigo 5.º do Código do Registo Predial, na
interpretação que já se referiu (o adquirente de um imóvel em venda judicial
efectuada em processo executivo não é “terceiro para efeitos de registo”
relativamente a um adquirente a quem o executado o haja vendido, anteriormente
ao registo da penhora, mas que não tenha registado a aquisição ) viola, como
afirmam os recorrentes,
- os artigos 17.º, 18.º e 62.º da Constituição (garantia constitucional de
propriedade);
- os artigos 2.º, 3.º e 9.º, alíneas b) e d) da Constituição (princípios da
estabilidade, certeza e segurança jurídicas);
- os artigos 17.º, 18.º, 62.º e 80.º, alínea c) da Constituição (iniciativa
económica privada).
7. Os problemas suscitados pelo conceito de terceiros para efeitos
de registo não constituem inteira novidade na jurisprudência do Tribunal.
Efectivamente, no acórdão n.º 215/2000 (Diário da República, II Série, de 13 de
Outubro de 2000) o Tribunal foi confrontado com um pedido de apreciação de
constitucionalidade de uma interpretação da norma do n.º 1 do artigo 5.º do
Código de Registo Predial (a versão do Código aplicável ao caso aí apreciado era
anterior ao Decreto-Lei n.º 533/99, não existindo o n.º 4 do artigo 5.º) que
corresponde ao conceito amplo de terceiro para efeitos de registo. Nesse
processo, em cujo cerne estava igualmente um conflito de pretensões
incompatíveis entre o adquirente anterior que não registara o respectivo facto
aquisitivo negocial e os adquirentes em venda executiva, havia-se adoptado o
entendimento firmado pelo acórdão n.º 15/97 do Supremo Tribunal de Justiça, com
a consequente prevalência do direito do arrematante. De modo simplificado, uma
solução de sentido oposto àquele que prevaleceu no presente processo.
Posta em causa (pelo primitivo adquirente, naturalmente) a
constitucionalidade dessa solução normativa, o Tribunal respondeu negativamente
com a seguinte fundamentação decisiva:
“12. – Finalmente, alegam os recorrentes que a interpretação feita nos autos, na
medida em nele se dá prevalência à penhora registada em detrimento de uma
aquisição anterior não registada, apesar de aquela ser «a non domino»,
corresponde, de forma indirecta, a uma verdadeira expropriação sem pagamento de
justa indemnização, o que contende com o preceituado no artigo 62º da
Constituição.
Vejamos se assim é, de facto.
12.1. – De acordo com o preceituado no n.º1 do artigo 62º da Constituição, o
direito de propriedade é garantido a todos e bem assim a sua transmissão em vida
e por morte, “nos termos da Constituição”.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República
Portuguesa Anotada”, 3ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 332), “o
direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: (a) o direito de
adquirir bens; b) o direito de usar e fruir dos bens de que se é proprietário;
(c) o direito de os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles.
O direito de propriedade, enquanto direito de não ser privado de bens próprios,
tem natureza análoga aos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando do
respectivo regime específico; porém, não é um direito nem absoluto nem
ilimitado, na medida em que apenas é garantido “nos termos da Constituição”.
O que não obsta a que o direito de propriedade venha a sofrer restrições mais ou
menos profundas, quer por virtude da concretização de limites imanentes quer por
ter de se coordenar com outros imperativos constitucionais ou sempre que entre
em colisão com outros direitos fundamentais. Neste aspecto, o titular do direito
de propriedade apenas goza de forma absoluta da garantia constitucional de não
ser arbitrariamente privado dela e, se o vier a ser, sem que para tal tenha
contribuído, do direito de ser indemnizado.
Ora, no entender dos recorrentes, o que estaria em causa nos autos era o direito
de não serem privados do bem que, no seu entender, lhes pertence, sem o
pagamento de justa indemnização.
É certo que viram o prédio que tinham adquirido, mas cuja aquisição não
registaram, ser penhorado como pertencendo ainda ao vendedor, e depois
sucessivamente arrematado em execuções movidas, primeiro, contra aquele vendedor
(que ainda constava no registo como proprietário) e depois contra o arrematante
judicial, que logo registou a aquisição; subsequentemente, depois de nova
penhora, o prédio veio a ser arrematado pelo Banco, ora recorrido, tendo o Banco
registado também, de imediato, a aquisição judicial.
Na verdade, para além de procurarem ignorar a omissão do registo da aquisição,
que é totalmente imputável aos próprios recorrentes, o que estes contestam é o
aspecto negativo da eficácia do registo de imóveis em relação a terceiros. Este
aspecto pode formular-se do seguinte modo: os factos sujeitos a registo e não
registados não são oponíveis a terceiros. Tais factos só são invocáveis entre as
próprias partes ou seus herdeiros ou representantes; assim, todos os outros
seriam terceiros (artigo 4º do Código de Registo Predial).
O sistema português de registo predial é um sistema de título, em que a produção
do efeito real depende apenas da causa de atribuição e do acordo em que se
estabelece a vontade de atribuir e de adquirir (artigo 408.º, n.º 1 do Código
Civil), pelo que é indispensável um princípio de publicidade compensador da
causalidade (cf. Prof. Dr. Orlando de Carvalho, in “Terceiros para efeito de
registo”, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LXX, 1994, pág,
97-106). Sendo o registo predial português um registo de aquisições, declarativo
e não constitutivo, mera condição de eficácia da aquisição, enquanto não houver
qualquer registo, prevalece a primeira aquisição (artigo 408.º do Código Civil).
Mas, a partir do momento em que se proceda ao registo de uma das aquisições
subsequentes, há que ter em conta o regime de efeitos do registo predial: quem
seja parte num dado negócio de imóveis corre o risco de, com base numa situação
registral anterior, que goza da presunção do artigo 7.º do CRP, ver constituída
e registada em favor de outrem um direito incompatível com o que resulta do seu
negócio e que prevalecerá sobre ele, por beneficiar de registo prioritário.
Assim, pode dizer-se que, se um prédio for comprado a certo vendedor e vier a
ser penhorado em execução contra este vendedor, “a circunstância de a penhora
não ser um acto de transmissão operada pelo executado, isso não obsta a que o
penhorante obtenha um direito contra o executado, direito que pode considerar-se
emanado deste, embora sem a sua intervenção” (Vaz Serra, Revista de Legislação e
de Jurisprudência, Ano 103º, pág. 165).
O registo destina-se a dar publicidade à situação jurídica das coisas imóveis
por forma a conferir segurança ao comércio jurídico imobiliário, pelo que se A,
inscrito no registo como proprietário de determinado prédio, o vende a B sem que
este registe a aquisição, a lei protege aquele a quem A, sem dispor já de
qualquer direito sobre o imóvel, de acordo com a lei substantiva, proceda a nova
venda, se este comprador registar a aquisição em primeiro lugar (neste sentido,
Antunes Varela e Henrique de Mesquita, Rev. Leg. e Jur., Ano 127º, pág. 20/21).
E prosseguem estes comentadores: “Com esta solução, não se pretende punir o
transmitente, por ter feito duas transmissões da mesma coisa, mas sim proteger
aquele que confiou na aparência criada pelo registo” (ibidem, pág. 21).
Igual protecção deve ser assegurada a todos os que adquirem e registam
determinados direitos sem a intervenção do titular inscrito, como no caso da
penhora, por exemplo.
É certo que, de acordo com a Constituição, o direito de propriedade bem como a
sua transmissão em vida ou por morte é garantido “nos termos da Constituição”, o
que significa que tem de se compaginar com outros imperativos constitucionais,
sofrendo as limitações impostas por estas exigências.
No caso em apreço não ocorreu qualquer expropriação de bem imóvel ou uma
qualquer situação que se possa assemelhar a um alegado «confisco».
Do que se trata, è da prevalência que a lei ordinária confere, por efeito do
registo predial, à aquisição registada em contraposição á aquisição anterior não
registada. Nesta prevalência se traduziria, para além da normal eficácia
declarativa do registo predial – ou eficácia consolidativa, na terminologia do
Prof. Carvalho Fernandes (ob. cit., pág. 1306) – a sua relevância aquisitiva.
Será constitucionalmente admissível esta “ablação” da propriedade por virtude do
regime de efeitos do registo predial português?
O registo predial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios,
tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (artigo 1º do CRP),
ou seja dar publicidade aos direitos inerentes àqueles prédios (ou objectos
sujeitos a registo).
O perfeito conhecimento da situação jurídica dos objectos sujeitos a registo é
absolutamente essencial à certeza e segurança do comércio jurídico de imóveis,
segurança jurídica que actualmente subjaz a todo o ordenamento jurídico em que
assenta um Estado de Direito.
De facto, a segurança de que o homem necessita para planear e reger toda a sua
vida de forma responsável e com respeito pelos fins comunitários é um dos
elementos constitutivos do Estado de Direito e que se deduz do artigo 2º da
Constituição.
No caso, esta segurança jurídica tem a ver com o interesse de ordem geral: o
registo, na medida em que confere publicidade e segurança ao acto registado,
está a realizar a certeza e a segurança do direito ou do facto sujeito a registo
e, do mesmo passo, torna seguro o comércio jurídico que possa ter por objecto os
factos ou direitos registados, assim se fomentando também o princípio
constitucional da liberdade de iniciativa económica, reconhecida na Lei
Fundamental após a Revisão de 1997 (artigo 80º, alínea c) da Constituição).
O princípio geral da segurança jurídica ínsito no princípio do Estado de Direito
prevê que qualquer cidadão possa, de antemão, saber que aos actos que praticar
ou negócios que realizar se ligam determinados efeitos, incidentes sobre os seus
direitos, posições ou relações jurídicas decorrentes de normas jurídicas em
vigor, por forma que cada um tenha plena consciência das consequências da sua
actividade (ou da sua omissão) na comunidade.
Este princípio está intimamente relacionado com o princípio da confiança na
medida em que o registo, enquanto constitui publicidade do seu conteúdo, torna
este digno de crédito, isto é, as pessoas, em geral, têm de poder confiar nos
factos constantes do registo.
Por um lado, a segurança registral, quando o registo é definitivo, faz presumir
que o direito existe e pertence ao titular inscrito (admitindo prova em
contrário).
Por outro lado, a segurança jurídica registral visa a protecção de terceiros que
fizeram aquisições confiando na presunção registral resultante do registo
anterior em favor do transmitente.
Assim, o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança que
decorrem do princípio do Estado de Direito democrático constante no artigo 2.º
da Constituição da República Portuguesa credenciam a prevalência registral que
pode favorecer um adquirente «a non domino», na medida em que o princípio da
publicidade que atribui essa prevalência determina a extinção do direito
incompatível.
Não pode, em consequência, concluir-se pela inconstitucionalidade da
interpretação do artigo 5.º do Código de Registo Predial, enquanto considera que
terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido
registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado
por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.
Não pode, por isso, proceder o presente recurso de constitucionalidade.”
8. Será forçoso, a não ser que se enjeite esta fundamentação,
considerar inconstitucional, designadamente por violação dos princípios
constitucionais da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do
Estado de Direito, a opção normativa inversa agora em apreciação, como os
recorrentes parecem sustentar? Decorrerá da Constituição a proibição de que a
lei proteja o adquirente negocial (registralmente) negligente em detrimento do
credor penhorante posterior? E se o conflito for com o adquirente na venda
executiva que confiou na situação tabular?
8.1. O registo predial, di-lo o próprio Código no seu artigo 1.º,
destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios,
tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário. Constitui uma forma
de publicidade racionalizada dos factos susceptíveis de operar mutações na
situação jurídica dos prédios, em ordem a assegurar certeza e segurança no
tráfego jurídico. Trata-se, seguramente, de um daqueles institutos que pode
dizer-se postulado pela necessidade de segurança jurídica que o princípio do
Estado de Direito acolhe.
Como diz Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, 5ª ed., pág. 257), “o homem necessita de segurança para conduzir,
planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida”. Por isso desde
cedo se consideraram os princípios da segurança jurídica e da protecção da
confiança como elementos constitutivos do Estado de direito”. O princípio geral
da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de protecção de
confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm o direito de poder
confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus
direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas
vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no
ordenamento jurídico.
Apontam-se como suas refracções mais importantes, seguindo o mesmo
Autor, as seguintes: (1) relativamente a actos normativos, a proibição de normas
retroactivas restritivas de direitos e interesses juridicamente protegidos; (2)
relativamente a actos jurisdicionais, a inalterabilidade do caso julgado; (3) em
relação a actos da administração, a tendencial estabilidade dos casos decididos
através de actos administrativos constitutivos de direitos.
O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, em inúmeros
acórdãos, que o princípio do Estado de direito democrático (consagrado no artigo
2.º da Constituição) postula “uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e
da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo
de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas
são juridicamente criadas”, razão pela qual “a normação que, por sua natureza,
obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiada opressiva àqueles mínimos de
certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar,
como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser
entendida como não consentida pela lei básica' (cfr., entre outros, o acórdão
n.º 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º vol., pág. 65).
8.2. Há que reconhecer que o problema que agora se apresenta não
corresponde a nenhuma daquelas situações típicas ou refracções em que mais
frequentemente se perspectiva o confronto das normas infra-constitucionais com o
princípio constitucional da segurança jurídica. Designadamente, não está em
apreciação a calculabilidade e previsibilidade da situação jurídica do indivíduo
perante modificações do ordenamento jurídico, mas a própria concepção de um
sector do sistema jurídico – os meios jurídicos ordenados a alertar o público
para as mutações do domínio sobre os bens imóveis – de modo a proporcionar a
segurança do tráfego jurídico imobiliário, isto é, a reduzir o risco para
aqueles que são parte em actos de que resultam mutações (lato sensu, aquisições
ou onerações de imóveis) do domínio sobre imóveis. O que não inviabiliza
absolutamente a consideração do princípio constitucional da segurança jurídica
como parâmetro de tais normas, porque a necessidade de que a ordem jurídica
proporcione aos cidadãos a possibilidade de confiar na estabilidade dos efeitos
dos actos jurídicos que celebraram, ou com que conformaram a sua vida, não surge
apenas quando haja mutações do ordenamento. Aliás, o Tribunal tem invalidado,
com fundamento em violação neste princípio constitucional, normas em que se não
colocam problemas de alterações do ordenamento (v. gr. problemas de
retroactividade ou retrospectividade), mas soluções normativas que considerou em
si mesmas, numa perspectiva estática da ordem jurídica, lesivas do mínimo de
certeza e confiança postuladas pelo princípio do Estado de Direito (cfr., por
último, Acórdão n.º 246/09, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
A expressão “segurança jurídica” é utilizada em vários sentidos para
designar um dos fins ou valores do Direito, dos quais podem destacar-se os
seguintes (Mário Bigotte Chorão, Polis-Enciclopédia Verbo da Sociedade e do
Estado, Vol. V, pág. 646): a) a ordem emanente à existência e funcionamento do
sistema jurídico (segurança pelo ou através do Direito); b) situação de
cognoscibilidade, estabilidade e previsibilidade do Direito, de modo a poder
cada um saber aquilo a que deve ater-se na ordem jurídica (segurança do Direito
ou certeza do Direito); c) salvaguarda dos cidadãos perante o poder do Estado
(segurança perante o Direito).
Os registos públicos costumam ser apontados como um dos factores ou instrumentos
destinados a prosseguir a segurança jurídica naquela segunda acepção,
relativamente à qual importam, no dizer do mesmo Autor, “de um modo geral, os
factores que concorrem para a definição objectiva, precisa e estável do Direito,
quer in abstracto – no plano da normatividade universal – quer in concreto – ao
nível das determinações particulares das situações jurídicas”. Isto é, não só a
certeza quanto ao preordenamento normativo, mas também a certeza quanto à
situação individual e concreta.
Ora, qualquer destas acepções da “segurança jurídica” pode filiar-se
no princípio do Estado de Direito. Mas o seu efeito vinculativo para o
legislador é muito mais ténue quando o que está em causa, a opção normativa que
é acusada de ser lesiva ou de não prosseguir o valor da segurança ou de não
tutelar o investimento na confiança, consista numa escolha entre “modos de ser”
do ordenamento e não em alterações da ordem jurídica que lesem a confiança
depositada na definição normativa anterior à luz da qual se tomaram decisões de
vida. Como é igualmente mais intenso quando a normação versa sobre a actuação
dos poderes públicos no confronto com os cidadãos do que quando a matéria
respeita ao âmbito das relações patrimoniais privadas, que são domínio da
autonomia da vontade e da auto-responsabilidade ou do risco que anda associada
ao seu exercício. Neste âmbito, só as soluções incapazes de se credenciar
normativamente nas condições actuais de vida, designadamente aquelas soluções em
que não seja possível creditar ao legislador o objectivo de realizar o valor de
justiça, com o qual a segurança e a certeza do Direito estão em tensão
permanente (ao menos nas perspectivas epistemológicas, metodológicas e
filosóficas mais correntes), são susceptíveis de invalidação com recurso a este
princípio constitucional.
8.3. Sendo o seu fim primordial assegurar a estabilidade e segurança
do comércio jurídico imobiliário, o instituto do registo predial serve os
interesses comunitários de segurança, fluidez e celeridade do tráfego jurídico,
compensando os riscos de um sistema de constituição e transferência de direitos
reais sobre imóveis fundado na causalidade e na consensualidade, como é o
português. E tem de reconhecer-se que esse resultado seria mais proficuamente
atingido se a oponibilidade, ao credor penhorante e ao subsequente adquirente,
de aquisição por via de negócio com o titular tabular ficasse dependente do
registo. Dito de outro modo, se terceiros para efeitos do artigo 5.º do Código
de Registo Predial não fossem apenas aqueles que adquiriram do mesmo causante
direitos incompatíveis por acto negocial, mas também aqueles cujos direitos
tenham esse causante como sujeito passivo, ainda que por virtude de acto
jurídico não identificável com um acto de vontade do titular inscrito (v. gr.
arresto, penhora, apreensão de bens na insolvência, hipoteca judicial). Foi o
que se reconheceu no acórdão n.º 215/2000.
Todavia, não pode qualificar-se a solução que resulta do conceito
restrito de terceiro para efeitos de registo como arbitrária ou inteiramente
desrazoável face ao sistema de registo predial vigente.
Com efeito, no sistema jurídico português, em que a constituição ou
transferência de direitos reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito do
contrato, nos termos do n.º 1 do artigo 408.º do Código Civil, o registo predial
não é – com excepção da hipoteca (artigo 687.º do Código Civil e artigo 4.º, n.º
2, do Código do Registo Predial) – pressuposto da constituição ou transmissão do
direito cujo facto aquisitivo mediante ele é publicitado. O registo limita-se a
assegurar ao potencial interessado que qualquer transmissão ou oneração que o
titular constante das tábuas do registo haja anteriormente efectuado não lhe
será oponível desde que venha a obter o registo da sua aquisição em primeiro
lugar. O registo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao
titular inscrito (artigo 7.º do Código), mas essa presunção cessa logo que
sobrevenha decisão judicial a declarar que o titular inscrito não era o
verdadeiro dominus. O conceito acomoda-se, usando as palavras de Orlando de
Carvalho (loc. cit., pág. 100) “à parcimónia desta técnica de inscrições e dos
desígnios do sistema declarativo: não a substituição da verdade material por uma
verdade registal ou tabular que, como no sistema Torrens, praticamente a elimina
– por modo que o prédio circula através de um certificado semelhante ao que
entre nós se introduziu com o timesharing –, mas, ao invés, a manutenção das
duas verdades, cada uma com o seu regime e a sua esfera específicos, pois o
registo oferece-se como a imagem possível da situação jurídica do bem, imagem
que nunca se pretende esgotante e nem sequer necessariamente aproximativa, posto
constitua um repositório de dados sempre dignos de atenção pelos interessados na
situação do prédio”.
Este sacrifício da segurança – independentemente do acerto da
interpretação em apreço, que o Tribunal toma como um dado em toda a sua
extensão, e da bondade da opção legislativa em si mesmo – cabe na
discricionariedade legislativa porque encontra justificação no referido
princípio da consensualidade e na natureza declarativa do sistema de registo
predial. Não é possível retirar do artigo 2.º da Constituição, com os princípios
e subprincípios que nele encontram arrimo, a imposição de um dado sistema de
registo ou de regime de constituição e transferência dos direitos sobre imóveis,
podendo o legislador optar por privilegiar a segurança do comércio jurídico,
penalizando o adquirente anterior que tenha sido negligente quanto ao ónus de
efectuar o registo ou, ao invés, dar prevalência à situação substantiva real.
Quando a posição sacrificada é a do credor que vê a penhora, que fez
registar, soçobrar perante a revelação tardia de uma aquisição anterior não
registada, essa justificação é coerente com o facto de ser o património do
devedor – e em princípio apenas esse – que os credores têm o poder de fazer
executar. Respondem pelas dívidas apenas os bens (penhoráveis) que façam parte
desse património no momento da execução, ficando libertos da garantia comum dos
credores os bens entretanto saídos dessa esfera patrimonial. Os bens que façam
parte do património de um terceiro, salvo nos casos especialmente previstos na
lei substantiva (p. ex. no caso de ter sido constituída fiança ou garantia real,
ou de procedência de impugnação pauliana), não podem ser afectos aos fins da
execução. Como o que transfere a titularidade do bem é o negócio e não o registo
(artigos 408.º do Código Civil e 879.º alínea a) do Código Civil), não pode
dizer-se que o exequente que fez penhorar determinado bem, aproveitando o facto
de ainda se encontrar registado em nome do executado, sofra uma lesão da sua
posição substantiva por lhe ser oponível a aquisição anterior não registada.
Sofrerá, quando muito, a perda de oportunidade de nomear outros bens que
porventura integrassem e possam, entretanto, ter deixado de integrar a esfera
patrimonial (penhorável) do executado, mas não a frustração da garantia do
crédito, porque o bem deixou de responder pela dívida a partir do momento em que
saiu da esfera patrimonial do devedor.
A resposta negativa surge com menos evidência quando o confronto é
feito com o adquirente na venda executiva, que é a hipótese normativa em
apreciação no presente recurso. O adquirente em venda judicial, que confia na
situação que o registo patenteava e na actuação do tribunal, não tem ao seu
dispor, na generalidade dos casos, outro meio fiável para se informar sobre a
situação jurídica do prédio. E vê frustrada uma aquisição em que investiu
legitimamente, à luz da presunção de completude e exactidão em que se desdobra a
fé pública registral. Aqui, é mais nítido o sacrifício do valor da segurança
jurídica a que a interpretação em apreço conduz. E a dificuldade está patente na
jurisprudência do próprio Supremo Tribunal de Justiça, em que, mesmo após ter
perfilhado o conceito restrito de terceiros para efeitos de registo e excluído
deste conceito o penhorante, é possível encontrar decisões que consideram
terceiros entre si o adquirente do direito de propriedade por negócio não
registado e o adquirente em processo de execução (p. ex. acórdão de 16/10/2008,
Proc. 07B4396, disponível em www.dgsi.pt/JSTJ).
Porém, ainda aqui a opção do legislador (na interpretação que
prevaleceu no acórdão recorrido, obviamente) não pode ser apodada de
intoleravelmente violadora daquele mínimo de segurança necessária para que os
sujeitos jurídicos possam conduzir, planificar e conformar a sua vida, nem pode
dizer-se que seja uma solução legislativa arbitrária ou destituída de fundamento
racional. A possibilidade de a venda ser inválida ou ficar sem efeito é, afinal,
inerente ao sistema de registo predial instituído, que não garante contra a
invalidade do título, e tem de ser assumida (e não apenas por força do conceito
de terceiro adoptado) como um risco presente no acto de aquisição, sem prejuízo
do direito a indemnização (cfr. artigos 908.º e 909.º do Código de Processo
Civil). Aliás, a venda judicial é acto consequente da penhora, pelo que poderá
afirmar-se que, a ser de outro modo na relação com o adquirente na venda
judicial, sempre o credor exequente acabaria por beneficiar da execução de um
bem que, substantivamente, já não responderia pela dívida.
Entre o adquirente por via negocial que não procedeu ao registo e o adquirente
na venda executiva de um bem que foi penhorado quando não integrava já o
património do executado, o legislador optou por sobrepor a realidade substantiva
àquilo que as tábuas do registo revelam. Na gestão dos riscos, o legislador
optou pela solução que privilegia a justiça, sacrificando a segurança do
comércio jurídico. Entendeu contemporizar com situações de insensibilidade
social ao registo, em vez de reforçar a sua relevância jurídica e económica
prescrevendo que o adquirente que não faça coincidir a situação registral do
prédio com a realidade substantiva sofre as consequências da inércia, como
resultaria da solução oposta. Mas isso é uma opção de política legislativa que
cabe no balanceamento entre a justiça e a segurança cometido ao legislador
democraticamente legitimado, que goza neste domínio de amplíssima liberdade de
conformação.
Em face do que antecede, não se considera violado pela norma em
apreciação o princípio constitucional da segurança jurídica, ínsito no princípio
do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição.
E é manifesto que nenhum contributo podem os recorrentes encontrar
para a posição que defendem nos demais preceitos constitucionais que a este
propósito referem (artigo 3.º e artigo 9.º da CRP). Designadamente, da
consagração, como tarefa fundamental do Estado, do objectivo de garantir a
efectivação dos direitos económicos e sociais mediante a transformação das
estruturas económicas e sociais não pode retirar-se um indirizzo ao legislador
no sentido de consagrar um determinado sistema de registo predial ou uma solução
quanto à oponibilidade dos actos não registados que se tenha por mais compatível
com o desenvolvimento do comércio imobiliário.
9. Alegam, ainda, os recorrentes que a norma em apreciação viola o
artigo 62.º da Constituição. Mas esta é uma arguição manifestamente
improcedente.
Com efeito, a norma em causa não priva nem restringe o âmbito de
nenhuma das componentes que é possível incluir no âmbito da tutela
constitucional da propriedade privada (Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., pág. 802): (a) a
liberdade de adquirir bens; (b) a liberdade de usar e fruir os bens de que se é
proprietário; (c) a liberdade de os transmitir; (d) o direito de não ser privado
deles.
Só nesta última faculdade poderia pensar-se, mas qualquer
desenvolvimento argumentativo com base nela pressupõe uma actuação posterior que
prive o sujeito de um direito que a ordem jurídica lhe tenha anteriormente
reconhecido. Ora, a norma em causa limita-se a estabelecer o critério para
determinação de quem é o titular do direito de propriedade sobre determinado
bem, ou melhor, a estabelecer o critério para resolver o conflito entre títulos
de aquisição incompatíveis. Conduz a que ao adquirente na venda executiva
posterior a uma aquisição negocial não registada não seja reconhecido o direito
de propriedade sobre determinado bem em confronto com o primeiro adquirente.
Assim, o segundo adquirente não pode dizer-se privado do direito de propriedade
porque não chega a adquiri-lo.
10. Por último, alegam os recorrentes que a norma em apreciação
viola a segurança e a confiança que devem ser garantidos pelo registo predial à
comunidade em geral quanto à situação jurídica dos bens imóveis, essencial à
plena eficácia do princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica.
O preceito constitucional invocado a este propósito pelos
recorrentes (artigo 80.º, alínea c) da CRP) garante a liberdade de iniciativa e
de organização empresarial no quadro de uma economia mista, reiterando a
liberdade de iniciativa económica estabelecida no artigo 61.º da Constituição.
Ora, a norma sob apreciação em nada contenda, directa ou indirectamente, com o
regime de qualquer destas “liberdades”. Pode essa opção legislativa tornar os
negócios imobiliários menos seguros e menos atractivos para o público
destinatário da publicidade registral e, com isso, afectar o desenvolvimento da
actividade empresarial que consista ou envolva a constituição ou transferência
de direitos sobre imóveis ou, até, a actividade económica em geral na medida em
que torna menos certo o juízo dos potenciais credores sobre a situação real do
devedor e a consequente avaliação do risco creditício. Mas essa hipotética perda
de eficiência económica em nada contende com o livre exercício de actividade
económica nesse domínio. Juridicamente, a norma em causa não restringe nem
sequer condiciona a liberdade de iniciar e desenvolver qualquer actividade
económica (liberdade de criação de empresa, liberdade de investimento, liberdade
de estabelecimento), nem a liberdade de organização, gestão e actividade da
empresa, matérias que são absolutamente estranhas ao seu conteúdo dispositivo.
11. Por tudo o exposto, improcede o recurso, não se julgando
inconstitucional a norma do n.º 4 do artigo 5.º do Código do Registo Predial,
interpretado no sentido de que o adquirente de um imóvel em venda judicial
efectuada em processo de execução não é 'terceiro para efeitos de registo',
relativamente a um adquirente a quem o executado o haja vendido, anteriormente
ao registo da penhora, mas que não tenha registado a aquisição, que não viola
qualquer das regras e princípios constitucionais invocados pelos recorrentes.
III- Decisão
Pelo exposto decide-se:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Condenar os recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em
25 ( vinte e cinco) UC.
Lx., 8/7/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha (vencido de acordo com a declaração de voto em anexo)
Gil Galvão
DECLARAÇÃO DE VOTO
No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 215/2000, concluiu-se pela não
inconstitucionalidade da interpretação do artigo 5.º do Código de Registo
Predial, enquanto considera que terceiros, para efeitos de registo predial, são
todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio,
veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não
registado ou registado posteriormente, assim se entendendo como não
constitucionalmente desconforme uma solução normativa que dê prevalência, por
efeito do registo predial, à aquisição registada em contraposição à aquisição
anterior não registada ou registada posteriormente. No presente acórdão, o
Tribunal opta ainda pela não inconstitucionalidade da interpretação normativa
inversa que, partindo de um conceito restrito de terceiro, para efeito de
registo predial, permite fazer prevalecer a posição do adquirente que não
registou a transmissão em relação àquele que adquiriu o imóvel posteriormente,
em venda judicial, e efectuou o registo.
Neste último caso, o Tribunal baseou-se essencialmente na natureza não
constitutiva do registo predial e na liberdade de conformação que haverá de
atribuir-se ao legislador quanto à escolha dos interesses a que convirá dar
preferência, no confronto entre a realidade substantiva e a publicidade do
registo.
Pelos contornos do caso concreto, não pode deixar de reconhecer-se, no entanto,
que estão aqui presentes dois relevantes aspectos do princípio da segurança
jurídica: a estabilidade e previsibilidade do sistema jurídico; a protecção da
confiança dos cidadãos relativamente à acção dos órgãos do Estado.
Embora não seja possível retirar directamente da Constituição, e especialmente
do princípio da segurança jurídica ínsito no seu artigo 2º, a imposição de um
sistema de registo predial de eficácia constitutiva e que permita em todas as
circunstâncias conferir protecção àquele que confiou na aparência do registo, o
certo é que o legislador implementou um sistema de registo que se destina a dar
publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do
comércio jurídico imobiliário (artigo 1º do Código de Registo Predial), que é
oponível a terceiros (entendidos como sendo aqueles que tenham adquirido de um
autor comum direitos incompatíveis entre si - artigo 5º, n.º 4), e que constitui
presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito (artigo 7º).
Tal como o sistema foi positivado, é de esperar que os cidadãos possam confiar
nos factos constantes do registo, sendo que, para além do mais – como se
reconheceu no citado acórdão n.º 215/2000 – o perfeito conhecimento da situação
jurídica dos factos sujeitos a registo é, em si mesmo, essencial à certeza e
segurança do comércio jurídico de imóveis, e, como tal, um valor que deve ter-se
como subjacente ao ordenamento jurídico em que assenta um Estado de Direito.
É dificilmente aceitável, neste contexto, que em situações objectivamente
equivalentes e que merecem idêntica tutela do direito, como sucede quando se
constituam direitos incompatíveis sobre o mesmo prédio por alienação voluntária
do titular inscrito ou por alienação coerciva em processo executivo, o
legislador possa dispor de ampla discricionariedade na definição do regime de
publicidade do registo, de modo a que possa optar, sem qualquer censura
constitucional, por soluções jurídicas opostas entre si, em termos de ser
permitido sobrepor, num caso, o interesse da verdade tabular e, noutro, o
interesse da verdade material (com sacrifício da segurança jurídica).
E não pode perder-se de vista, na situação em apreço, que o acto aquisitivo
através do qual o interessado obteve direitos conflituantes sobre o mesmo prédio
foi realizado no âmbito de um processo jurisdicional, sob o controlo e a
direcção de um juiz, em vista não apenas do interesse do credor exequente que
tomou a iniciativa do impulso processual, mas também da realização da função
estadual de administração da justiça.
Afigura-se, assim, que a interpretação normativa sindicada poderá pôr em causa o
princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, no ponto em
que afecta expectativas legítimas do interessado no tocante à previsibilidade do
sistema jurídico de registo predial e à conformidade dos actos praticados sob a
égide da autoridade pública, pelo que com esses fundamentos teria concedido
provimento ao recurso.
Carlos Fernandes Cadilha