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Processo n.º 309/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério
Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do
recurso, com fundamento no seguinte:
«[…] 3. Não estando o Tribunal Constitucional vinculado à decisão do tribunal a
quo que admite o recurso (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e verificando-se que,
neste caso, não estão reunidos os pressupostos necessários ao conhecimento do
objecto do recurso, profere-se decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1
do artigo 78.º-A da LTC.
Pretende o recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a
inconstitucionalidade da norma do artigo 39.º, n.º 2, do Plano Director
Municipal de Olhão da Restauração (ratificado pelas Resoluções do Conselho de
Ministros n.º 50/95, de 31 de Maio, e n.º 143/97, de 20 de Agosto), por violação
do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição (ponto 1. das conclusões do requerimento
de interposição do recurso).
Independentemente de se saber se o recorrente cumpriu o ónus de delimitação do
objecto do recurso, identificando a norma ou interpretação normativa que reputa
inconstitucional, a verdade é que a suposta questão de constitucionalidade não
foi suscitada junto do tribunal recorrido, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Afirma o recorrente que suscitou tal questão no requerimento em que pede a
aclaração do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 03.02.2009. Sem
prejuízo de o requerimento de aclaração já não ser o momento atempado para
suscitar a questão de constitucionalidade (salvo circunstâncias excepcionais,
que aqui não se verificam), o certo é que em tal requerimento o recorrente não
suscitou qualquer questão de constitucionalidade. Limitou-se a imputar a
violação do princípio da legalidade à própria decisão objecto de aclaração
(ponto 19. do referido requerimento). Em momento algum enuncia uma norma,
aplicada na decisão recorrida, para depois a pôr em confronto com a
Constituição.
Não pode, assim, ser admitido o presente recurso.
4. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do recurso.[…]»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, concluindo o seguinte:
«[…] 1. A inconstitucionalidade invocada prende-se com a aplicação judicial de
duas normas, a saber, do art.º 39.º, n.º2, do antigo PDM de Olhão ou do art.º
24.º E do novo PDM de Olhão, tendo o Recorrente expressamente referido que
qualquer dessas duas normas não poderia subsistir como base e fundamento da sua
condenação, pois a sua aplicação em concreto feriria o Princípio da Legalidade,
consagrado Constituição da República Portuguesa, no seu art. 29.º, n.º1.
2. Deseja, ainda, o Recorrente explanar, que a decisão em si mesma não é
inconstitucional, nem foi esse o seu objectivo (como se pode apreender do
requerimento de aclaração e dos fundamentos supra expostos) alcançar; quis o
Recorrente expressar e invocar, apenas e tão só, a inconstitucionalidade das
normas (uma ou outra) que serviram de base da fundamentação da decisão recorrida
e à condenação do Recorrente, o que deve ser trazido à sensível ponderação de
Vossas Excelências, que prezam pela protecção da Constituição e agem como seus
supremos guardiães. - (Cfr. pontos 14, 15, 16, 17 e 18, todos do requerimento de
Aclaração).
3. Quanto ao entendimento de que o requerimento de aclaração não é o momento
atempado para suscitar a questão de constitucionalidade, entende o Recorrente
que é o momento adequado, lógico no momento processual ideal e o momento
atempado.
Senão vejamos:
4. Resulta do disposto na al. b), do n.º 1, do art. 380.º, do Código de Processo
Penal (ex vi o art. 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro) que o
Tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença
quando a mesma contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação
não importe modificação essencial.
5. O fundamento da aclaração residiu na obscuridade e ambiguidade da norma
aplicada quanto à violação do PDM de Olhão.
6. O requerimento de aclaração foi apresentado dentro do prazo de 10 dias, isto
é, a decisão recorrida não havia ainda transitado em julgado (apesar de não
haver outra possibilidade de recurso para os tribunais judiciais, salvo a de
recurso para o Tribunal Constitucional).
7. Quer isso dizer que não estava findo o poder jurisdicional dos juízes
intervenientes do processo, podendo os mesmos corrigir (ou mesmo alterar) a sua
fundamentação e/ou decisão, desde que não importasse modificação essencial.
8. Dispõe o art. 666.º do Código de Processo Civil (aplicável por força do art.
4.º do Código de Processo Penal) que proferida a sentença fica imediatamente
esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa, sendo, porém,
lícito, rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas
existentes na sentença e reformá-la nos termos dos arts. 667.º e ss. do C.P.C..
9. Logo, significa isto que não se encontrava esgotado o poder jurisdicional do
juiz, sendo por isso também lícita e oportuna a invocação da
inconstitucionalidade no requerimento de Aclaração mencionado.
10. Assim já se pronunciou este próprio Tribunal Constitucional acerca da
tempestividade da invocação da constitucionalidade em requerimento de aclaração,
como consta do Acórdão 00000702, de 12.06.86, em que foi deste modo decidido:
“I - A reclamação por nulidades deduzida contra a decisão final proferida na
causa não e meio processual idóneo, nem tempestivo, para suscitar a questão da
constitucionalidade de normas jurídicas em ordem a utilização subsequente do
recurso previsto no artigo
280, n.º1, alínea b) da Constituição, excepto se nessa reclamação se arguir a
constitucionalidade de normas relevantes para a decisão de questões sujeitas
ainda ao poder da jurisdição do Tribunal, como serão as questões processuais
autonomamente postas em tal reclamação.
II - Estando-se perante um requerimento em que se consubstanciou um pedido de
'aclaração' do acórdão recorrido, um pedido que era processualmente admissível e
legitimo, segue-se, nos termos do artigo 686, n.º1, do Código de Processo Civil,
que a respectiva apresentação protraiu para a data em que o recorrente foi
notificado da decisão sobre ele proferida o inicio do prazo para interpor
qualquer eventual recurso daquele acórdão, nomeadamente para o Tribunal
Constitucional.” (sublinhado nosso)
11. Assim, e pelo já supra referido, a decisão recorrida, com ambiguidade e
obscuridade, não referiu expressamente qual a norma através da qual condenava o
Recorrente pela violação ao PDM de Olhão, tendo sido necessária a formulação do
requerimento de aclaração para o conhecimento concreto de tal norma.
12. Nesse mesmo requerimento de Aclaração foi invocada a inconstitucionalidade
da aplicação concreta de uma ou de outra norma (da revogada ou da norma nova),
já que os efeitos de uma ou da outra não trariam modificação essencial à decisão
recorrida, pelo que a aplicação de qualquer dessas normas seria sempre
inconstitucional.
13. Assim, o requerimento de Aclaração apresentado pelo Recorrente tinha como
objecto o esclarecimento de questões jurídicas ainda sujeitas ao poder
jurisdicional do Tribunal, pelo que o mesmo poderia ter aclarado, nomeadamente
no sentido de ter como base e fundamento da condenação, não a norma revogada,
mas a norma nova com vigência para o futuro.
14. Pelo que, entende o Recorrente, o recurso interposto foi tempestivo e
atempado à questão da constitucionalidade invocada quanto às duas normas legais
supra referidas por violação do art.º 29.º, n.º1, da Constituição da República
Portuguesa.
Assim, diante dos fundamentos supra expostos, o Recorrente requer,
respeitosamente, que seja dado provimento a esta sua Reclamação para a
Conferência deste Venerando Tribunal Constitucional, e que, consequentemente,
seja ordenado o conhecimento do seu Recurso, como é deveras o sentido da Lei e
se revela em concreto como manifesto imperativo da melhor e mais sensata
JUSTIÇA!»
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
apresentou resposta nos termos seguintes:
«1.º
Tem razão o reclamante quando afirma que não poderia ter suscitado a questão de
inconstitucionalidade na motivação do recurso para a Relação, porque o
Regulamento n.º 15/2008, de 10 de Janeiro, entrou em vigor posteriormente à
apresentação daquela motivação.
2°
Foi efectivamente num requerimento autónomo (fls. 1291 a 1304) que ele veio
colocar a questão da punibilidade, face à revogação, por aquele diploma, da
norma sancionatória ao abrigo da qual tinha sido sancionado.
3º
Ora, assim sendo, esse tinha sido o momento processual adequado para suscitar a
questão de inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada, pois a
Relação teria podido pronunciar-se, como se pronunciou, considerando que a
conduta, face aquela alteração legislativa, continuava a ser punível.
4º
Portanto, não tem razão o reclamante quando afirma que apenas teve oportunidade
de o fazer no pedido de aclaração do Acórdão da Relação.
5º
Por outro lado, parece-nos evidente que não se está perante qualquer
inconstitucionalidade normativa, conclusão que, aliás, a reclamação não só põe
em causa como acaba por confirmar (vd., vg., a seguinte afirmação: “a sua
aplicação [das normas] em concreto feriria o Princípio da Legalidade consagrado
na Constituição. (fls 1600)).»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do
objecto, com fundamento na falta de suscitação adequada e atempada, perante o
tribunal recorrido, da questão de constitucionalidade.
Diga-se, desde já, que a decisão reclamada é de manter.
Por um lado, porque o pedido de aclaração do acórdão do Tribunal da Relação de
Évora já não era o momento para suscitar atempadamente tal questão. Como bem
refere o Ministério Público na sua resposta, o reclamante podia − e devia − ter
colocado a questão de constitucionalidade no requerimento autónomo onde invocou
a revogação, pelo Regulamento n.º 15/2008, do artigo 39.º do PDM de Olhão da
Restauração (cfr. fls. 1292/1306 dos autos). Pelo que não se mostra atempada a
suscitação da questão apenas em sede de aclaração do acórdão recorrido.
Mas independentemente disso, sempre se mostrariam não verificados os
pressupostos do recurso, na medida em que o reclamante não suscitou qualquer
questão de constitucionalidade normativa, idónea a constituir objecto de um
recurso de constitucionalidade. No citado pedido de aclaração o reclamante não
enunciou qualquer norma ou interpretação normativa, aplicada pela decisão
recorrida, para depois a pôr em confronto com a Constituição. Limitou-se a
afirmar que a “decisão violará claramente o princípio da legalidade” (ponto 19.
do pedido de aclaração). O que acaba por ser confirmado pelo teor da presente
reclamação, como também salienta o Ministério Público. Na verdade, o reclamante
afirma ter invocado que “qualquer dessas duas normas não podia subsistir com
base e fundamento da sua condenação, pois a sua aplicação em concreto feriria o
princípio da legalidade”. Ou seja, o próprio reclamante admite ter questionado a
constitucionalidade da aplicação da norma ao caso concreto e não da norma ou de
uma dimensão normativa.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 8 de Julho de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos