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Processo nº 164/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são
reclamantes A. e outro e são reclamados B. e outros, vêm os primeiros reclamar,
ao abrigo do nº 4 do artigo 76º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 18 de Novembro de 2008, que não
admitiu recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2. Em 11 de Maio de 2005, os ora reclamantes requereram o prosseguimento dos
autos de inventário nos termos e para os efeitos de arrolamento, e nos termos do
testamento, por falta de legitimidade dos interessados oponentes, para
levantarem a questão da ofensa à legítima após aceitação dos termos do
testamento pela C., e após terem pago o imposto sucessório nesse pressuposto e
em concordância com as declarações dela (fl.160 e ss.).
Por despacho de 15 de Julho de 2005, entendeu-se que o processo de inventário
não prevê a possibilidade de apresentação de “articulado superveniente” e que os
factos alegados pelos requerentes não têm a virtualidade de conduzir às
conclusões pretendidas por aqueles, acrescendo que a questão em causa já foi
decidida por despacho transitado em julgado. Os requerentes interpuseram recurso
de agravo desta decisão.
Após vicissitudes processuais várias, o Tribunal da Relação de Lisboa acordou,
em 25 de Outubro de 2007, em julgar totalmente procedente o agravo e revogar o
despacho recorrido para que os autos prosseguissem em conformidade com o
decidido. Foram então interpostos dois recursos para o Supremo Tribunal de
Justiça.
3. Em 27 de Maio de 2008, o conselheiro relator proferiu despacho onde se lê,
entre o mais, o seguinte:
«(…) o recorrente B. não apresentou quaisquer alegações pelo que, nos termos do
disposto nos arts.2921°, n°2 e 690°, n°3 do CPCivil se julga deserto o recurso
por si interposto, com custas a cargo dele, recorrente.
Por sua vez,
os recorridos A. e D. reatam, nas suas contra-alegações às alegações
apresentadas pela recorrente E. a fls.455, a questão da inadmissibilidade do
recurso, de novo pelas questões da sucumbência e da falta de identificação dos
fundamentos do recurso.
É preciso enfrentá-las para dizer:
quanto à primeira, que a questão está já resolvida em definitivo com o trânsito
em julgado do despacho de fls.261 que fixou em 9 975,96 euros ( aliás a
requerimento dos ora recorridos A. e D.) o valor do processo para efeitos de
recurso, deste recurso, fazendo valer ainda que de forma implícita ( mas sem
reacção dos aqui recorridos) a norma da parte final do n°1 do art.678° do
CPCivil – em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência,
atender-se somente ao valor da causa;
quanto à segunda que as alegações contêm a indicação precisa das normas que se
pretendem violadas, as dos arts.2165° e 2056° do CCivil.
A questão é, então, uma questão de direito (e não de facto) – não se trata
apenas de procurar uma vontade factual, ainda que deduzida de determinados
factos ou da interpretação deles, mas de saber qual o significado jurídico, de
direito, de factos que se têm por assentes.
E o recurso é assim admissível, exactamente porque o direito que se pretende
violado é direito substantivo, não direito processual.
Mas isto significa que o recurso próprio é não o de agravo, como foi decidido,
mas o de revista porque – art.721°, n°1 do CPCivil – cabe recurso de revista do
acórdão da relação que decida do mérito da causa.
Ao decidir da questão da natureza do(s) legado(s) e da aceitação dele(s) e das
respectivas consequências, o acórdão da Relação está a decidir do mérito.
Por isso é que o recurso é admissível, é admissível como revista, e por isso
também, transitado este despacho, deve proceder-se à correcção da espécie do
recurso. Seguirá como revista, com efeito meramente devolutivo».
Em 20 de Junho de 2008, foi lavrada cota que documenta a alteração da espécie do
recurso – de agravo para revista. Conclusos os autos, o relator determinou que
os mesmos fossem aos vistos, após consignar que “nada parece agora obstar ao
conhecimento do recurso – de revista – interposto”.
4. Por acórdão de 2 de Outubro de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu a
revista e revogou o acórdão recorrido, indeferindo o requerimento de 11 de Maio
de 2005. Desta decisão importa aqui transcrever o seguinte:
«O que temos então, desde logo, é que não temos um qualquer legado em
substituição da legítima da já falecida C., tal como o define o n°1 do art.2165°
do CCivil.
A falecida C. não é então, a um único tempo, ou herdeira (legitimária) ou
legatária, mas antes como sugestivamente se escreve no acórdão de 26 de Outubro
de 2000, a sua posição sucessória é bifronte, isto é, ela assume os títulos
sucessórios de herdeira legitimária e de legatária.
Ela soma à sua condição de herdeira legitimária (à sua legítima) a sua condição
de legatária (os legados).
Ver-se-á até que ponto ou em que medida essa legítima poderá ser afectada pelas
disposições testamentárias do de cujus sabido como é que a legítima é
exactamente – art.2156° do CCivil – a porção de bens de que o testador não pode
dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários.
Esta mesma é uma preocupação - inicial – dos próprios requerentes do inventário
que, como acima se transcreveu, escrevem na sua petição que os bens deixados aos
ora requerentes não ofenderam a legítima da C..
E que – eles próprios também – aceitam que do que se trata não é de saber se a
C. é herdeira legitimária (aceitando a legítima e perdendo os legados) ou
legatária (aceitando os legados e perdendo a legítima), tudo conforme o que
resultaria do n°2 do art.2165° do CCivil, mas de afirmar a sua condição de
legatária e herdeira - os herdeiros da legatária, herdeira legitimária, C.!
Esta é, pois, uma questão ultrapassada.
Ultrapassada porque está decidida com trânsito em julgado, ultrapassada também
porque ontologicamente está antes, definitivamente antes, de qualquer gesto ou
atitude da C. em relação ao património do de cujus.
(E por isso mesmo é que este STJ, no acórdão de fls.360 a 369, considerou que a
situação agora em recurso não era de caso julgado.
O que estava em causa não era – não é – saber o sentido e alcance da disposição
testamentária do falecido F. em favor da C. – esse estava já decidido – mas
saber se os factos praticados pela C. (e secundados pelos seus herdeiros) junto
da administração fiscal têm o sentido de aceitação dos legados que os
requerentes lhes querem dar e que a verificação do cofre alugado por F. no
Montepio Geral e o levantamento de dinheiro de contas bancárias lhes não deu.
Com trânsito em julgado.
Mas a verdade é que aceites ou não a herança e os legados, esse facto não tem
como efeito a impossibilidade de, em inventário adrede instaurado, o herdeiro
legitimário não poder arguir de inoficiosas as liberalidades que nele se
verifique atingirem a sua legítima.
Aceite a herança, numa aceitação pura e simples, «tal não significa – escreve
Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, volume II, 2°
edição, Coimbra Editora, pág.25, nota 569 – porém que mais tarde, após a
aceitação pura e simples, não possa o herdeiro requerer inventário ou intervir
em processo pendente, só que então não poderá prevalecer-se do regime de
responsabilidade por dívidas previsto no n°1 do art.2071° do CCivil, apenas
poder obter os outros efeitos do inventário ».
Poder, por exemplo, usar o direito que lhe confere o disposto nos n°s l e n°2 e
n°3 do art.1366 do CPCivil – 1. se algum interessado declarar que pretende
licitar sobre bens legados, pode o legatário opor-se nos termos do n°4 do artigo
anterior.
2. Se o legatário se opuser, não tem lugar a licitação, mas é lícito aos
herdeiros requerer a avaliação dos bens legados quando a sua baixa avaliação
lhes possa causar prejuízo.
3. Na falta de oposição por parte do legatário, os bens entram na licitação,
tendo o legatário direito ao valor respectivo.
É o que a lei determina e o que se compreende: o herdeiro não pode estar e não
estar no inventário ao mesmo tempo.
Se está no inventário, estará com os direitos e deveres que o próprio processo
lhe oferece.
A aceitação dos legados por parte da C. não lhe rouba a aceitação da herança e
concretamente da quota legitimária.
O seu direito à legitima coabita com os legados de que beneficia.
E persiste na sua natureza inatingível.
Os mecanismos de verdade na defesa dessa inatingibilidade são os mecanismos
processuais já referidos, que permitem impor aos vários interessados o
verdadeiro valor das liberalidades; a forma substantiva como se reduzem as
várias liberalidades até ao limite do atingível são aquelas que vêm definidas
nos arts.2169° e segs. do CPCivil.
E através de uns e outros se chegará ao desiderato ansiado pelos requerentes do
inventário na sua petição inicial – o de que os bens deixados aos ora
requerentes não ofenderam a legítima da C..
Aceitar os termos do testamento não tem o significado jurídico pretensamente
inerente de renunciar ao direito de arguir inoficiosidades.
O testamento, qualquer que ele seja, não está para além da legítima.
Aceitá-lo é apenas aceitá-lo.
E não veda ao herdeiro legitimário o direito de, aceitando-o, corrigi-lo se
necessário for, para que não atinja o que é o seu direito – a legítima.
Não é mais do que isso apresentar-se a C., enquanto cabeça de casal, a cumprir a
obrigação legal de participação do óbito. Não seria mais do que isso pagar o
imposto de que desde logo se julgasse a C. devedora, se acaso tivesse sido ela a
pagá-lo
Isto é assim mesmo na hipótese de aceitação dos legados pela C.... com a sua
conduta perante a administração fiscal, como se vem dizendo.
E por maioria de razão o será se essa conduta não tiver o significado da
imediata aceitação pura e simples e a verdadeira aceitação tenha sido apenas
aquela que está a exercitar no presente inventário.
E é isto o que acontece, aqui.
Quando a C. se apresenta perante a administração fiscal a cumprir aquilo que é
uma obrigação de qualquer cabeça de casal – participar, no prazo legal, o óbito
do de cujus – ela está a fazer apenas isso mesmo, a cumprir uma obrigação legal.
Sem que daí se possa tirar, como efeito jurídico necessário, que está a aceitar
de forma pura e simples a herança nem muito menos que esteja, com esse acto, a
renunciar ao direito de reduzir liberalidades que conhece porque conhece o
testamento.
Isto mesmo, aliás, é a posição de princípio dos próprios requerentes que, como
se disse e repetiu, têm o cuidado de dizer que os bens deixados aos ora
requerentes não ofenderam a legítima da C..
O acto da C. perante a administração fiscal é apenas isso, um acto de um
administrado perante a administração. Um acto de administração.
E – n°3 do art.2056° do CCivil – os actos de administração praticados pelo
sucessível não implicam aceitação tácita da herança.
A ela, à C., só este acto pode ser imputado.
E não pode por isso fazer retrotrair ao momento da sua declaração uma conduta
que se não sabe se ela iria ou não ter.
A sua declaração em 13 de Junho de 1993 não tinha o significado jurídico de uma
aceitação de herança ( e só neste domínio a questão vem colocada).
Faria ela, posteriormente, uma outra declaração (pagando o imposto) da qual se
pudesse deduzir uma vontade de renunciar à arguição de inoficiosidades?
E se o fez, ainda que através de sucessores seus, quando o fez? Em que data? Em
24 de Maio de 2005 ou em que data anterior? Antes ou depois da propositura do
inventário em 23 de Setembro de 1997?
O requerimento de fls. 160, que acima se transcreveu, tem que ser indeferido.
O inventário prosseguirá nos termos que já resultam do trânsito em julgado do
acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Outubro de 2000».
5. Deste acórdão foi interposto o presente recurso ao abrigo da alínea b) do nº
1 do artigo 70º da LTC. Por despacho do conselheiro relator, os então
recorrentes foram convidados a indicar os elementos exigidos pelos nºs 1 e 2 do
artigo 75º-A da LTC.
Responderam que pretendiam a apreciação das normas:
«do artigo 675 e 678 n° 1, ambas do Código de Processo Civil, com a
interpretação dada pelo Acórdão de que se pretende recorrer, no sentido de não
ter de haver que apreciar a existência de caso julgado senão à luz do decurso do
prazo de interposição de recurso ou de reclamação».
6. O recurso de constitucionalidade não foi admitido pelo despacho agora
reclamado, com o seguinte fundamento:
«Acontece que o acórdão de fls.506 a 526 nem de perto nem de longe bole com as
normas citadas, que não aplica nem deixa de aplicar [normas dos «arts.675° e
678°, n°1, ambas do CPCivil, com a interpretação dada pelo acórdão de que se
pretende recorrer, no sentido de não haver que apreciar a existência de caso
julgado senão à luz do decurso do prazo de interposição de recurso ou
reclamação»].
A questão da admissibilidade do recurso havia já sido tratada, antes, no
despacho de fls.484 que aí sim levou em conta o disposto no art.678°, n°1 do
CPCivil e que os ora recorrentes deixaram transitar em julgado. E com fundamento
no qual não levantaram qualquer questão de inconstitucionalidade, como aliás o
não haviam feito antes da sua prolação».
7. Os recorrentes vêm agora reclamar deste despacho, nos termos e com os
fundamentos seguintes:
«Da admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Foram repetidamente cumpridas as formalidades atinentes à admissão, no
requerimento de interposição, e, a convite do Exmo. Juiz Conselheiro Relator.
O caso julgado é do conhecimento oficioso (artigo 494 alínea i) e 495, ambos do
C. P. C.).
O pronunciamento dos ali recorridos que aqui transcrevemos, suscitou as
inconstitucionalidades relacionando-as com a violação de caso julgado.
A decisão que não admite o recurso para o Tribunal Constitucional diz que não
aplica nem deixa de aplicar as normas suscitadas como inconstitucionais, segundo
a interpretação dos recorridos, que aqui pretendem recorrer.
Porém, salvo o devido respeito, não é a subjectividade do julgador (e não é só
um o Julgador, quem decide e quem deve interpretar o decidido, se fosse o caso
de prevalecer a interpretação subjectiva) que importa considerar, mas o sentido
objectivo da decisão.
Suscitou-se que o recurso não devia ser admitido e que a ser admitido, como foi
entendido deveria sê-lo, pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator, importava aplicar
o artigo 675 do C. P. C., segundo uma interpretação conforme com a constituição,
deste último e do artigo 678 nº 1, ambos do C. P. C.
A questão da existência de respeito por caso julgado com as consequências
previstas no artigo 675 do C. P. C., não podia deixar de ter em consideração o
suscitado, quer pelo Exmo. Relator, quer pelos Exmos. Conselheiros adjuntos –
nomeadamente pelo facto de constituir um dever do conhecimento oficioso.
E tendo-o sido, como não podia deixar de ter sido, por todos os subscritores do
acórdão, a interpretação foi no sentido inconstitucional, porque a primeira
decisão transitada não foi a proferida sobre o despacho de folhas 484, mas a da
Veneranda Relação de Lisboa, indevidamente, portanto, revogada, como se
suscitou.
Deve cumprir-se em primeiro lugar a decisão transitada e era isso que deveria
ter sido decidido perante o suscitado uma vez que se entendeu do suscitado que
não havia que levar o processo à conferência sobre essa questão».
8. Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou pela forma seguinte:
«A decisão recorrida, ao limitar-se a apreciar o mérito do recurso interposto
por E., não aplicou, porque elas nem sequer eram convocáveis, as normas do
artigo 675º e 678º, n.º 1 do Código de Processo Civil, cuja
inconstitucionalidade, os reclamantes pretendem agora ver apreciada pelo
Tribunal Constitucional.
A terem sido aplicadas tais normas, foram-no no despacho de 27 de Maio de 2008
(fls 484 a 486).
Esse despacho não foi impugnado, tendo, portanto, transitado.
Acresce que em momento anterior a ser proferido aquele despacho, quando
apresentaram resposta à interposição de recursos, os reclamantes questionaram a
sua admissibilidade, mas não suscitaram qualquer questão de
inconstitucionalidade, podendo tê-lo feito (fls 438 e 439).
Pelo exposto, deve a reclamação ser indeferida».
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos, foi interposto recurso do acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 2 de Outubro de 2008, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
LTC, para apreciação das normas dos artigos 675º e 678º, nº 1, do Código de
Processo Civil, interpretados no sentido de não haver que apreciar a existência
de caso julgado senão à luz do decurso do prazo de interposição de recurso ou
reclamação. O recurso de constitucionalidade não foi admitido com fundamento na
não aplicação das normas cuja apreciação foi requerida.
Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto é a aplicação
pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma indicada no requerimento
de interposição, peça processual que define o objecto do recurso (artigo 75º-A,
nº 1, da LTC). Analisada a decisão recorrida – o acórdão de 2 de Outubro de 2008
–, é de concluir, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou, como
razão de decidir, os artigos 675º e 678º, nº 1, do Código de Processo Civil,
interpretados no sentido de não ter de haver que apreciar a existência de caso
julgado senão à luz do decurso do prazo de interposição de recurso ou de
reclamação.
Decorre do acórdão recorrido que o que o mesmo decide é a questão de saber se a
aceitação de legado por parte de herdeiro legitimário tem como efeito a
impossibilidade de, em inventário adrede formulado, o mesmo não poder arguir de
inoficiosas as liberalidades que nele se verifique atingirem a sua legítima.
Respondendo negativamente a esta questão e entendendo que, no caso, nem sequer
havia aceitação dos legados, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o
requerimento de 11 de Maio de 2005 (fl. 160 e ss. – ponto 2. do Relatório) e,
consequentemente, concedeu a revista e revogou o acórdão recorrido, determinando
o prosseguimento dos autos nos termos em que ficaram definidos no acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Outubro de 2000, designadamente ficando
em aberto a questão da eventual inoficiosidade dos legados e da possibilidade da
sua arguição no tempo e no modo e com os efeitos fixados na lei de processo.
É certo que consta do texto do acórdão recorrido a expressão “caso julgado”, mas
tal ocorre estritamente para o efeito de ser delimitado o objecto da revista.
Como o requerimento de 11 de Maio de 2005 correspondeu à apresentação de um
“articulado superveniente”, quando já havia sido decidida, por acórdão já
transitado em julgado (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Outubro
de 2000), que C. tinha a posição sucessória de legatária e de herdeira
legitimária, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que:
«O que estava em causa não era – não é – saber o sentido e alcance da disposição
testamentária do F. em favor da C. – esse estava já decidido – mas saber se os
factos praticados pela C. (e secundados pelos seus herdeiros) junto da
administração fiscal têm o sentido de aceitação dos legados que os requerentes
lhes querem dar e que a verificação do cofre alugado por F. no Montepio Geral e
o levantamento de dinheiro de contas bancárias lhes não deu. Com trânsito em
julgado».
De resto, a questão da existência ou da inexistência de caso julgado foi
decidida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 (fl.
363 e ss.) – transitado em julgado em 19 de Julho de 2007 (fl. 405) –,
fazendo-se menção expressa disto mesmo no acórdão recorrido.
Por outro lado, é verdade que o Supremo Tribunal de Justiça invoca expressamente
o artigo 678º, nº 1, do Código de Processo Civil. Só que tal invocação ocorre no
despacho de 27 de Maio de 2008, quando é decidida a questão da admissibilidade
do recurso dos ora reclamantes (cf. ponto 3. do Relatório), tendo tal despacho
transitado em julgado em momento anterior ao conhecimento do recurso de revista.
Em suma, como a decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi, as normas
cuja apreciação foi requerida a este Tribunal, importa confirmar o despacho que
não admitiu o recurso de constitucionalidade (artigo 70º, nº 1, alínea b), da
LTC).
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 7 de Julho de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão