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Processo n.º 255/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do STJ, em que é Recorrente A. e Recorridos B. e
Outros, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC na sequência do qual foi proferida decisão
sumária em 28 de Abril de 2009 com os fundamentos seguintes:
“3. Entende-se ser de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da
Lei do Tribunal Constitucional, por não se encontrarem preenchidos pressupostos
essenciais ao conhecimento do recurso. Para que o Tribunal Constitucional possa
conhecer dos recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da
LTC, impõe-se que as questões de inconstitucionalidade normativa suscitadas pelo
recorrente correspondam ao sentido com que os preceitos impugnados ou as
respectivas dimensões interpretativas foram efectivamente aplicados na decisão
recorrida.
4. Relativamente aos artigos 688.º e 689.º do CPC (na redacção aplicável) a
Recorrente suscita três questões de inconstitucionalidade que são totalmente
estranhas à interpretação e aplicação que daqueles preceitos é feita nas
decisões recorridas. Como se lê no despacho de 4 de Dezembro de 2008, “os
poderes de cognição do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação
da reclamação contra despacho de não admissão de recurso, limitam-se, nos termos
dos arts. 688.º e 689.º do CPC, à pronúncia sobre a sua admissibilidade; daí, e
por estranhos a esses poderes, não se tomar conhecimento das demais questões
suscitadas.” Este é o sentido atribuído aos preceitos em análise, sendo
totalmente estranhas ao fundamento decisório do referido despacho as questões
suscitadas pela Recorrente por referência àqueles. O mesmo se diga quanto ao
despacho de 15 de Janeiro de 2009 onde se lê o seguinte: “a competência do
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça quando aprecia as reclamações, nos
termos do art. 688.º e 689.º do CPC, apenas se cinge às questões da
admissibilidade e da retenção do recurso.”
5. O mesmo vale quanto ao sentido com que o artigo 754.º, n.ºs 2 e 3 (na
redacção aplicável) surge concretizado nas decisões do Exmo. Conselheiro
Vice-Presidente. Com efeito, entendeu-se que a reclamação era inadmissível na
medida em que não vinha concretizada, in casu, nenhuma das excepções previstas
naquelas normas. Como se lê no primeiro despacho, “o que está em causa é a
discordância da ora reclamante com alteração do efeito do recurso, por entender
que se deveria manter o efeito suspensivo fixado na 1.ª instância. Mas a decisão
que altera o efeito do recurso não é susceptível de ser sindicada pelo Supremo
Tribunal de Justiça, por não se verificarem nenhuma das excepções contempladas
nos n.ºs 2 e 3 do art. 754.º do CPC.” E, no segundo despacho, “E, mesmo nessas
[questões da admissibilidade e retenção do recurso] exceptuam-se aquelas cujo
conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras, (arts. 660.º, n.º 2 e
666.º, n.º 3, ambos do CPC); daí ao entender-se que a situação dos autos não
cabia em nenhuma das excepções dos n.º 2 e 3 do art. 754.º do CPC, não se ter
conhecido da referida questão de legitimidade.”
6. Assim, o raciocínio argumentativo assumido pelas decisões recorridas assenta
na consideração de que, por um lado, perante uma reclamação deste tipo, compete
ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar apenas a questão da admissibilidade do
recurso tentado interpor, e, por outro lado, no facto de que, na medida em que
estava em causa agravo interposto na 2.ª instância, e não se tratando de caso
enquadrável nas excepções constantes dos n.ºs 2 e 3 do artigo 754.º do CPC, daí
decorreria a inexorável inadmissibilidade do recurso em questão. Pelo que, no
que se refere ao artigo 754.º, n.ºs 2 e 3, os despachos recorridos são
totalmente alheios ao sentido reportado pela Recorrente relacionado com a
impossibilidade de um terceiro que não interveio no processo se encontrar
vinculado pelas decisões a que as normas se referem mesmo que não tenha tido
intervenção no processo nem as possa impugnar por via de recurso. Relativamente
aos artigos 688.º e 689.º, a interpretação que lhes é atribuída, e que se
especificou, é também alheia às dimensões que a Recorrente especifica na sua
tríplice formulação: pode a reclamação ser decidida sem apreciação das razões
invocadas pelo recorrente no sentido da admissão do recurso; pode a mesma ser
proferida por Vice-Presidente em virtude de despacho de subdelegação e, por
último, pode a sua decisão consistir em apreciação directa do requerimento de
interposição.
Deste modo, não houve aplicação dos preceitos com os sentidos que lhes vêm
atribuídos pela Recorrente o que redunda na impossibilidade de conhecimento do
objecto do recurso.”
2. Notificada desta decisão, vem a Recorrente apresentar requerimento, ao abrigo
dos artigos 667.º, n.º 1, e 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo
Civil, com o seguinte teor:
“1. Refere o Relatório da referida decisão, no seu n° 1: ‘Na sequência de
reclamação deduzida’ ... ‘emitiu o Exmo. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça’ .... Acontece, porém, que, antes do despacho parcialmente reproduzido
de seguida, a Recorrente apresentou vários requerimentos de reclamação: em
27.5.2008 (data do registo postal), em 17.7.2008 (data do registo postal) e
24.11.2008. Assim, a Recorrente pede, com a devida vénia, esclareça V.
Excelência, a qual deles se refere o reproduzido texto.
2. Reproduz, seguidamente, o referido n° 1, parte do despacho de 4.12.2008 até
ao fim da sua parte II, que constitui a fundamentação do mesmo. Mas, omite a sua
parte III que constitui a respectiva decisão, nos termos seguintes:
‘Pelo exposto, com prejuízo do conhecimento da legitimidade da recorrente,
indefere-se a presente reclamação’. Ora, o não conhecimento da legitimidade da
recorrente, foi arguida nos termos do requerimento de 19.12.2008, como
consubstanciando decisão consciente contra direito, isto é, como denegação de
justiça. Assim, a Recorrente pede, com a devida vénia, a rectificação daquela
omissão atenta a sua relevância para efeito da respectiva arguição, e como
elemento integrador do sentido com que foram aplicadas as normas arguidas de
inconstitucionalidade.
3. Refere, seguidamente, aquele n° 1, um requerimento de arguição de invalidade
e nulidade da decisão cujo texto foi omitido.
3.1. Tal requerimento é o de 19.12.2008, em que:
a) são dadas por reproduzidas as razões de inconstitucionalidade normativa
alegadas nos requerimentos anteriores;
b) é invocado o disposto nos artigos 3°, n°3, 20°, n°s 1 e 4, 202°, n°2, 203° e
204° da Constituição, como violado pelo despacho de 4.12.2008;
e) é invocado haver sido, antes, arguido de ser inconstitucional, o sentido
normativo do artigo 754.º, n° 2, do CPC, aplicado no despacho de 4.12.2008;
d) é arguido haver o despacho de 4.12.2008 ignorado a alegação da Reclamante de
que discorda da alteração do regime de subida do recurso, com a consequente
descida do processo para que a instância prossiga com fundamento em falsa
citação — que constitui objecto de processo crime por falsificação do documento
que a integra, devidamente identificado e documentado nos autos;
e) é arguida a recusa do despacho de 4.12.2008 em se pronunciar sobre a
legitimidade da Reclamante para recorrer ao abrigo do disposto no artigo 680°,
n° 2, do CPC, e que tal pronúncia é indispensável para verificação da
inconstitucionalidade da norma arguida no requerimento de 24.11.2008 - a
extraída dos n°s 2 e 3 do artigo 754° do CPC.
3.2. Assim, a omissão – absoluta – de especificação dos fundamentos do
requerimento de 19.12.2008, impõe a rectificação do despacho ora sindicado — o
que a Recorrente pede, com a devida vénia, seja agora feita.
4. Diz o n°2, da mesma peça: ‘Vejamos, no que ora releva’.
4.1. Tal texto refere-se ao requerimento de 2.2.2009, constituído por 5 números.
4.2. A matéria dos n°s 1 a 4 é, em síntese, a seguinte:
a) no n° 1, é dito: ‘Neles foram aplicadas normas cuja inconstitucionalidade
fora suscitada nos termos do disposto no artigo 72°, n° 2, da LTC. O facto de
ambos os despachos haverem deixado de pronunciar-se sobre essa arguição, tem de
entender-se como aplicação dessas normas com o sentido arguido, conforme
jurisprudência do TC’;
b) no n°2, é especificada jurisprudência e doutrina constitucionais sobre o
sentido de ‘normas’ para efeito do recurso de constitucionalidade;
c) no n°3, são especificados os factos considerados relevantes para mostrar o
sentido com que as normas arguidas de inconstitucionalidade foram aplicadas;
d) no n°4, são especificadas as situações normativas referidas no n°3.
4.3. Pelo que, a Recorrente pede, com a devida vénia, esclareça V. Excelência se
o termo ‘ora’, ali usado, significa aquele preciso momento processual ou o tempo
da prolação do despacho.
5. Diz a fundamentação, n° 4, a fls 4: ‘Este é o sentido atribuído aos preceitos
em análise’ ... Ora, sendo o sentido dos preceitos em análise o que se revela na
decisão, a Recorrente pede, com a devida vénia, esclareça V. Excelência, qual o
agente daquele ‘atribuído’.
6. Diz a fundamentação, n°4, a fls 4: ‘sendo totalmente estranhas ao fundamento
decisório do referido despacho as questões suscitadas pela Recorrente por
referência àqueles’. Ora, a Recorrente, tanto nas Reclamações como nas alegações
de recurso, suscitou questões de facto e questões de direito que são objecto do
despacho de 4.12.2008. Assim, pede, com a devida vénia, esclareça V. Excelência
quais as que aquele ‘fundamento decisório’ compreende.
7. Diz a fundamentação, no n° 5, a fls 4: «entendeu-se que a reclamação era
inadmissível na medida em que não vinha concretizada, in casu, nenhuma das
excepções previstas naquelas normas. Como se lê no primeiro despacho, ‘o que
está em causa é a discordância da ora reclamante com a alteração do efeito do
recurso, por entender que se deveria manter o efeito suspensivo fixado na ia
instância’». Mas, a reprodução parcial do texto do despacho de 4.12.2008, diz:
“Os acórdãos em causa de 19.12.2007 e 19.2.2008, decidiram, respectivamente,
manter o despacho do Exmo. Desembargador Relator que fixara o regime de subida
imediata do recurso, em separado’ ... Assim, a Reclamante pede, com a devida
vénia, esclareça V. Excelência:
a) qual a reclamação que foi julgada inadmissível?
b) o que é que os despachos recorridos consideraram, efectivamente, como sendo o
fundamento do recurso interposto pela Reclamante, em ia instância (apesar de o
haver feito na Relação, em virtude de não ser parte no recurso que a esta subiu,
nem haver participado na impugnação da decisão proferida em l instância que
constitui objecto do mesmo recurso)?
8. Diz a fundamentação, n° 6, a fls 5: ‘compete ao Supremo Tribunal de Justiça
apreciar apenas a questão da admissibilidade do recurso tentado interpor’...
Ora, tendo a Reclamante apresentado recurso para o STJ, cuja admissibilidade
sustentou nos termos dos n°s 3 a 3.3, e respectiva conclusão 3a, por entender,
precisamente, que compete ao STJ pronunciar-se sobre tal admissibilidade, a
Recorrente pede, com a devida vénia, esclareça V. Excelência se aquela
referência ao STJ significa o destinatário das alegações do recurso interposto
por requerimento de 27.5.2008, a fls 4 a 9.
9. Diz a fundamentação, n° 6, a fls 5: ‘estava em causa agravo interposto na 2°
instância’. Considerando que a Reclamante apenas interveio na relação processual
na Relação, pede, com a devida vénia, esclareça V. Excelência, se aquele texto
expressa 2.ª instância processual ou tribunal (1.ª instância para a
Recorrente).”
3. Notificados deste requerimento, B. e Outros pronunciaram-se pelo respectivo
indeferimento.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Conforme decorre do disposto nos artigos 669.º, n.º 1, alínea a), e 716.º do
Código de Processo Civil, aplicáveis por força da remissão operada pelo artigo
69.º da LTC, proferida decisão, pode o recorrente pedir o esclarecimento de
alguma obscuridade ou ambiguidade que a mesma contenha. Considerando que a
decisão judicial é obscura quando, em algum passo, o seu sentido seja
ininteligível e que é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações
distintas (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 533/2004), decorre do teor do
requerimento acima reproduzido que o recorrente não imputa à decisão proferida
nem um nem outro dos aludidos vícios.
5. Com o requerimento apresentado o que a Recorrente pretende,
indiscutivelmente, é questionar a decisão de não conhecimento do objecto do
recurso interposto, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3 da LTC.
5.1. Ora, a Recorrente suscitou primeiramente a inconstitucionalidade dos
artigos 688.º e 689.º do Código de Processo Civil numa tríplice dimensão que, no
entanto, não coincide nem sequer parcialmente com o sentido que foi atribuído
pelo STJ às referidas normas segundo o qual, perante uma reclamação daquele
tipo, compete àquele Tribunal apreciar apenas a questão da admissibilidade do
recurso tentado interpor. Suscitou seguidamente a inconstitucionalidade do
artigo 754.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil “com o sentido de que as
decisões a que eles se referem, vinculativas para as partes no processo, são
também vinculativas para um terceiro que nele não interveio, e que este não pode
impugná-las por via de recurso judicial”. O sentido com que aquela norma foi
aplicada, no entanto, não coincide com esta dimensão assim especificada. O que o
STJ entendeu foi apenas que, não se verificando nenhuma das excepções elencadas
naqueles preceitos, o recurso não era, pura e simplesmente, admissível.
5.2. Importa, pois, face ao que antecede, confirmar a decisão de não
conhecimento do objecto do recurso interposto.
III – Decisão
6. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão sumária reclamada no sentido do não conhecimento do objecto
do recurso.
Custas pela Reclamante fixadas em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 24 de Junho de 2009
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos