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Processo nº 225/2009
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Em 27 de Abril de 2009 foi proferida decisão, ao abrigo do disposto no n.º 1
do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua versão alterada por
último pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (Lei do Tribunal
Constitucional), em que se entendeu não poder o Tribunal Constitucional conhecer
do objecto do recurso.
A decisão ora reclamada é do seguinte teor:
1. A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal
Constitucional), “porquanto o STJ aplicou as normas do art. 3 do DL n.º
215-D/75, de 30/04, do art. 160 CC e do art. 280 CC com uma interpretação
restritiva dos fins sindicais, que viola os arts. 56-2-b) e 63-2 da Constituição
da República, quando no processo (cf. designadamente o ponto III.2 das alegações
do recorrente para o STJ) tinha sido sustentada esta violação.”
No indicado ponto das alegações de recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça,
a ora recorrente veio dizer o seguinte:
2. As instituições particulares de solidariedade social são as constituídas, sem
finalidade lucrativa, por iniciativa de particulares e não administradas pelo
Estado ou por um corpo autárquico, para concessão de bens e prestação de
serviços, em realização de fins de solidariedade e de justiça entre os
indivíduos (art. 1-1 do DL 119/83, de 25 de Fevereiro). É-lhes essencial a
abertura à sociedade, indo ao encontro de necessidades colectivas em geral e dos
beneficiários em particular (art. 6 do DL 119/83) e ganhando, uma vez registadas
– após instituição por escritura pública e mediante reconhecimento pela tutela
(arts. 78-2 e 79 do DL 119/83) –, a natureza de pessoas colectivas de utilidade
pública (art. 8 do DL 119/83).
Desta abertura à sociedade em geral resulta a concessão de isenções e regalias
que as outras fundações não têm (art. 97 do DL 119/83).
É certo que os sindicatos têm como função principal a defesa e a promoção dos
interesses colectivos dos trabalhadores neles filiados (art. 56-1 da
Constituição da República). Mas tal implica, desde logo, “a possibilidade de
intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus
interesses individuais” (ac. do TC nº 103/01, de 14.301, relatado por VITOR
NUNES DE ALMEIDA, proc. 421/00 da 1ª secção, www.tribunalconstitucional.pt). Por
outro lado, é em sentido amplo que têm de ser entendidos os interesses dos
trabalhadores, de tal modo que aos sindicatos é constitucionalmente atribuído um
papel fundamental na contratação colectiva (art. 56-3 da Constituição da
República), bem como um papel importante na elaboração da legislação de trabalho
(art. 56-2-a da Constituição da República), na elaboração e no acompanhamento
dos planos económico-sociais (art. 562-b da Constituição da República), nos
processos de reestruturação da empresa (art. 56-2-e da Constituição da
República), na actividade dos organismos de concertação social (art. 56-2-d da
Constituição da República) e na gestão das instituições de segurança social e
outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores (art.
56-2-b da Constituição da República).
A actuação sindical não se limita, pois, à representação, colectiva e
individual, dos associados, podendo exercer-se, por outras formas, para além do
universo dos trabalhadores filiados na associação e mesmo para além do grupo de
trabalhadores por ela potencialmente abrangido. Designadamente, a participação
sindical na gestão das instituições de segurança social e de outras organizações
que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores não se limita,
manifestamente, àquelas de que apenas sejam beneficiários os filiados, actuais e
mesmo potenciais, do sindicato, abrangendo as que, como aliás acontece com as
instituições de segurança social, têm como escopo a satisfação dos interesses
dos trabalhadores, por conta alheia ou própria, em geral. Em conformidade com
esta norma, o art. 63-2 da Constituição da República atribui às associações
sindicais o direito de participar na organização, coordenação e subsídio dum
sistema de segurança social unificado e descentralizado.
Aliás, os sindicatos são associações de direito privado, cuja particularidade
está no fim principal que prosseguem, perante o qual a Constituição da República
logo confere um leque de direitos que extravasa o restrito entendimento desse
fim, sem proibir que outros sejam consagrados nos estatutos, desde que não
conflituem – destruindo-o ou impedindo-o – com aquele fim principal (ver o art.
482-1 do Código do Trabalho: sujeição ao regime geral do direito de associação
“em tudo o que não contrarie este código ou a natureza específica da autonomia
sindical”).
A questão a resolver, sempre no pressuposto hipotético da improcedência das
excepções de legitimidade deduzidas, é, pois, dupla: consiste, por um lado, em
saber se a instituição duma fundação de solidariedade social, mediante a
afectação duma importância em dinheiro de valor considerável, se apoia nos
estatutos da associação sindical concreta; consiste, por outro lado, em saber
se, sendo assim, a estipulação contratual que a permite entra em conflito com a
finalidade principal da associação, consistente na defesa e na prossecução dos
interesses, colectivos e individuais, dos trabalhadores do sector bancário.
Tendo levado às conclusões de recurso que
20. Embora a latere do objecto da presente acção, constata-se ainda que nem
seria possível pôr em causa a participação do sindicato na administração da
fundação que instituiu, em conformidade com o art. 56-2-b da Constituição da
República; mas, se o fosse, por se entender que não poderia fazê-lo em face duma
fundação que não satisfaz exclusivamente interesses de trabalhadores no activo,
daí só se poderiam pretender consequências no plano do afastamento da
administração em funções, nunca no plano da legalidade, aliás reconhecida pela
tutela, da instituição e da continuação da fundação.
O Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão em 30 de Outubro de 2008,
fundamentado nos seguintes argumentos:
1. As instâncias decidiram que era nula a constituição da ré, uma vez que o
sujeito dessa constituição, um sindicato, não podia fundar uma entidade que
visava um fim que ultrapassava a prestação de serviços aos seus associados, pois
esses serviços também podiam ser prestados a outras pessoas.
A recorrente entende que a questão tal como foi colocada e decidida integra, não
um problema de ilicitude do seu objecto, mas antes um de incapacidade jurídica
do fundador: no acervo dos direitos de que é titular não consta o de constituir
aquele tipo de fundação.
Salvo o devido respeito, a lógica desta argumentação levar-nos-ia, no limite, a
considerar que, sempre que certo direito em concreto não é reconhecido a
determinada pessoa, enferma esta de uma incapacidade jurídica. Uma coisa é não
poder ser titular de um direito, outra a de só poder ser titular em determinadas
circunstâncias. Nesta última hipótese não é correcto falar em incapacidade
jurídica. O poder subjectivo existe, mas tem naturalmente de ser exercido nos
termos da lei.
Ora, em apreço está o saber se era possível constituir-se uma fundação com
determinadas características quanto ao seu objecto. Portanto, é este objecto a
origem da eventual ilicitude. O facto de tais características dependeram duma
qualidade do fundador, não implica que deixe de ser uma questão quanto ao
objecto. Ao contrário do que se refere nas doutas alegações da ré, interpretando
a fundamentação da decisão impugnada, o vício negocial estará nos seus fins e
não nos (não) fins do seu fundador.
A lei não proibirá fundações iguais à ré, como não vedará os sindicatos de
constituírem fundações de solidariedade social. O que será vedado é a junção das
duas realidades. E esta junção é, manifestamente, uma ilicitude objectiva.
Deste modo, não assiste razão à recorrente quando pretende extrair determinadas
conclusões do facto de se tratar, no seu entendimento, de um caso de
incapacidade e de ilegitimidade.
Assim, o M° P° não é parte ilegítima, uma vez que a lei expressamente lhe
confere legitimidade para pedir a declaração de nulidade das pessoas colectivas
por ilegalidade do seu objecto – art°s 158º-A e 280º n° 1 do C. Civil –.
Por outro lado, como não se trata de apreciar um vício relativo ao autor do acto
que se pretende nulo não é necessário que a ré esteja acompanhada pelo fundador.
Com efeito, o interesse directo em contradizer é apenas das pessoas jurídica em
causa, ou seja, a ré.
2. Quanto à questão de fundo e que é a de saber se um sindicato pode criar uma
fundação que tenha como objectivo a prestação de serviços que não apenas aos
seus associados, refere a recorrente que o princípio da especialidade que rege a
capacidade jurídica das pessoas colectivas, não impede que, no âmbito da
autonomia negocial duma pessoa colectiva de direito privado, pudesse um
sindicato instituir uma fundação, na medida em que isso não conflituasse com o
seu fim principal.
Quer isto dizer que a regra seria a capacidade jurídica e a excepção a
incapacidade. Não existiria um princípio da especialidade definidor daquela
capacidade, mas sim um princípio cautelar delimitador da mesma capacidade.
Contudo, não é esta a visão da lei.
O art° 160° do C. Civil, ao determinar que “A capacidade das pessoas colectivas
abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução
dos seus fins” está claramente a fixar a regra do princípio da especialidade
como definidor das faculdades e deveres de tal tipo de pessoa jurídica. Com a
exclusão a contrario de todos aqueles direitos e obrigações que não sejam
necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.
Por isso, sendo um sindicato um meio de obter a solidariedade social em matéria
laboral dos seus associados, não pode desenvolver uma actividade que visa a
prestação de serviços desse tipo de solidariedade para com terceiros.
É certo que hoje já não é defensável uma interpretação rígida ou literal do fins
das pessoas colectivas, havendo que atender à complexidade da vida social para
determinar se uma certa actividade, aparentemente divorciada desses fins, não
irá desembocar afinal na prossecução dos mesmos. Hipótese em que terá de se
aceitar como integrando a capacidade jurídica da pessoa colectiva que a
desenvolver. Aliás a própria letra do art° 160º a tanto nos conduz ao falar na
admissibilidade dos direitos da pessoa colectiva que sejam meramente
“convenientes à prossecução dos seus fins”.
Na situação dos autos era concebível que a instituição da ré fosse conveniente à
prossecução dos fins sindicais do seu fundador. Como se refere na conclusão 11 a
propósito das regalias que tem uma fundação “aberta” à sociedade em geral. Só
que era um ónus da recorrente a demonstração de tal conveniência. O que não
aconteceu. Não bastava, como pretende a ré, que a sua criação não fosse
prejudicial à actividade sindical, era necessário que lhe fosse útil.
A ora recorrente veio arguir a nulidade deste acórdão, sustentando, no que
releva para o presente recurso, que “invocou o art. 56-2-b da Constituição da
República (a ps. 19 da alegação e na conclusão 20) como norma permissiva da
instituição duma fundação de solidariedade social, como a recorrente, por um
sindicato, pelo que é inconstitucional interpretar o art. 280 CC, se aplicável
fosse à situação dos autos, como impossibilitando essa instituição. Também a
este ponto não se vê referência no acórdão proferido.”
A arguição de nulidade foi objecto de acórdão, datado de 12 de Fevereiro de
2009, no qual ficou decidido indeferir o requerido, considerando-se “(q)uanto à
questão de constitucionalidade (que) é a própria recorrente que a coloca fora do
tema a decidir quando afirma – conclusão 20 – que se trata de uma questão a
latere do objecto da presente acção.”
Admitido o recurso, cumpre decidir.
II
Fundamentos
2. Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que
admitiu o recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal
Constitucional, entende-se não se poder conhecer do objecto do mesmo, sendo caso
de proferir decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo
diploma.
3. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa
tomar conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade
normativa submetida à apreciação do Tribunal Constitucional tenha sido suscitada
durante o processo.
Ora, o Tribunal Constitucional tem entendido que uma questão de
constitucionalidade normativa só é suscitada durante o processo quando o
recorrente identifica com a necessária precisão e antes da prolação da
decisão recorrida a norma que considera inconstitucional, indica os
preceitos ou princípios constitucionais que reputa violados e apresenta
uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade
apontada (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 155/95, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). Trata-se, fundamentalmente, de tornar explícita
e clara a argumentação relativa à questão de constitucionalidade, de modo a
permitir ao tribunal a quo a sua apreciação e a consequente decisão.
4. No requerimento de recurso de constitucionalidade a recorrente invocou que
“o STJ aplicou as normas do art. 3 do DL n.º 215-D/75, de 30/04, do art. 160 CC
e do art. 280 CC com uma interpretação restritiva dos fins sindicais, que viola
os arts. 56-2- b) e 63-2 da Constituição da República, quando no processo (cf.
designadamente o ponto III.2 das alegações do recorrente para o STJ) tinha sido
sustentada esta violação.”
Porém, ao contrário do que declara, durante o processo, a recorrente nunca
identificou minimamente nenhuma questão de constitucionalidade normativa que
realmente pretendesse colocar à apreciação do tribunal a quo, de forma a
permitir que este se pronunciasse sobre tal questão de constitucionalidade e a
permitir que a intervenção do Tribunal Constitucional se fizesse em via de
recurso, reapreciando uma decisão anterior, sendo manifestamente intempestiva a
sua identificação apenas em sede de arguição de nulidade, altura em que se
encontrava esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo.
Com efeito, no ponto das alegações de recurso apresentadas junto do tribunal a
quo em que diz ter suscitado a questão de constitucionalidade normativa
(omitindo qualquer referência à conclusão 20 das referidas alegações), a
recorrente invocou preceitos da lei ordinária e da lei fundamental, bem como
doutrina e jurisprudência constitucionais em abono do seu entendimento, mas sem
identificar um qualquer fundamento normativo das decisões tomadas durante o
processo que pretendesse impugnar em sede de constitucionalidade.
Destarte, o tribunal a quo não respondeu à questão que a recorrente pretende ver
apreciada pela simples razão de que não foi chamado, no âmbito do processo e
pela recorrente, a pronunciar-se sobre ela.
Não tendo a recorrente suscitado, de modo processualmente adequado, a questão de
constitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, não pode considerar-se preenchido um dos pressupostos processuais do
presente recurso – a suscitação da inconstitucionalidade da norma durante o
processo – e, consequentemente, não pode do mesmo tomar-se conhecimento.
2. Notificada desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, dizendo o
seguinte:
Vem o recurso de constitucionalidade fundado em que o tribunal recorrido
interpretou restritivamente o art. 3.° do DL 215-B/75, de 30 de Abril, bem como
os arts. 160.° e 280.° do CC, em violação dos artigos 56.°, n.° 2, al. b), e
63.°, n.° 2, da Constituição. Ora, contrariamente ao que consta na decisão
sumária, o erro desta interpretação restritiva, à luz da Constituição, foi
sempre sustentada pela recorrente ao longo do processo.
Já na petição inicial o Ministério Público invocava o art. 56.° da Constituição
como norma delimitadora das funções dos sindicatos, que estes não podem
ultrapassar (arts. 9 e 10 da PI), decorrendo a aplicação dos artigos 160.° e
280.° do CC do estabelecimento desses limites constitucionais, que a lei
ordinária igualmente consagra (art. 8 da PI).
Na contestação, logo foi defendida uma diferente interpretação do art. 56.° da
Constituição (arts. 10, 33 a 37, 43 e 46 da contestação), sendo também logo
invocados no mesmo sentido os arts. 63.°, n.° 2, e 80.°, al. g) da Constituição
(arts. 18, 38, 39, 43 e 46 da contestação, à luz dos quais havia que interpretar
as normas da lei ordinária invocadas pelo Ministério Público). Foi junto parecer
dum mestre em Direito que, em apoio desta tese, dedica todo o § 2.° (fls. 5 a
16) à demonstração de que esse entendimento mais amplo dos preceitos
constitucionais é o certo e por isso há que interpretar em conformidade a lei
ordinária, que os estatutos do sindicato não contrariavam.
A sentença de 1ª instância perfilhou o entendimento restritivo do Ministério
Público, interpretando o art. 56.° da Constituição como preconizado na petição
inicial e fazendo fluir daí a aplicação dos arts. 160.° e 280.º do CC.
De novo os arts. 56.° e 63.°, n.° 2, da Constituição foram invocados pelo
recorrente na apelação que interpôs, tendo sido defendido que a Constituição, ao
atribuir às associações sindicais o direito de participar na organização,
coordenação e subsídio dum sistema de segurança social unificado, veda uma
interpretação da lei ordinária (designadamente, dos arts. 471.°, 482.° e 485.°
do Código do Trabalho) que impeça um sindicato de inserir nos seus estatutos
normas como as impugnadas concretamente pelo Ministério Público (fls. 14 a 16,
incluindo notas de rodapé, e conclusão 13).
O TRL confirmou a sentença recorrida, fazendo do art. 3.° do DL 215-B/75, de 30
de Abril, interpretação segundo a qual os interesses sócio-profissionais não se
compaginam com os interesses do tipo tratado nos artigos impugnados dos
estatutos do recorrente, de onde a aplicação dos arts. 160.° e 280.° do CC (ps.
7 a 9); e reafirmou a conformidade dessas disposições da lei ordinária com a
Constituição (n.° IV.3, na p. 10).
De novo inconformado, o recorrente de novo invocou, nas alegações de revista, o
erro consistente em interpretar a lei ordinária em desconformidade com aquela
que, em seu entender, é a interpretação a fazer do texto constitucional. Veja-se
a nota 12 da p. 10, a nota 29 da p. 17 e, sobretudo, as ps. 19-21, incluindo a
nota 25, bem como as conclusões 10, 12 e 13. A conclusão 10 remete para o
parecer do Dr. Luís Gonçalves da Silva, acima referido, que trata, entre outros
pontos, do tema da circunscrição legal dos estatutos do sindicato à luz da
Constituição. A conclusão 12 considerou ser impugnação constitucional o
desempenho, pelos sindicatos, de outras funções para além da protecção dos
exclusivos interesses dos seus filiados. Na conclusão 13 está implícito que
consequentemente se defende que os limites constitucionais são a autonomia
negocial e o conflito com os fins principais (representativos) do sindicato.
Por fim, no requerimento de aclaração do acórdão do STJ o recorrente foi bem
expresso em pretender que o tribunal apreciasse a questão, por ele levantada, da
inconstitucionalidade da interpretação do art. 280.° CC, em sentido contrário ao
que, segundo ele, decorre do art. 56, n.° 2, al. b), da Constituição.
O Tribunal Constitucional não se pode fechar, a exemplo do que infelizmente é
corrente nos tribunais judiciais, em posições formalistas, que exijam fórmulas
quase sacramentais para a invocação da norma inconstitucional e das normas
ordinárias que, à sua luz, tenham sido violadas pela interpretação do tribunal
recorrido, ou que isolem a alegação de revista em face de todo o resto do
processo. A afirmação de que é inconstitucional a interpretação da lei ordinária
defendida pelo Ministério Público e perfilhada pelos tribunais de 1ª instância e
pelo STJ foi feita pelo recorrente ao longo do processo e, ultimamente, perante
o STJ. O recorrente cumpriu o ónus de fundamentar o seu entendimento, desde a
contestação da acção até às alegações da relação e da revista. Quer a primeira
instância, quer o TRL, apoiaram-se na posição contrária, entendendo que as
normas da lei ordinária postas em causa eram conformes com a Constituição. O STJ
não o fez expressamente (só se referiu à desconformidade com os estatutos da lei
ordinária), mas por isso mesmo se arguiu a nulidade do acórdão por ele
proferido.
A mais de dois séculos do processo formulário romano, não terá que se concluir
que o recorrente identificou e fundamentou, ao menos minimamente, a questão de
constitucionalidade sobre a qual pretendeu – e continua a pretender – que o
Tribunal Constitucional se pronuncie?
Requer-se, pois, a revogação do despacho da Sra. Juíza Relatora e que seja
admitido o recurso.
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal respondeu à
reclamação nos termos seguintes:
1°
A reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, o recorrente quando nas conclusões das alegações de recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, — o momento adequado para suscitar a questão de
inconstitucionalidade — refere o artigo 56°, n° 2, alínea b) da Constituição,
fá-lo “a latere do objecto de presente acção” (n° 20 das conclusões).
3º
Por outro lado, no texto das alegações a referência às normas constitucionais e
à jurisprudência constitucional, apenas se destinam a ilustrar um determinado
entendimento sobre a função dos sindicatos.
4º
Nunca se questionou, minimamente, a inconstitucionalidade de qualquer norma.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
4. Adiante-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento, por
não abalar os fundamentos em que se baseou a decisão reclamada.
5. O reclamante invoca, essencialmente, que (retranscreva-se) “(a) afirmação de
que é inconstitucional a interpretação da lei ordinária defendida pelo
Ministério Público e perfilhada pelos tribunais de 1ª instância e pelo STJ foi
feita pelo recorrente ao longo do processo e, ultimamente, perante o STJ. O
recorrente cumpriu o ónus de fundamentar o seu entendimento, desde a contestação
da acção até às alegações da relação e da revista”.
Porém, a decisão reclamada confirma-se quanto aos seus fundamentos. Com efeito,
como salienta o Magistrado do Ministério Público em funções neste Tribunal, no
texto das alegações de recurso apresentadas junto do tribunal a quo o recorrente
limita-se a defender um determinado entendimento sobre a função dos sindicatos,
sendo a invocação de preceitos da lei ordinária e da lei fundamental, bem como
de doutrina e jurisprudência constitucionais em abono do seu entendimento,
insuficiente para o tribunal a quo se poder e dever aperceber de qual o exacto
sentido normativo que está questionado na sua conformidade constitucional –
muito menos correspondendo à exigência, que é a que decorre da jurisprudência
deste Tribunal (vejam-se, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 367/94 e 178/95,
publicados no Diário da República, II série, respectivamente de 7 de Setembro de
1994 e de 21 de Junho de 1995), de que tal “sentido (essa dimensão normativa) do
preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado
inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de,
tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a
saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não
deve ser aplicado por, desse modo, violar a Constituição” – ou, sequer, de que
se “indique esse sentido (essa interpretação) em termos de que, se este Tribunal
o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que
proferir (...).”
É, pois, sobre o recorrente que incumbe o ónus de enunciar a norma ou dimensão
normativa que impugna, como inconstitucional, perante o tribunal recorrido e que
pretende ver apreciada, não sendo ao Tribunal Constitucional que compete
averiguar essa norma – como parece entender o recorrente, ao demandar, na
presente reclamação (retranscreva-se): “(a) mais de dois séculos do processo
formulário romano, não terá que se concluir que o recorrente identificou e
fundamentou, ao menos minimamente, a questão de constitucionalidade sobre a qual
pretendeu – e continua a pretender – que o Tribunal Constitucional se
pronuncie?”.
Tal ónus não é, de forma alguma, uma “mera questão de forma”. Pelo contrário,
afigura-se um pilar da nossa justiça constitucional, uma vez que suporta a
intervenção deste Tribunal como tribunal de recurso no que respeita a apreciação
da questão de constitucionalidade. É neste sentido que se pode ler no Acórdão
n.º 560/94, publicado no Diário da República, II série, de 10 de Janeiro de
1995, que “a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada –
e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois,
[...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim, mas
essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de
constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de
recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão”
(assim, também, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República, II
série, de 20 de Junho de 1995).
A decisão reclamada merece, pois, total confirmação, ao entender não poder este
Tribunal conhecer do objecto do recurso.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 22 de Junho de 2009
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão