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Processo n.º 591/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Os arguidos A. e B. – os demais recorrentes conformaram-se com a
decisão sumária de fls. 7384-7395 – deduziram reclamação da decisão proferida
pelo relator ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC), na parte em que negou provimento aos recursos por eles
interpostos, não julgando inconstitucional a norma do artigo 400.º alíneas e) e
f), conjugada com a norma do artigo 432.º n.º 1 alínea c), todos do Código de
Processo Penal, na redacção emergente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto,
quando interpretados no sentido de que não é admissível recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução
da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos
de prisão efectiva.
O recorrente A. sustenta, em síntese, o seguinte:
- Ao interpretar a norma do artº 400.º n.º 1 al. e) do CPP,
conjugando-a não com a norma do artº 432.º n.º 1 al. b), que refere quais os
casos passíveis de recurso de decisões proferidas pelas Relações em recurso, mas
sim com a norma do artº 432.º n.º 1 al. c), que se refere aos recursos
interpostos directamente da primeira instância para o STJ, violou o STJ o
Direito ao recurso do ora reclamante, direito esse consagrado no art.º 32.º n.º
1 da CRP.
- Não existe, em concreto, duplo grau de jurisdição quanto à
aplicação da pena privativa da liberdade, pois esta não foi aplicada pelo
tribunal de primeira instância, mas pelo Tribunal da Relação, sendo o recurso
para o Supremo o 2.º grau de jurisdição quanto a essa aplicação. E não pode
argumentar-se que o direito ao recurso é substituído pela resposta ao recurso do
Ministério Público que conduziu a tal aplicação, porque essa posição processual
não atinge os fins de tal direito.
- Não tem aplicação a doutrina firmada na jurisprudência
constitucional invocada na decisão de que reclama, uma vez que em nenhum desses
casos havia sido aplicada inovatoriamente pela Relação uma pena privativa da
liberdade ou de prisão efectiva.
O recorrente B. argumenta:
- Não estamos perante uma situação de dupla conforme, pois há uma
diferença substancial entre as decisões de primeira e segunda instância. A
Relação não confirmou a decisão de 1.ª instância; revogou-a em desfavor do
arguido, de modo que resulta a sujeição deste a uma pena privativa da liberdade;
- Impedir o direito de recurso a uma pessoa que está prestes a
cumprir 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, com fundamento de que o espírito da
Reforma do Processo Penal de 2007 procurou guardar o direito de recurso para
decisões que apliquem uma pena de prisão superior a 5 anos é manifestamente
desrazoável, arbitrária e desproporcionada, o que viola o princípio
constitucional da proporcionalidade, como aniquila por completo o direito de
recurso, o que viola dos artigos 18.º e 32.º, n.º 1 da Constituição.
O Ministério Público responde que a decisão se fundou na
jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional sobre tal
matéria, não adiantando os reclamantes quaisquer argumentos novos que possam
levar à sua alteração.
Aliás, o reclamante B., ao dizer que não estamos perante uma ‘dupla
conforme’, labora num equívoco, uma vez que na decisão, nesta parte, nunca se
fez referência a tal conceito, que apenas é referido a propósito da questão
suscitada pelo outro recorrente – o Rui Garcia – que nem sequer é, agora,
reclamante
2. Os arguidos haviam sido condenados, pela prática de crimes de
tráfico de estupefacientes, respectivamente, na pena de 5 anos de prisão,
suspensa por igual período, com regime de prova e na pena de 4 anos e 6 meses de
prisão, suspensa por igual período, com regime de prova.
Concedendo provimento a recurso interposto pelo Ministério Público,
o Tribunal da Relação de Lisboa revogou a suspensão da execução da pena de
prisão, condenando-os, respectivamente, em 5 anos e 4 anos e 6 meses de prisão
efectiva.
Os arguidos recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, onde o
foi proferida decisão sumária de rejeição do recurso. Quanto aos ora
recorrentes, essa decisão tem a fundamentação seguinte:
“É quanto aos recursos dos arguidos (...) C., A. e B., todos condenados, em 1ª
Instância, em penas de prisão suspensa, suspensão essa que foi revogada na
Relação, que a questão se coloca com maior ambiguidade.
Na verdade, é incontestável, por um lado, que a revogação da suspensão da pena
de prisão não é uma confirmação da decisão da 1ª Instância, de forma que, não
havendo dupla conforme”, não se verifica a hipótese prevista na citada al. f) do
nº 1 do art. 432º do CPP.
Contudo, há que trazer à colação outra norma: a da al. c) do mesmo art. 432º.
É na verdade este preceito que estabelece o quadro geral das decisões
recorríveis para o Supremo, ao qual acrescem as situações previstas nas
restantes alíneas.
Os requisitos estabelecidos para o recurso são dois: tratar-se de acórdão final
proferido pelo tribunal colectivo ou do júri; ter sido aplicada uma pena
superior a 5 anos de prisão.
O propósito claro do legislador processual penal, acentuado pela última reforma
(Lei nº 48/2007, de 29-8), foi o de reservar o Supremo para o julgamento das
decisões das causas julgadas pelo tribunal colectivo ou do júri, excluindo as
que são da competência do tribunal singular, cujo “tecto” ascende actualmente
aos 5 anos de prisão.
Isto significa que as als. e) e f) do art. 400º têm de ser interpretadas de
acordo com a al. c) do nº 1 do art. 432º, ambos do CPP, no sentido de só as
condenações em pena de prisão superior a 5 anos (as que não são da competência
do tribunal singular) serem susceptíveis de apreciação pelo Supremo Tribunal.
Esta interpretação é a única que confere coerência ao sistema de recursos do CPP
e que corresponde ao propósito restritivo que presidiu à reforma do processo
penal.
Esta é também a interpretação que vem sendo seguida nesta Secção, citando-se, a
título exemplificativo, o ac. de 18.2.2009, proferido no proc. nº 102/09,
relatado pelo Cons. Henriques Gaspar.”
Tendo os arguidos reclamado para a conferência, esta decisão foi
confirmada por acórdão de 27 de Maio de 2009, nos termos seguintes:
“Reclamações dos arguidos C., A. e B.
Contestam estes arguidos o facto de lhes ser negado o recurso do acórdão da
Relação, que, dando provimento ao recurso do MP, ordenou a execução das penas de
prisão em que haviam sido condenados em 1ª Instância, mas que tinham ficado
suspensas.
Entendem eles, em síntese, que, tendo a efectividade da prisão sido determinada
na Relação, devem ter direito a um “duplo grau de jurisdição”, sob pena de
violação do art. 32º, nº 1.
Acrescenta ainda o último reclamante que, havendo duas interpretações possíveis
das normas legais, como resulta da decisão reclamada, deverá ser escolhida a
mais favorável à defesa, ou seja, a que concede o direito ao recurso.
‘Jurisprudência uniforme desta Secção, podendo ainda citar-se, em seu favor,
Paulo Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, p. 1006.
A decisão sumária está suficientemente fundamentada e assume-se por inteiro essa
fundamentação.
Importa, no entanto, refutar os argumentos agora apresentados pelos reclamantes.
Contrariamente ao que afirmam, a decisão de ordenar o cumprimento efectivo da
pena de prisão não é proferida em 1ª Instância, mas em sede de recurso, e no
âmbito do conhecimento do recurso do MP, que peticionava essa decisão.
Não foram, portanto, os reclamantes “surpreendidos” pela decisão de revogar a
suspensão da pena, pois sabiam que essa era uma das possíveis decisões a
proferir pela Relação e tiveram oportunidade de defesa na resposta à motivação
do MP.
É também errado falar de violação do princípio do duplo grau de jurisdição. Com
efeito, foi precisamente pela efectivação desse duplo grau de jurisdição que a
sua situação jurídico-penal veio a ser agravada.
O que eles pretendem é um duplo grau de recurso, mas tal pretensão não está
consagrada na CRP. O que o nº 1 do art. 32º garante é o duplo, e não o triplo
grau de jurisdição. É esta a jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional
(ver, por todos, o ac. nº 178/88).
É evidente que a CRP não veda a possibilidade de um segundo grau de recurso. Mas
a sua previsão dependerá de opção do legislador ordinário. Uma opção que não
pode ser arbitrária, é certo, devendo pois obedecer a uma ideia de
proporcionalidade e de justiça na atribuição dos meios de defesa.
A opção adoptada pelo legislador de 2007, no seguimento aliás da reforma
processual de 1998, de reservar o segundo grau de recurso, ou seja, a
admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, para as
condenações proferidas pelo tribunal colectivo (e pelo tribunal de júri) em pena
superior a 5 anos de prisão afigura-se materialmente justificada, por se tratar
dos casos de maior relevância, quer pela natureza do tribunal, quer pela
gravidade das penas, satisfazendo assim a referida exigência de
proporcionalidade e de justiça.
Esta solução é simultaneamente congruente com o sistema de recursos do CPP, que
atribui às Relações a competência para o conhecimento dos recursos das decisões
do tribunal singular (cujo limite funcional de competência é de 5 anos de
prisão), e com as normas constitucionais.
Por último, refira-se que não tem fundamento a invocação do princípio do favor
rei no domínio da interpretação da lei. Como diz lapidarmente Figueiredo Dias, o
princípio in dubio pro reo não é válido em relação à “questão de direito: aqui a
única solução correcta residirá em escolher, não o entendimento mais favorável
ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto.”
3. Os arguidos interpuseram recurso deste acórdão para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro (LTC), tendo o relator proferido decisão sumária, ao abrigo do
n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
No que agora interessa e respeita aos arguidos, decidiu-se negar provimento aos
recursos, não julgando inconstitucional a norma do artigo 400.º alíneas e) e f),
conjugada com a norma do artigo 432.º n.º 1 alínea c) do CPP, na redacção
emergente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de
que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da
Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª
instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão efectiva.
Esta decisão tem os seguintes fundamentos:
“B) Quanto aos demais recorrentes
Quanto ao objecto possível dos recursos vale o que anteriormente se disse. Sendo
o recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que se limitou a
rejeitar o recurso por inadmissibilidade, só a constitucionalidade das normas em
que tal rejeição se fundou pode agora apreciar-se. Tudo o mais, seja o acerto da
interpretação de tais normas no plano do direito ordinário, seja o que respeita
à constitucionalidade de outras normas, designadamente daquelas de que a Relação
fez ou de que, no entender dos recorrentes, deveria ter feito aplicação,
exorbita do objecto possível do presente recurso de constitucionalidade.
Portanto, só cabe apreciar a constitucionalidade da norma do artigo 400.º
alíneas e) e f), conjugada com o norma do artigo 432.º n.º 1 alínea c) do CPP,
interpretadas no sentido de não ser admissível recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça de um acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da
pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de
prisão efectiva.
O Tribunal Constitucional já apreciou por diversas vezes questão semelhante à
que os recorrentes colocam. Referimo-nos às pronúncias de não
inconstitucionalidade de normas que não admitem recurso para o Supremo Tribunal
de acórdãos condenatórios da Relação que revogaram sentenças absolutórias de 1.ª
instância.
Disse-se sobre esta questão no acórdão nº 49/2003, de 29 de Janeiro (Diário da
República, II Série, de 16 de Abril de 2003), na parte que releva, que não
desrespeita o nº 1 do artigo 32.º da CRP a norma da alínea e) do nº 1 do artigo
400º do CPP, quando interpretada no sentido de não admitir o recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça a decisão condenatória proferida pela Relação em
recurso de decisão absolutória da 1ª instância, por o acórdão da Relação
consubstanciar a garantia do duplo grau de jurisdição, tendo em conta que
perante ela o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa.
Tal aresto sustentou-se na argumentação que se transcreve:
“(...)
A questão de constitucionalidade suscitada reside, assim, em saber se o nº 1 do
artigo 32º da Constituição impõe o direito a recorrer de decisões condenatórias
proferidas pelo tribunal da relação em recurso de decisões absolutórias,
relativamente a crimes de pequena gravidade (puníveis com pena de multa ou com
prisão até cinco anos). Apenas se considera, portanto, a norma contida na alínea
e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal quando aplicada a recursos
interpostos de acórdãos condenatórios da Relação proferidos em recursos
interpostos de decisões absolutórias da 1ª instância, pois que é a esta dimensão
que as alegações apresentadas neste Tribunal pela recorrente restringem o
objecto do recurso de constitucionalidade.
4. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para
salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais
importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.
Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos.
Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito, mesmo
que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese de um erro de
julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito – é
dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida
proporcionar a detecção de tais erros, através de um novo olhar sobre o
processo.
Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a
proceder à apreciação da decisão proferida, o que, naturalmente, tem a
virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão
obtida nesta nova sede.
Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal
superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição
jurídico-processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade de
o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão
sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão
possa ter em consideração a argumentação da defesa.
Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso entroncam
verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. A ligação entre o
direito ao recurso e o duplo grau de jurisdição é, pois, evidente, sendo
reconhecida pela recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal (cfr. a
conclusão D).
5. A norma impugnada pela recorrente – contida na alínea e) do nº 1 do artigo
400º do Código de Processo Penal – exclui, nos casos nela previstos, a
possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos
proferidos em recurso pela relação.
Importa ter presente, todavia, que tais acórdãos resultam justamente da
reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o
arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Por outras palavras, o
acórdão da relação, proferido em 2ª instância, consubstancia a garantia do duplo
grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao
recurso.
Dir-se-á – como faz a recorrente – que, tendo havido uma decisão absolutória na
primeira instância, o direito ao recurso implicaria a possibilidade de recorrer
da primeira decisão condenatória: precisamente o acórdão da relação.
Tal entendimento, não só encara o direito ao recurso desligado dos seus
fundamentos substanciais (como resulta do que já se disse), mas levaria também,
em bom rigor, a resultados inaceitáveis, como se passa a demonstrar.
Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o
duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma faculdade de
recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória, ainda
que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do
Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto de decisão da
Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância. O que ninguém aceitará.
A verdade é que, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos
razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante
a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias.
Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao
Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralização, e a
circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta
segunda justificação, aliás, explica a diferença entre as alíneas e) e f) do nº
1 do artigo 400º do Código de Processo Penal; com efeito, se ao crime em causa
for aplicável pena de prisão 'não superior a oito anos' (alínea f)) – não sendo
hipótese abrangida pela alínea e), naturalmente –, só não cabe recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se
este confirmar 'decisão de 1ª instância'.
Não se pode, assim, considerar infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição
pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já que a apreciação do
caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias
de defesa constitucionalmente consagradas.
6. A concluir, refira-se o artigo 2º do protocolo nº 7 à Convenção para a
Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para
ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 22/90, 27 de Setembro,
e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 51/90, da mesma data),
cujo texto é o seguinte:
Artigo 2º
1 – Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem
o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de
culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os
fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei.
2 – Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores,
definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em
primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no
seguimento de recurso contra a sua absolvição.
Como se vê, a parte final do nº 2 ressalva, precisamente, a hipótese que está em
apreciação no presente recurso.”
No mesmo sentido se decidiu pelos acórdãos n.ºs 255/2005, 487/2006 e 682/2006,
in www.tribunalconstitucional.pt.
Ora, se assim é quando a decisão da Relação inverte o sentido da decisão de 1.ª
instância, condenando o arguido quando a decisão de 1.ª instância era
absolutória, por maioria de razão não será inconstitucional a norma quando
interpretada no sentido de não admitir recurso em caso de a decisão do tribunal
superior não manter a suspensão da execução da pena de prisão”.
4. Os argumentos dos reclamantes não abalam os fundamentos em que assenta a
decisão sumária, que correspondem a jurisprudência uniforme e constante do
Tribunal quanto à garantia de recurso consagrada no n.º 1 do artigo 32.º da
Constituição.
Em primeiro lugar importa notar que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar
o acerto da decisão do Supremo Tribunal quanto à escolha e interpretação do
direito ordinário, designadamente quanto a saber se, face às disposições do
Código de Processo Penal aplicáveis, o recurso deveria ter sido admitido.
Por outro lado, é também deslocada a insistência do arguido B. em que não se
trata de uma situação de “dupla conforme”. Não foi esse o motivo operante da
rejeição do recurso por ele interposto.
Fundamento comum às duas reclamações é o de que não pode considerar-se garantido
em concreto um grau de recurso quando a aplicação da pena de prisão efectiva só
tenha ocorrido na Relação, atendendo a que está em consideração o valor da
liberdade. Mas, esta circunstância não justifica a revisão da jurisprudência do
Tribunal. Tal condenação resulta justamente da reapreciação por um tribunal
superior (o tribunal da relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade
de expor a sua defesa. Face a uma mesma imputação penal e à pretensão de
aplicação de uma pena privativa de liberdade arguido tem a oportunidade de
defender perante dois tribunais, o tribunal de 1.ª instância e o tribunal
superior, o seu direito à liberdade. Perante o tribunal superior pode fazer
rever tanto a decisão que o condenou, como contrariar a pretensão de que essa
condenação seja agravada, designadamente que se converta em pena privativa de
liberdade.
Tanto basta para, transpondo o entendimento firmado pelo Tribunal na
jurisprudência citada na decisão reclamada, julgar improcedentes as reclamações.
5. Decisão
Nestes termos, decide-se julgar improcedentes as reclamações e
condenar os recorrentes em custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
Lx. 14/8/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão