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Processo n.º 354/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
A. e outra reclamaram de um despacho do relator no Tribunal da Relação de
Coimbra que lhes havia desatendido uma arguição de nulidade processual por
violação do artigo 3º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
O despacho foi mantido, em conferência, pelo acórdão 22 de Abril de 2008 do
Tribunal da Relação de Coimbra.
Dessa decisão interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, que não foi
admitido, por despacho do relator no Tribunal da Relação, do seguinte teor:
“Por requerimento apresentado em 14/01/2009, a fls. 743 e segs dos autos, A. e
outra vêm, desta feita, interpor recurso para o Tribunal Constitucional da
decisão de fls. 273 e segs, datada de 22-4-2008, «no tocante aos art.°s 3° n° 3
e 664° do C. R. Civil», e isto apesar de reconhecerem explicitamente que «o
recurso constitucional apenas é interposto de decisões de que não cabe recurso
ordinário», atento o disposto no art° 7 n° 2 da Lei do Tribunal Constitucional.
Por isso, e uma vez que, por requerimento posterior, de 23/01/2009, junto a fls.
815 e segs (que a seguir se apreciará), vieram igualmente agravar daquela mesma
decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, decidiu-se convidá-los a esclarecer
tal contradição e explicar o que, efectivamente, pretendiam.
As fls. 823, vieram, todavia, insistir na apreciação de ambos os requerimentos
de interposição de recurso.
Ora, como bem referem os requerentes, citando o art.° 70° n° 2 da Lei do
Tribunal Constitucional, os recursos previstos nas als. b) e f) do n° 1 do
preceito «apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário».
Logo, tendo eles interposto, daquela mesma decisão, também recurso de agravo
para o Supremo, tal significa que não estão ainda esgotados os recursos
ordinários que dela cabiam.
Indefere-se, consequentemente, por prematuro, o requerimento de fls 743 e segs .
Se bem compreendemos o teor do requerimento de fls 815 e segs. os acima
identificados requerentes pretendem, passados 9 (nove) meses sobre a data em que
foram notificados da decisão de fls 273 e segs. proferida em 22-4-2008, desta
voltar a interpor recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, depois
de indeferido o que já haviam interposto a fls. 280, não recebido por despacho
do Relator, de fls 455, e que a reclamação para o Sr. Conselheiro Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça veio a continuar.
Mesmo que se pudesse entender (e não pode) não estar precludida a apreciação do
presente requerimento pela anterior decisão de não recebimento confirmada pelo
Sr. Presidente do Supremo, nunca o recurso agora interposto poderia ser
admitido, atento o prazo consignado no n° 1 do art° 685° do C.P.Civil, por
manifesta extemporaneidade do requerimento.
Daí que se indefira o requerimento de fls 815 e segs[…]”.
Os interessados deduziram reclamação do despacho de não admissão do recurso, ao
abrigo do disposto no artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, com
os seguintes fundamentos:
“[…]
II O despacho impugnado
O douto despacho de 10-3-2009, do Venerando Relator na Relação de Coimbra,
considerou estar precludida a apreciação de requerimento de interposição de
agravo ao abrigo do disposto no art. 754°, n°2, 2ª parte; ou seja, considerou
que não pode já haver recurso do acórdão de 22-4-08.
Todavia, indeferiu, por prematuro, o requerimento de interposição de recurso
constitucional desse acórdão, com fundamento em que estando interposto o dito
recurso de agravo “não estão ainda esgotados os recursos ordinários”.
Portanto, no mesmo despacho de 10-3-2009, o Venerando Relator decidiu
a) que não pode já haver recurso do acórdão de 22-4-08
b) indeferir o requerimento de interposição do recurso constitucional, por
prematuro, por não estarem ainda esgotados os recursos ordinários.
Mas se não pode já haver — e por isso não o admitiu - recurso do acórdão de
22-4-08, então não pode o recurso constitucional ser indeferido, por ainda …
poder haver (não estarem ainda esgotados os recursos ordinários).
A contradição é manifesta, ferindo consequentemente de nulidade esse despacho e
devendo o recurso ser admitido. Efectivamente,
O recurso de agravo foi interposto ao abrigo dos preceitos e doutrina supra
referidos em I da presente reclamação, que obrigam à interposição do recurso
constitucional, nos termos do n° 2 do art. 70° da Lei do Tribuna]
Constitucional: quando o recurso na jurisdição cível seja de uniformização de
jurisprudência, ou em tal possa vir a transformar-se, ele não suspende o prazo
para a interposição do recurso constitucional,
Os recorrentes pedem assim a Vossas Excelências, no deferimento da presente
reclamação, a admissão do recurso constitucional do douto acórdão de 22-4-2008
no tocante aos arts. 3° n° 3 e 664° do CPC, nos termos constantes dos
requerimentos de 14-1-2009, a fls. 743 a 748, e de 9-l0-08, que o Venerando
Relator na Relação de Coimbra indeferiu pelo seu douto despacho de 10-3-2009,
ora impugnado [...]”.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou-se, invocando a questão prévia de não suscitação da questão de
constitucionalidade no decurso do processo, a que os reclamantes responderam
alegando terem cumprido esse ónus processual (fls 80-82 e 90-99)
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão de que os reclamantes pretendem interpor recurso de
constitucionalidade é a do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22 de Abril de
2008, a fls. 40 e acima transcrita.
Atendendo a que o recurso de constitucionalidade apenas pode ter sido interposto
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
uma vez que as restantes alíneas deste preceito manifestamente não são
aplicáveis ao caso, interessa saber se assiste razão ao Ministério Público,
quando sustenta que os reclamantes não suscitaram, perante o tribunal recorrido,
a questão de inconstitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso,
e que se reporta às normas dos artigos 3º, n.º 3, e 664º do Código de Processo
Civil.
Nos termos dos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional, deviam os ora reclamantes ter colocado ao tribunal que proferiu
a decisão recorrida, em termos processualmente adequados, a questão de
inconstitucionalidade que agora colocam ao Tribunal Constitucional: ou seja,
deviam ter suscitado a questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos
3º, n.º 3, e 664º do Código de Processo Civil na reclamação que determinou a
prolação do citado acórdão de 22 de Abril de 2008.
Percorrendo, porém, tal reclamação (fls. 36 e seguintes que aqui se tem como
reproduzida), verifica-se que não é aí imputada qualquer inconstitucionalidade
aos mencionados preceitos legais, em si mesmos considerados ou numa certa
interpretação normativa.
Aliás, também na peça processual que determinara o despacho do relator então
reclamado (fls. 30 e seguintes), nenhuma questão de inconstitucionalidade
normativa vem colocada, pois que se limitaram a censurar a inconstitucionalidade
de uma interpretação do artigo 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil que não
chegam a identificar.
Daí que se conclua que, não tendo sido cumprido o ónus de suscitação da questão
de inconstitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso, não possa
dele conhecer-se, sem necessidade de aferir o preenchimento dos restantes
pressupostos processuais do recurso.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, confirma-se o despacho de não
admissão do recurso de constitucionalidade, ora reclamado.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 1 de Julho de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão