Imprimir acórdão
Processo 785/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., Lda. e recorrida a Câmara
Municipal de Amarante, foi interposto recurso de acórdão proferido pela Secção
de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em 03 de
Julho de 2008 (fls. 260 a 278) para apreciação da constitucionalidade “das
normas dos art.ºs 28º a 32º do Regulamento Municipal para Liquidação e Cobrança
de Taxas pelo Licenciamento de Obras Particulares e Ocupação da Via Pública por
Motivo de Obras, Loteamento, Licenças de Utilização de Edifícios, Propriedade
Horizontal, Licenciamento Sanitário, Taxa Municipal de Urbanização e Regime de
Compensação publicado no Diário da República, II Série, n.º 69, apêndice n.º 34,
de 23/03/1999, com a interpretação com que foram aplicados no douto acórdão
recorrido de que a compensação em disputa tem a natureza de taxa e não de
imposto e, portanto, de tributo bilateral e sinalagmático e não de tributo
unilateral” (fls. 2839).
2. Notificada para tal pela Relatora, a recorrente produziu alegações, das quais
constam as seguintes conclusões:
«1ª — No presente recurso está em causa dilucidar a questão da
natureza jurídica da compensação prevista nos art.°s 28° a 32° do regulamento
municipal, para apurar se a mesma se configura como um tributo bilateral ou taxa
ou como um tributo unilateral ou imposto.
2ª — A diferença entre taxa e imposto reside no facto de na primeira
existir um nexo de sinalagmaticidade entre a prestação do sujeito passivo e a
contraprestação a cargo do sujeito activo, nexo esse que inexiste no segundo.
3ª — Contudo, o nexo de sinalagmaticidade característico da taxa não
pode quedar-se por uma bilateralidade meramente jurídica, formal ou aparente;
4ª — Pois, verificado o nexo da bilateralidade jurídica, é ainda
necessário que entre as prestações a cargo do sujeito activo e a contraprestação
a cargo do sujeito passivo exista uma proporcionalidade material e real, por
forma a que entre o montante de cada uma das prestações a cargo de cada um dos
aludidos sujeitos activo e passivo exista uma certa correspondência económica.
5ª — É certo que a doutrina e a jurisprudência não têm
exigido uma rigorosa correspectividade económica, por forma a que exista uma
coincidência absoluta entre o montante da prestação do sujeito activo e da
contraprestação do sujeito passivo.
6ª — Mas, de qualquer modo, tem de haver uma
equivalência razoável entre a base de cálculo do montante da taxa e o respectivo
facto gerador, de modo a que se verifique, de facto, uma conexão bastante
aproximada ao custo do serviço público prestado ou posto individualizadamente à
disposição do sujeito passivo, o que constitui uma exigência do princípio da
cobertura dos custos, devendo então o montante da taxa corresponder ao custo
real muito aproximado ou previsível do serviço prestado.
7ª — No caso dos autos, a recorrida — como lhe competia
enquanto sujeito activo — nunca concretizou por deliberação — como o exige o
art.° 29° do regulamento — ou por outro modo quais as infra-estruturas
municipais ou quais os equipamentos por si construídos ou a construir ou a
reforçar no futuro que fossem consequência directa ou indirecta de aprovação da
nova operação urbanística ou que tenham beneficiado directa ou indirectamente o
prédio a lotear.
8ª — Vale isto por dizer que nenhuma utilidade prestou o
município, directa ou indirectamente, ao sujeito passivo pagador da compensação.
9ª — Pelo contrário: está provado nos autos que, por
imposição da CMA, o sujeito passivo foi obrigado a ceder ao município, para se
integrar no domínio público, quatro parcelas do prédio a lotear, com a área
total de 2992,14 m2, destinadas a área ajardinada, arruamentos, passeios e baias
de estacionamento, parcelas essas que correspondem a 55,5% da área total do
prédio.
10ª — Foi ainda imposta pela CMA ao sujeito passivo a
realização à sua custa de todas as obras de urbanização pressupostas pela
operação de loteamento descritas no alvará;
11ª — Bem como o pagamento da taxa pela execução de
infra-estruturas urbanísticas, no montante liquidado pela CMA.
12ª — O prédio loteado, como se prova nos autos, não
estava servido pelas infra-estruturas referidas na al. b) do art.° 30 do Dec.—
Lei nº 448/91;
13ª — E o loteador/sujeito passivo da compensação cedeu
parcelas para todas essas infra-estruturas e para equipamentos públicos, como
área ajardinada de utilização colectiva.
14ª — A compensação liquidada e cobrada à recorrente
mostra-se, por isso, completamente alheia ao custo de um suposto serviço
prestado pelo município — que foi igual a zero — e com ele não tem qualquer
conexão, nem sequer jurídica, mas muito menos de razoável equivalência
económica, aparecendo-nos totalmente desligada do custo dessa contraprestação
pública.
15ª — Pelo que a compensação em causa configura-se como
um tributo unilateral, isto é, como um imposto, porque quebrado se mostra, de
forma irrefutável, o critério da sinalagmaticidade.
16ª — Por outro lado, determina o art.° 30º do
regulamento que o valor da compensação é calculado por uma comissão de
avaliações, “segundo de critérios definidos no Código das Expropriações”.
17ª — Os critérios utilizados pelo C.E. para determinar
o valor corrente de mercado de um certo e determinado bem imóvel são aleatórios
e subjectivos, dependendo exclusivamente de quem avalia;
18ª — E, de qualquer modo, o resultado da avaliação é
insindicável pelos tribunais, pelo que o sujeito passivo da compensação fica
totalmente condicionada por critérios aleatórios, subjectivos e até
discricionários.
19ª — A exigência de um tributo, como a compensação em
causa, porque se trata de uma exacção de natureza fiscal, não pode ficar
dependente de critérios subjectivos, aleatórios, discricionários e insindicáveis
jurisdicionalmente pelos sujeitos passivos seus pagadores, pois que a actividade
tributária do município está sujeita aos princípios da legalidade fiscal e da
igualdade tributária;
20ª — E todos os pressupostos e critérios de
determinação do quantum compensatório devem estar prévia e claramente definidas
por lei ou, ao menos, por regulamento.
21ª — Ora, o art.° 30º do regulamento aqui em discussão
não define com precisão, objectividade e rigor, os critérios de determinação do
quantum indemnizatório exigido e cobrado ao sujeito passivo, que fica
dependente, em exclusivo, dos critérios, bom senso ou bom gosto — para sermos
benévolos — da dita Comissão de Avaliação e, depois, da CMA que valida o laudo
daquela comissão.
22ª — Por tudo o exposto, as normas dos art.°s 28° a 32°
do regulamento são organicamente inconstitucionais, por violação do disposto nos
art.°s 103°, n.º 2, e 165°, n.º 1, al. i) da Constituição;
23ª — E ilegais por violação do disposto nos nºs 2 e 3 do art.° 4° da LGT.»
(fls. 293 a 315)
3. A recorrida apresentou as seguintes conclusões nas contra-alegações:
«1. Não foi a ora Recorrente, mas sim a sua antecessora Sociedade de
Construções B., Lda. que, em 09/02/01 requereu ao Presidente da Câmara Municipal
de Amarante o licenciamento de uma operação de loteamento a incidir sobre o seu
prédio que identificou.
2. Só em 16/09/02 foi emitido em seu nome, da Recorrente, o alvará de
obras de loteamento nº. 9/2002 a que respeitava aquele requerimento.
3. E isto porque por escritura pública de 24/07/02 a Recorrente tinha
comprado à referida antecessora o seu prédio sobre o que incidia a acima citada
operação de loteamento.
4. Depois, por seu requerimento de 26/07/02, solicitou ao Presidente da
Câmara Municipal de Amarante que fosse averbado em seu nome o processo de
loteamento em causa. O que foi deferido por despacho da Vereadora do Pelouro de
19/08/02.
5. Logo, e espontaneamente aquela Sociedade de Construções B., Lda., na
memória descritiva e justificativa, que acompanhava o seu requerimento inicial,
declarou expressamente pretender pagar a compensação devida e não ceder terreno
para equipamentos, invocando para tal o disposto no nº. 16° do DL. 448/91.
6. Assim assumiu a obrigação legal de pagar compensação em dinheiro pela
não cedência de terreno para equipamentos públicos.
7. Como sua sucessora, transmitiu-se para a Recorrente aquela assumida
obrigação.
8. A Recorrente solicitou ao Presidente da Câmara Municipal de Amarante
o pagamento da mesma compensação em prestações mensais.
9. A Recorrente pagou a liquidada quantia referente à compensação e não
lavrou qualquer protesto; nem fez declarações em contrário.
10. A Recorrente, ao não honrar a palavra dada e escrita, dando o dito por
não dito, defraudou a confiança da Câmara Municipal de Amarante, o que configura
um manifesto venire contra factum proprium.
11. Pelo art. 16° do DL. 448/91 o loteador é obrigado a ceder
gratuitamente à Câmara Municipal parcelas de terreno para espaços verdes
públicos e de utilização colectiva, intra-estruturas e equipamentos públicos.
12. Obrigação essa já exigida pela legislação pregressa e mantida pela
actual, designadamente pela nova redacção dada ao art. 45° do DL. 559/99, pela
L. 60/07 de 04/09.
13. A não cedência de terreno para cada um daqueles fins implica a
obrigação de o loteador pagar tantas compensações quantas as não cedências de
terreno para cada um dos mesmos fins.
14. A Recorrente, nem a antecessora, não cederam terreno para equipamento
público, daí ser obrigada legalmente a pagar compensação.
15. Pela referida e licenciada operação de loteamento foram constituídos
três lotes para construção de habitação colectiva.
15.1 E neles edificados três edifícios de 5 pisos, 7 pisos e 6 pisos,
respectivamente no lote 1, no lote 2 e no lote 3.
15.2 E em cada um desses edifícios foram construídos 17 fogos, 18 fogos e 14
fogos, também respectivamente, num total de 49 fogos.
16. Quer pela douta sentença do T.A.F. de Penafiel, quer pelo douto
acórdão do T.C.A. Norte foi julgado ter a natureza de taxa a compensação devida
pela não cedência gratuita de terreno para equipamentos públicos.
17. Imposto é a participação dos cidadãos nos gastos gerais da comunidade
em cumprimento de um dever fundamental da cidadania.
18. Sobre a Recorrida impendia a obrigação legal de pagar compensação pela
não cedência de terreno para equipamentos públicos, como dispõe o art. 16° - 4
do DL. 448/91.
19. Tal compensação tem a natureza de taxa.
20. Constitucionalmente é reconhecido às autarquias locais o poder
regulamentar de cobrar taxas.
21. A não cedência de terreno pela Recorrente para equipamentos públicos
traduziu-se para ela numa grande vantagem e num grande benefício.
22. Vantagem e benefício esses muito grandes se se atender à área que
teria de ceder para aqueles fins, atento o disposto na rubrica “Parâmetros de
dimensionamento” do Quadro I da P. 1182//92 de 29/12, titulo “Equipamentos de
utilização colectiva (£) “.
23. Vantagem e benefício tão grandes que a cedência de terreno para
equipamentos públicos não permitia a construção dos três referidos edifícios e
consequentemente a edificação dos 49 fogos.
24. Do exposto resulta existir uma proporcionalidade real e material entre
o montante da compensação paga e o grande benefício colhido pela não cedência de
terreno para equipamentos públicos.
25. Os art. 28° a 32º do Regulamento citado pela Recorrente não são
organicamente inconstitucionais e não violam o disposto nos nºs 2 e 4 do art. 4º
da L.G.T.; e não é aleatória a avaliação a que se reporta aquele art. 30º.»
(fls. 320 a 331)
4. Na fase de elaboração de projecto de acórdão, a Relatora verificou que
algumas normas que constituíam objecto do presente recurso não foram objecto de
aplicação efectiva pela decisão recorrida, pelo que, ao abrigo do artigo 704º,
n.º 1, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º, da LTC, ordenou a notificação da
recorrente para que, querendo, se pronunciasse sobre a possibilidade de não
conhecimento do recurso, quanto a essa parte (fls. 333).
Notificada para o efeito, a recorrente deixou expirar o prazo sem que viesse aos
autos oferecer qualquer requerimento.
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Delimitação do objecto do recurso
5. A título prévio, importa delimitar o objecto do presente recurso. Isto
porque, apesar de a recorrente ter fixado como objecto do recurso as normas
constantes dos artigos 28º a 32º do Regulamento Municipal para Liquidação e
Cobrança de Taxas pelo Licenciamento de Obras Particulares e Ocupação da Via
Pública por Motivo de Obras, Loteamento, Licenças de Utilização de Edifícios,
Propriedade Horizontal, Licenciamento Sanitário, Taxa Municipal de Urbanização e
Regime de Compensação, do Município de Amarante [de ora em diante abreviado por
RMLT], verifica-se que:
i) A recorrida não acordou com a recorrente a cedência
de parcelas de terreno de áreas superiores às exigíveis, conforme permitido pelo
n.º 3 do artigo 31º do RMLT;
ii) A recorrente não beneficiou da isenção prevista pelo
artigo 32º do referido regulamento municipal.
Como tal, é incontestável que a decisão recorrida não aplicou efectivamente as
normas extraídas do n.º 3 do artigo 31º e do artigo 32º do RMLT, pelo que, por
força do artigo 79º-C da LTC, não é possível tomar conhecimento daquela parte do
objecto do recurso.
Frise-se ainda que não se apreciará a constitucionalidade da norma extraída do
n.º 4 do artigo 16º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, por aquela não
ter sido requerida pela recorrente, limitando-se assim este Tribunal a conhecer
da constitucionalidade das normas já supra mencionadas do RMLT do Município de
Amarante, “com a interpretação com que foram aplicados no douto acórdão
recorrido de que a compensação em disputa tem a natureza de taxa e não de
imposto e, portanto, de tributo bilateral e sinalagmático e não de tributo
unilateral” (fls. 2839).
B) Apreciação do mérito
6. As normas que a recorrente reputa de inconstitucionais constam de
regulamento municipal aprovado pela Assembleia Municipal de Amarante, sob
proposta da respectiva Câmara Municipal, e são as seguintes:
“Artigo 28º
Âmbito
Haverá lugar ao regime de compensação sempre que se verifique o previsto no
artigo 16º do Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro com a redacção dada pelo
Decreto-Lei nº 334/95, de 28 de Dezembro, alterado por ratificação pela Lei nº
26/96, de 1 de Agosto.
Artigo 29º
Cedências
A Câmara Municipal delibera em cada caso ponderado as condicionantes se no
prédio a lotear há lugar a cedência prevista no número do artigo 16º do
Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 334/95,
de 28 de Dezembro, alterado por ratificação pela Lei 26/96, de 1 de Agosto,
designadamente as relativas a infra-estruturas viárias, espaços verdes, outros
espaços de utilização colectiva e áreas para equipamento público, nos termos da
Portaria nº 1182/92, de 22 de Dezembro.
Artigo 30º
Cálculo de compensação
O valor da compensação é determinado pela Câmara de acordo com a avaliação
elaborada pela comissão de avaliações, calculando-se o custo do metro quadrado
de terreno segundo os critérios definidos no Código das Expropriações,
multiplicando-se pela área de terreno objecto de compensação, quando o prédio a
lotear já estiver servido pelas infra-estruturas ou quando não se justificar a
localização de qualquer equipamento público no dito prédio.
Artigo 31º
Pagamento
1 – A compensação será paga em numerário ou por cedência de parcelas de terreno.
2 – O promotor do loteamento pode sempre optar pelo pagamento da compensação em
numerário. Porém, só pode efectuar o pagamento em espécie quando pretenda ceder
um ou mais lotes com área igual ou inferior á da cedência, pagando neste caso a
diferença em numerário.
4 – O pagamento da compensação em numerário poderá ser autorizado em regime de
prestações, de acordo com o plano a apresentar pelo loteador.”
Enunciados os textos normativos em questão, importa então qualificar
a natureza jurídica da compensação prevista no RMLT do Município de Amarante.
Tal compensação, a pagar pelos requerentes de licenças de obras particulares no
território daquele município, pode ser qualificada como “tributo pela realização
de infra-estruturas urbanísticas”. Mais complexa será a sua qualificação como
“taxa” ou “imposto”, questão que, de ora em diante, passaremos a apreciar.
7. Recentemente, este Tribunal teve oportunidade de identificar a
divergência doutrinária a propósito da qualificação dos tributos pela realização
de infra-estruturas urbanísticas. No Acórdão n.º 258/08, proferido em 30 de
Abril de 2008 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt), disse-se:
“A natureza jurídica das chamadas “taxas pela realização de infra-estruturas
urbanísticas” foi tratada amiúde na doutrina e na jurisprudência.
Diogo Leite de Campos considerou que a “taxa” prevista no Regime Jurídico do
Licenciamento das Operações de Loteamento e das Obras de Urbanização
(Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro), sendo devida independentemente da
necessidade e do valor das infra-estruturas a realizar, era um imposto (em
“Fiscalidade do urbanismo”, comunicação publicada em “Direito do urbanismo”,
pág. 460, ed. do I.N.A., de 1989).
Freitas do Amaral considerou-a um imposto quando é o próprio particular que
realiza, por sua conta, as obras de infra-estruturas urbanísticas (em “Direito
do urbanismo (sumários)”, pág. 119, ed. pol. de 1993). No mesmo sentido se
pronunciaram Osvaldo Gomes, (em “Direito do urbanismo”, comunicação publicada em
“Direito das empresas”, pág. 201 e seg., ed. do I.N.A., de 1990) e Fernando
Condesso (em “Direito do urbanismo. Noções fundamentais.”, pág. 522, ed. da Quid
iuris, 1999).
Sérgio Vasques pronunciou-se no sentido destas “taxas” representarem genuínas
contribuições especiais, informando que assim são consideradas na Alemanha,
Brasil e Espanha (na ob. cit., pág. 117-118, da ed. de 2008, da Almedina).
António Afonso Marcos, analisando concretamente a “taxa de urbanização”,
prevista no Regulamento Municipal de Obras, aprovado pela Assembleia Municipal
do Porto, em 5-6-1989, qualificou-a como uma contribuição especial, por não se
revelar uma contrapartida de qualquer prestação individual de serviço a
particulares (em “As taxas municipais e o princípio da legalidade fiscal”, em
“Fisco”, n.º 74/75, pág. 21 e seg.).
Eduardo Paz Ferreira, analisando concretamente a “taxa pela realização de
infra-estruturas urbanísticas” aprovada pela Assembleia Municipal de Lisboa em
reunião de 11/7/1991, a qual está em causa neste recurso, considerou que a mesma
tinha a natureza de taxa, por ser a contrapartida da realização actual ou futura
daquelas infra-estruturas (em “Ainda a propósito da distinção entre impostos e
taxas: o caso da taxa municipal devida pela realização de infra-estruturas
urbanísticas”, em “Ciência e Técnica Fiscal”, n.º 380, pág. 59 e seg.).
Aníbal de Almeida, analisando o mesmo regulamento, pronunciou-se em sentido
idêntico (na ob. cit., pág. 35 e seg.).
Nuno Sá Gomes discordou, contudo, da posição de Eduardo Paz Ferreira,
considerando a referida “taxa” um imposto, por não ter uma contrapartida
devidamente individualizada, além de considerar o seu regime jurídico opaco, por
se encontrar em regulamento camarário confuso e dificilmente acessível aos
contribuintes (em “Alguns aspectos jurídicos e económicos controversos da
sobretributação imobiliária no sistema fiscal português”, em “Ciência e Técnica
Fiscal”, n.º 386, pág. 92 e seg.).
Benjamim Rodrigues sobre o mesmo tributo “propendeu para afastar a qualificação
como taxa”, por falta de exigência de demonstração pela edilidade da existência
de custos programados com a realização de infra-estruturas e por permitir a
cobrança de prestações futuras, cuja possibilidade de realização é aleatória.
Qualificou também como um imposto a TRIU, criada pelo Regulamento Municipal
sobre taxas e cedências relativas à administração urbanística do Município de
Coimbra, publicado a coberto do edital nº 34/99 (na ob. cit., pág. 202 e seg.).
Casalta Nabais “inclina-se no sentido da natureza de taxa” de tal tributo,
chamando a atenção que essa conclusão só pode, contudo, ser confirmada, tendo em
conta o recorte de cada “taxa” em concreto, procedendo-se, em cada caso, à
averiguação, de um lado, da existência da bilateralidade que caracteriza as
taxas e, de outro, da existência de uma equivalência entre as prestações (em
“Tributação e urbanismo no direito europeu”, na Rev. CEDOUA, nº 13, Ano VII, nº
4, pág. 23-25, “Por um estado fiscal suportável. Estudos de direito fiscal”,
pág. 316-319 e 586-590, ed. de 2005, da Almedina, e em “Fiscalidade do
urbanismo”, em “O sistema financeiro e fiscal do urbanismo. Ciclo de Colóquios:
o direito do urbanismo do século XXI”, pág. 53-55).”
Não se verifica pois um consenso quanto à qualificação daquele
tributo. Contudo, de todas as posições doutrinárias referidas extrai-se um
acordo quanto ao elemento decisivo da natureza sinalagmática do tributo, para
que tal possa ser qualificado como “taxa” (assim, ver, por exemplo, Casalta
Nabais, “Tributação e Urbanismo no Direito Europeu”, in «Estudos em Homenagem ao
Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha», 2005, FDUL, pp. 486 e 487). Ou
seja, caso seja possível demonstrar que a “compensação” visa efectivamente
funcionar como contrapartida financeira da prestação por uma entidade pública
com vista à disponibilização à comunidade de infra-estruturas urbanística
estaremos perante uma taxa.
Daqui decorre que, caso seja possível demonstrar que a compensação prevista e
densificada nos artigos 28º a 31º, n.º 1, do RMLT, assegura um mínimo de
correspectividade entre o valor a suportar e o benefício retirado pelo
recorrente, tal tributo deve ser qualificado como “taxa”. Caso contrário, deverá
ser qualificado como “imposto”.
Ora, precisamente a propósito de tributos locais relativos à
disponibilização de infra-estruturas urbanísticas, o Tribunal Constitucional tem
sedimentado a sua jurisprudência no sentido de que a natureza de taxa dependerá
da detecção de uma contrapartida específica a prestar pela autarquia local.
Sobre o regulamento municipal de Amarante, ora em apreço – ainda que
relativamente a normas distintas –, foi dito o seguinte (cfr. Acórdão n.º
357/99, publicado in «Diário da República», IIª Série, de 02 de Março de 2000):
“(…)
Incidindo a taxa sobre obras de construção, reconstrução ou ampliação de
edificações destinadas a habitação, indústria, comércio e profissões liberais
(em terrenos não loteados) ou sobre operações de loteamento nos termos do artigo
1º do DL nº. 400/84 e legislação complementar, relativamente aos lotes servidos
por arruamentos públicos existentes (artigos 2º, corpo e 3º, corpo), desde logo
se pode concluir que o 'objectivo' referido no artigo 1º não traduz uma mera
afectação financeira das receitas provenientes da cobrança da taxa, mas a
compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar, pelo município, causadas,
directa ou indirectamente, pelas obras sobre que a taxa incide.
Determinando estas obras a necessidade, actual ou futura, de realização de
infra-estruturas urbanísticas, tais como as enunciadas no corpo do artigo 1º,
elas constituem, afinal, a contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela
autarquia conexionado com o pagamento da taxa.
Este nexo surge, aliás, mais nítido quando, nos termos do artigo 2º nº. 1 do
Regulamento se dispõe que a 'cobrança não será efectuada sempre que se realizem
obras em terrenos já onerados anteriormente com semelhante encargo' e no nº. 2
do mesmo artigo se estabelece que a taxa não será cobrada nos casos de
edificações de 'pequena importância, sem actividade própria e/ou independente';
e, ainda, quando, em lotes servidos por algumas infra-estruturas a cargo do
loteador, a cobrança se limita, por força do artigo 3º nº. 2, 'em função da
parte das infra-estruturas que não fiquem realizadas' ou quando, no artigo 4º,
se dispõe que a taxa não será cobrada nos casos de 'obras de construção em
loteamento cujas infra-estruturas tenham sido custeadas pelo promotor do
loteamento e integradas no domínio público'.
Esta delimitação negativa da incidência da taxa revela, claramente, que o
tributo visa corresponder a serviços prestados, ou a prestar, pela autarquia
numa conexão directa com as obras realizadas.”
Noutra oportunidade, através do Acórdão n.º 410/2000, do Plenário, o
Tribunal Constitucional (com seis votos de vencido), a propósito de um
regulamento municipal da Póvoa do Varzim, adoptou uma concepção de
sinalagmaticidade meramente jurídica ou formal:
“Colhe-se deste enunciado que o serviço prestado pela autarquia está conexionado
com o pagamento do tributo e encerra a ideia de contraprestação específica. Que
assim é, corrobora o artigo 4º do diploma – 'regime especial dos loteamentos' –
que não sujeita a essa taxa as obras de construção a realizar nos loteamentos
urbanos com infraestruturas a cargo do loteador, quando a licença tenha sido
titulada por alvará de loteamento passado há menos de cinco anos e tramitado de
acordo com o § único do artigo 5º do mesmo texto (nº 1 do preceito), ao passo
que no caso de construção sita em lote onde tenha sido cobrada essa taxa e não
se encontre esgotado aquele prazo, apenas haverá lugar a cobrança adicional se a
construção exceder a área sobre a qual foi a taxa calculada (nº 2).
Encontram-se, assim, por um lado, especificadas as situações susceptíveis de
originarem a cobrança da taxa, individualizando-se, inclusivamente, as operações
em que são percebidas pelos particulares as utilidades inerentes às
infraestruturas urbanísticas. São as mesmas expressão da iniciativa autárquica
na realização daquelas infraestruturas e na execução dos equipamentos públicos
necessários à utilização colectiva dos munícipes.
(…)
A realização de infra-estruturas urbanísticas ocorre, por via de regra, na fase
das operações de loteamento, nomeadamente quando os municípios assumem uma
função de estímulo à iniciativa de urbanização e de construção (proporcionando a
abertura de arruamentos, construindo infra-estruturas de abastecimento de água e
de saneamento, por exemplo). O que se compreende: o loteamento urbano constitui
um instrumento típico de transformação urbanística do solo, fazendo-se
acompanhar, como tal, e normalmente, das operações materiais necessárias e
implícitas à iniciativa.
No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de
funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se
está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como
parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do
Regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com
as dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de
urbanização.
Digamos que ainda aqui funciona a lógica de interacção em que a taxa se insere
(e a que o acórdão nº 1108/96 alude), bastando-se com a sinalagmaticidade
construída juridicamente, já anteriormente mencionada.”
Ainda que com vários votos de vencido, considerou-se então que, em
caso de dificuldades financeiras do município para custear as obras de
construção de infra-estruturas urbanísticas, nem sequer seria exigível uma
imediata realização dessas mesmas obras, para que se julgasse preenchido o
requisito da sinalagmaticidade. Exigido era que o tributo a suportar pelo
requerente do licenciamento se traduzisse numa contra-prestação (ainda que
diferida no tempo) por parte da entidade licenciadora.
8. Impõe-se, então, determinar se a compensação exigida pela recorrida à
recorrente se reveste da necessária sinalagmaticidade, de modo a que possa ser
considerada como “taxa”.
Com efeito, foi dado por provado – entre outros factos não relevantes para o
âmbito do presente recurso – que:
1º) Em 08 de Fevereiro de 2001, a sociedade comercial Construções B., LDa, a
quem a recorrente comprou posteriormente o terreno alvo de licenciamento, em 26
de Julho de 2002, se comprometeu a executar ou custear todas as obras referentes
a infra-estruturas, constantes da memória descritiva (cfr. §§ 2º e 13º da
matéria provada rectificada, a fls. 268 e 270, respectivamente);
2º) Nessa data, aquela sociedade – a quem sucedeu a recorrente – declarou não
pretender fazer cedências de térreo para equipamentos públicos, preferindo pagar
uma compensação fixada nos termos do artigo 16º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 448/91
(cfr. §. 2º da matéria provada rectificada, a fls. 268);
3º) A recorrente cedeu diversas parcelas de terreno, num total de 2.992,14 m2,
destinadas a área ajardinada, arruamentos, passeios e baía de estacionamento
(cfr. § 18º da matéria provada rectificada, a fls. 271).
Por sua vez, em primeira instância, entendeu-se que:
“Em suma, a manter-se a cedência de terrenos e a compensação nos moldes atrás
relatados, considera-se que tal situação acarreta uma dupla penalização para a
Impugnante que, no mínimo, é injusta e não pretendida pelo legislador (…).”
(fls. 201 a 203)
No entanto, após recurso interposto pela ora recorrida, o Tribunal
Central Administrativo do Norte viria a entender que:
“Recapitulando, estando o proprietário de um loteamento obrigado, por princípio,
por regra, a ceder, à câmara municipal, parcelas de terreno para espaços verdes
públicos e de utilização colectiva, infra-estruturas e equipamentos públicos,
pode ficar isento, dispensado, de tais cedências, destinadas às infra-estruturas
e aos equipamentos públicos, se o prédio já estiver servido pelas primeiras ou
não se justificar a implantação dos segundos, sendo que, então, em substituição
dessa obrigação principal, originária, de cedência, fica obrigado a pagar, em
ordem a repartir o benefício económico derivado de não ter de entregar
gratuitamente terreno, que, no futuro, poderá vir a alienar incorporado nas
construções projectadas, à mesma entidade camarária, uma compensação em
numerário ou espécie, não se vislumbrando obstáculo, impedimento legal ou
lógico, a que se cumule a realização de cedência por um motivo com a obrigação
do pagamento da compensação por outra razão; obviamente, se fizer cedências de
terreno para infra-estruturas e equipamentos não pode ser compelido ao pagamento
da compensação em apreço.
O estabelecimento desta óptica de entender o regime legal em análise implica,
desde já, a impossibilidade de acolhermos a pronúncia, vertida na sentença
aprecianda, no sentido de que, tendo sido feitas cedências de parcelas de
terreno para as obras de urbanização, não havia lugar à liquidação e pagamento
da compensação impugnada. Efectivamente, como decorre da factualidade apurada,
as cedências foram feitas para “arruamentos, baia de estacionamento, passeios e
área ajardinada”, ou seja, destinaram-se aos espaços verdes e de utilização
colectiva e às infra-estruturas viárias previstas nos nºs 1 dos arts. 15. ° e
16.° DL. 448/91 de 29.11., não tendo, inquestionavelmente , sido destinada,
afecta, qualquer parcela de terreno a equipamentos públicos, ou seja, a
“edificações destinadas à prestação de serviços à colectividade (saúde,
educação, assistência social, segurança, protecção civil ...), à prestação de
serviços de carácter económico (matadouros, feiras ...) e à prática, pela
colectividade, de actividades culturais, de desporto e de recreio e lazer … Ora,
neste circunstancialismo, como vimos, o art. 16.° n.º 4 DL. 448/91 de 29.11.,
não só, não impede, como, impõe, a par da cedência para infra-estruturas, o
pagamento de compensação, designadamente, em dinheiro, pela não entrega gratuita
de parcelas de terreno destinadas a equipamentos públicos.
Na decisão recorrida, além do fundamento vindo de avaliar, com relevo,
expendeu-se que cabia à CMA, se pretendia, para lá da cedência de terrenos
ocorrida, receber a compensação em litígio, “concretizar devidamente quais os
equipamentos públicos já existentes e por si construídos, ou a existir ou a
serem reforçados em função do novo empreendimento”. Respeitosamente, apesar de
se percepcionarem e entenderem os desígnios de clarificação, objectividade e
legitimação ínsitos a esta proposição, não conseguimos (na ausência de
apontamento explícito, por parte do seu autor) encontrar-lhe qualquer mínimo e
inequívoco suporte justificativo, no conjunto dos normativos legais reguladores
dos aspectos jurídicos da matéria em causa.
Ao invés, presente o conteúdo da Port. 1182/92 de 22.12., maxime, a respectiva e
introdutória exposição de motivos, que prevê terem de ser, os parâmetros
fixados, no diploma, para dimensionamento das parcelas destinadas, além do mais,
a equipamentos públicos, obrigatoriamente contemplados (grifamos) em operações
de loteamento a realizar em áreas não abrangidas por planos municipais de
ordenamento do território e ainda naquelas em que o plano municipal de
ordenamento do território em vigor não defina os respectivos valores”, julgamos
não ter sido querido, pelo legislador, impor, às câmaras municipais, a
específica obrigação de concretizar, identificar, individualizar, equipamentos a
implantar em todos e cada um dos loteamentos que licenciam, como condição para
poderem receber a compensação prevista no art. 16.° n.º 4 DL. 448191 de 29.11.;
apenas se lhes exige que contemplem, em cada operação de loteamento, visando
reduzir a arbitrariedade e delimitar a discricionariedade, valores mínimos de
parcelas de terreno a envolver nas cedências prescritas e fixadas por lei.
Ademais, tal eventual exigência de concretização brigaria, directa e
obrigatoriamente, com a possibilidade, outorgada pelo coligido art. 16. ° n.º 4,
de não se justificar a localização de qualquer equipamento público no prédio a
lotear, consubstanciando esta hipótese, precisamente, o elemento despoletador da
obrigação, para o proprietário, de pagar uma compensação em dinheiro ou espécie.
Na hipótese sub judíce, constata-se que, perante a manifestada preferência, da
sociedade requerente inicial do loteamento, de pagar uma compensação em vez de
ceder terreno para equipamentos públicos, no seguimento de informação dos seus
serviços técnicos — cfr. pontos 3.°, 8.° e 11.º dos factos provados, a CMA,
atendendo à localização do prédio a lotear, considerou “aceitável” tal proposta,
ou seja, implicitamente, reputou não justificada, teve por não exigível e
previsível, a localização de qualquer equipamento público no perímetro do prédio
objecto de loteamento, pelo que, constituiria absoluto contra-senso impor-lhe a
concretização preconizada na sentença. Ora, não se justificando essa
localização, instalação, de equipamentos, resultou, sem mais, preenchido o
pressuposto, positivado no art. 16. ° n.º 4 DL. 448/91 de 29.11., para o
nascimento da obrigação de lhe ser paga a compensação em disputa; aliás,
livremente aceite e proposta cumprir pela sociedade que impetrou licença para o
loteamento. “ (fls. 274 e 275)
A decisão recorrida operou pois uma cisão entre “infra-estruturas
urbanísticas” e “equipamento públicos”, considerando que, mesmo que tenham sido
cedidas parcelas de terreno com vista à construção das primeiras, manter-se-ia
como exigível o pagamento de uma compensação pela não utilização do terreno
licenciado para a construção de “equipamentos públicos”.
Ora, com efeito, o n.º 1 do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 448/91,
acolhe precisamente esta distinção, determinando que “o proprietário e os demais
titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedem gratuitamente à câmara
municipal parcelas de terreno para espaços verdes públicos e de utilização
colectiva, infra-estruturas, designadamente arruamentos viários e pedonais, e
equipamentos públicos, que, de acordo com a operação do loteamento, devam
integrar o domínio público”. Por sua vez, o n.º 4 do mesmo preceito legal dispõe
que “se o prédio a lotear já estiver servido pelas infra-estruturas referidas na
alínea b) do artigo 3.º ou não se justificar a localização de qualquer
equipamento público no dito prédio, não há lugar a cedências para esses fins,
ficando, no entanto, o proprietário obrigado a pagar à câmara municipal uma
compensação em numerário ou espécie, nos termos definidos em regulamento
aprovado pela assembleia municipal”.
Reitera-se que o objecto do presente recurso não integra as normas
extraídas dos preceitos supra citados, por exclusiva opção da recorrente.
Contudo, na medida em que as próprias normas em apreciação remetem para aquele
regime jurídico (cfr. artigos 28º e 29º do RMLT), importa sublinhar que a
interpretação normativa ora em apreço consiste na consideração de que as normas
extraídas dos artigos 28º a 31º do RMLT do Município de Amarante permitem a
sujeição dos requerentes de licenciamento de obras particulares ao pagamento de
uma compensação, sendo essa compensação considerada como “taxa” e não como
“imposto”. E é só isto que este Tribunal apreciará.
Apesar de não se ter dado por provado que a recorrida tivesse
executado, em execução ou sequer planeado a construção de quaisquer
“equipamentos públicos”, a decisão recorrida entendeu que o legislador não teria
pretendido impor às câmaras municipais a especificação de quais os “equipamentos
públicos” projectados para terrenos de construção particular a licenciar,
tendo-lhe mesmo permitido afirmar a falta de interesse na construção de tais
“equipamentos públicos”, sem que tal afastasse o dever de pagamento da
compensação referida nos artigos 28º a 31º do RMLT do Município de Amarante.
A questão que se coloca é a de saber se nesse caso ainda se pode dizer que
estamos perante uma “taxa” ou se já estaremos perante um “imposto”.
Ora, a “pedra de toque” da jurisprudência do Tribunal Constitucional, com vista
à distinção entre “taxa” e “imposto” (entre muitos outros, citem-se os Acórdãos
n.º 457/87, n.º 412/89, n.º 53/91, n.º 148/94, n.º 357/99, todos disponíveis in
www.tribunalconstitucional.pt) é a correspectividade sinalagmática do tributo.
No caso em apreço, a verdade é que, estejam ou não projectados no
terreno a licenciar, os “equipamentos públicos”, eles, mais cedo ou mais tarde,
vão ser necessários ou então já existem. Não poderá ser de outro modo.
Como nem a jurisprudência deste Tribunal nem a doutrina exigem que a
correspectividade equivalha a plena equivalência económica, admitindo-se uma
ponderada divergência entre a vantagem auferida e o montante a suportar, no caso
em apreço ainda se está perante uma “taxa” (assim, ver Benjamim Rodrigues, “Para
uma Reforma do Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo em Portugal”, in «Actas
do I.º Colóquio Internacional – O Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo»,
2002, Coimbra; Maria José Castanheira Neves / Fernanda Paula Oliveira / Dulce
Lopes, “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado”, 2006, Coimbra,
p. 487).
Além disso, para o Tribunal Constitucional, a correspectividade jurídica entre
taxa e prestação não exige uma absoluta contemporaneidade entre a cobrança do
tributo e a fruição do benefício decorrente da actividade prestadora
desenvolvida pela entidade pública. Veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 274/04:
“No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de
funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se
está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como
parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do
regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com
dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de
urbanização.”
Desta linha jurisprudencial decorre não ser desconforme à
Constituição que o pagamento de determinada taxa não dê lugar imediato à
efectivação imediata e sincrónica da prestação, “in casu”, a construção de
equipamentos públicos no terreno da ora recorrente.
Em suma, tratando-se de uma taxa não se verifica a sujeição a
reserva de lei parlamentar do artigo 165º, nº 1, al. i), da CRP, pelo que sempre
poderia ser aprovada por regulamento municipal.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso na parte em
que dele se conhece.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 8 de Julho de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão