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Processo n.º 133/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. No presente processo contra-ordenacional, instaurado contra o arguido A. por
infracção aos deveres prescritos nos artigos 35º do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3
de Abril, e 24º do Decreto-Regulamentar n.º 5/98, de 9 de Setembro, no âmbito do
exercício da actividade de ensino de condução, o Tribunal da Relação de
Guimarães, por acórdão de 15 de Dezembro de 2008, declarou extinto o
procedimento, por prescrição, por considerar que o prazo prescricional aplicável
é o prazo geral de um ano previsto no artigo 27º, alínea c), do Regime Geral das
Contra-ordenações.
Para tanto, sustentou que a norma do artigo 39º do Decreto-Lei n.º 86/98, que
estabelece o prazo prescricional relativo às referidas infracções por remissão
para o disposto no artigo 188º do Código da Estrada, alargando esse prazo para
dois anos, está ferido de inconstitucionalidade orgânica, por ter sida emitida
pelo Governo, sem autorização legislativa, em matéria que, por respeitar ao
regime geral da punição dos ilícitos de mera ordenação social, constitui reserva
relativa da Assembleia da República (artigo 165º, n.º 1, alínea d), da
Constituição).
Ademais, o acórdão da Relação acrescentou que a referida norma não pode
considerar-se ressalvada pela ulterior publicação da Lei n.º 51/98, de 18 de
Agosto, que introduziu diversas alterações no regime jurídico decorrente do
Decreto-Lei n.º 86/98, visto que ela não foi expressa ou implicitamente assumida
pelo órgão legiferante ao emitir a nova regulamentação legal.
O Ministério Público interpõs recurso obrigatório, ao abrigo do disposto no
artigo 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, e, no
seguimento do processo, apresentou as seguintes alegações:
1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público do
acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, nos autos de recurso
contraordenacional iniciados na Direcção Geral de Viação de Braga, na parte em
que julgou organicamente inconstitucional a norma constante do artigo 39º, nº 1,
do Decreto Lei nº 86/98, de 3 de Abril, ao estatuir que as contra-ordenações
atinentes ao exercício da actividade de ensino da condenação são processadas nos
termos do Código da Estrada, determinando tal regime a aplicação do prazo de
prescrição do procedimento criminal de dois anos, nos termos do artigo 188º de
tal Código (e não do prazo de um ano, decorrente do Decreto Lei nº 433/82, na
versão então em vigor).
Percorrendo a linha argumentativa seguida no acórdão recorrido, verifica-se que
a solução alcançada passou:
- pela verificação de que ao Governo, em diploma desprovido de credencial
parlamentar bastante, não é legítimo, ou sede de ilícito contraordenacional,
inovar relativamente ao respectivo “regime geral”, constante do Decreto-lei
nº433/82 (não sendo, nomeadamente, possível criar, a propósito de determinada e
específica contra-ordenação, um regime prescricional diferente do estabelecido
no citado diploma legal);
- pela circunstância de a ulterior alteração determinados regimes normativos que
constavam da versão originária do decreto Lei nº 86/98 por diploma editado pela
própria Assembleia da República – a Lei nº 51/98 – não implicar, ser mais,
automático suprimento ou “ratificação” das inconstitucionalidades orgânicas
existentes – num caso em que manifestamente o teor desta Lei não teve qualquer
conexão com a temática da prescrição do procedimento criminal (sendo
indispensável para que possa ocorrer o tal suprimento que, pelo menos, no
processo legislativo parlamentar tivessem sido objecto de discussão ou propostas
de alteração os regimes jurídicos originariamente violadores da repartição de
competências entre órgãos constitucionais).
Aceitando tal entendimento, expresso na decisão recorrida, entendemos, porém,
que o caso dos autos suscita uma questão particular, decorrente de – nas
matérias atinentes ou conexas com as infracções rodoviárias, existir no nosso
ordenamento jurídico um “regime geral específico”, com credencial parlamentar
bastante, e que – como regime especial - se sobrepõe ao Decreto Lei nº 433/82.
Efectivamente, a Lei nº 53/04, de 4/11, autorizou o Governo a rever o Código da
Estrada, criando um regime especial de processo para as contra-ordenações
emergentes de infracções ao Código da Estrada, seus regulamentos e legislação
complementar, permitindo a alínea g) do artigo 3º desse diploma legal a
qualificação como contra-ordenação de todas as infracções rodoviárias e a
aplicação do regime constante do Código da estrada revisto a todas elas.
E, em concretização desta autorização legislativa, o artigo 131º do Código da
Estrada veio dispor que constitui contra-ordenação rodoviária todo facto típico
e censurável, sancionável com coima, “correspondente á violação de norma do
Código da Estrada ou de legislação complementar, bem como de legislação especial
cuja aplicação esteja cometida à Direcção Geral de Viação”.
As contra-ordenações rodoviárias regem-se prioritariamente pelo Código da
Estrada e demais legislativa rodoviária, só subsidiariamente se aplicando o
regime geral do ilícito contraordenacional (artigo 132º).
Perante esta “concorrência” de “regimes gerais” – um (o do Decreto Lei nº
433/82) aplicável como regime normativo básico de todo o direito
contraordenacional, o outro (o do Código da Estrada) aplicável prioritariamente
às infracções especificamente conexionadas com a circulação rodoviária – o
Decreto – Lei nº 86/98 optou por – através da norma desaplicada nos autos –
enquadrar as infracções ao regime do ensino da condução no âmbito das
contra-ordenações rodoviárias, regidas pelo Código da Estrada – implicando
consequencialmente tal opção legislativa a aplicabilidade do regime
prescricional constante do artigo 188º do Código da Estrada.
Não estamos, deste modo, confrontados com uma norma, constante de diploma
editado pelo Governo, a descoberto de credencial parlamentar, que inova ou
altera quanto ao regime prescricional estabelecido nos artigos 27º e seguintes
do Decreto Lei nº 433/82 – situação em que seria inquestionável a respectiva
inconstitucionalidade orgânica, por se estabelecer, a propósito de certa e
particular contra-ordenação, regime prescricional diverso do constante do
respectivo “regime geral”.
O que, em rigor, ocorre na situação dos autos é a realização pelo Decreto-Lei nº
86/98 de uma qualificação ou enquadramento jurídico das contra-ordenações ao
regime do ensino da condução, tomando-as como “contra-ordenações rodoviárias” –
e encontrando, aliás, tal qualificação jurídica suporte bastante no já citado
artigo nº 131º do Código da Estrada, segundo o qual integram tal figura as
infracções constantes de legislação “cuja aplicação esteja convertida à Direcção
Geral de Viação”.
Ora, a nosso ver, tal operação de qualificação jurídica transcende o plano de
definição do âmbito do “regime Geral” do ilícito de mera ordenação social,
situando-se, deste modo, no âmbito da competência do Governo – e encontrando-se
legitimado face ao estatuído no artigo nº 131º do Código da Estrada.
2. Conclusão
Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1ª Situa-se no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia da
República o estabelecimento do regime geral do ilícito de mera ordenação social,
enquadrando-se no âmbito de tal figura a inovatória regulação das matérias
regidas pelo Decreto-Lei nº 433/82.
2ª Já extravasa, porém, tal “regime geral” a criação de concretas
contra-ordenações (puníveis dentro dos limites consentidos pelo diploma que
institui aquele “regime geral” do ilícito contraordenacional) e a sua concreta
qualificação ou configuração como estando ou não integradas em determinada
subespécie daquele ilícito – no caso, a das “infracções rodoviárias”,
globalmente regidas pelo Código da Estrada.
3ª Deste modo, a configuração das infracções ao regime de ensino da condução
como sendo “infracções rodoviárias”, atenta a sua evidente conexão com os
valores subjacentes a tal subespécie do ilícito contraordenacional – e em
estrita consonância com os critérios de conexão determinados pelo artigo nº 131º
do Código da Estrada – não representa inovação quanto ao regime geral do ilícito
de mera ordenação social, pelo que a norma desaplicada não padece da apontada
inconstitucionalidade orgânico-formal.
4ª Termos em que deverá proceder o presente recurso.
O recorrido contra-alegou defendendo a improcedência do recurso*.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
2. A questão que vem suscitada é a da inconstitucionalidade orgânica da norma do
artigo 39º do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril, no ponto em que, tendo sido
emitida ao abrigo da competência legislativa prevista no artigo 198º, n.º 1,
alínea a), da Constituição, sem qualquer prévia autorização parlamentar, remete
o regime aplicável às contra-ordenações relativas ao ensino da condução,
previstas nesse diploma, para os termos do Código da Estrada.
Em síntese, o acórdão recorrido considera que essa remissão, originando a
aplicação, no caso, do prazo prescricional mais dilatado do artigo 188º do
Código da Estrada, em detrimento daquele que está previsto no regime geral das
contra-ordenações, implica uma intromissão do Governo na reserva de competência
legislativa da Assembleia da República prevista no artigo 165º, n.º 1, alínea
d), da Constituição, na parte em que se refere ao ilícito de mera ordenação
social.
O recorrente sustenta, no entanto, que a caracterização das referidas infracções
como contra-ordenações rodoviárias, e a consequente sujeição ao regime
específico do Código da Estrada, está actualmente coberta pela Lei n.º 53/04, de
4 de Novembro, que autorizou a introdução dessa alteração legislativa.
É, pois, esta a questão que cabe dilucidar.
O citado Decreto-Lei n.º 86/98, que veio estabelecer o novo regime jurídico do
ensino da condução, prevê diversas contra-ordenações por infracção às regras
nele consignadas, designadamente por violação aos deveres que impendem sobre os
directores e subdirectores das escolas de condução, que é sancionada, nos termos
do artigo 35º, com coima de 100 000$00 a 500 000$00.
E o subsequente artigo 39º, que se insere no capítulo respeitante às
contra-ordenações (Capítulo VII), sobre a epígrafe «Regime aplicável», dispõe,
no seu n.º 1, que «as contra-ordenações previstas no presente diploma e demais
legislação sobre o ensino da condução são processadas nos termos do Código da
Estrada». Acrescentando o artigo 41º, n.º 1, que «compete ao director-geral de
Viação aplicar as coimas e sanções acessórias».
A Lei n.º 51/98, de 18 de Agosto, alterou entretanto diversas disposições
daquele diploma e aditou um novo artigo (artigo 10º-A), mas deixou intocados os
referidos preceitos dos artigos 35º e 39º, que mantiveram assim a sua redacção
originária.
À data em que foi publicado o Decreto-Lei n.º 86/98, vigorava o Código da
Estrada aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, com as alterações
resultantes do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, que determinava, no seu
artigo 133º, n.º 2, que «as contra-ordenações [entendendo-se como tais as
infracções a esse Código e sua legislação complementar que não constituam crime]
são sancionadas e processadas nos termos da respectiva lei geral, com as
adptações constantes deste Código».
Entretanto, a Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, autorizou o Governo a proceder
à revisão do Código da Estrada, incluindo no âmbito da autorização «[a]
qualificação como contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a
aplicação do regime de contra-ordenacional previsto no Código da Estrada a todas
elas» (artigo 3º, alínea g)). E foi no uso dessa autorização legislativa que o
Governo emitiu o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que, alterando o
Código da Estrada, passou a regular as contra-ordenações rodoviárias pelo
disposto nesse Código, pela legislação complementar ou especial que as preveja
e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações (artigo 132º), e a
consignar no artigo 188º, em matéria de prescrição do procedimento, o seguinte:
O procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se por efeito da
prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido dois
anos.
Importa ainda reter que o Código da Estrada, na redacção dada pelo citado
Decreto-Lei n.º 44/2005, veio definir como contra-ordenação rodoviária «todo o
facto ilícito e censurável, para o qual se comine uma coima que preencha um tipo
legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação
complementar, bem como de legislação especial cuja aplicação esteja cometida à
Direcção-Geral de Viação» (artigo 131º). E que, na sequência da criação da
Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), que veio suceder à
Direcção-Geral de Viação nas atribuições em matéria de contra-ordenações
rodoviárias, conforme o estabelecido no Decreto-Lei n.º 77/2007, de 29 de Março,
o artigo 131º foi de novo alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/2008, de 1 de Julho,
passando a caracterizar a contra-ordenação rodoviária como sendo «todo o facto
ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de
norma do Código da Estrada ou de legislação complementar, bem como de legislação
especial cuja aplicação esteja cometida à Autoridade Nacional de Segurança
Rodoviária, e para o qual se comine uma coima».
Em resumo, o artigo 39º do Decreto-Lei n.º 86/98, por efeito da remissão para os
termos do Código da Estrada, mandava aplicar às contra-ordenações previstas
nesse diploma o regime geral das contra-ordenações, incluindo no que se refere
ao prazo prescricional. Em resultado da revisão do Código da Estrada, operada
pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, essas mesmas contra-ordenações passaram a ser
tidas como contra-ordenações rodoviárias, por se tratar de infracções previstas
em lei especial a que corresponde uma coima cuja aplicação compete à
Direcção-Geral de Viação (e, depois, à Autoridade Nacional de Segurança
Rodoviária); e, além disso, ficaram sujeitas a um regime substantivo e
processual especial, regulado no Código da Estrada, designadamente no tocante ao
prazo de prescrição. No entanto, esta alteração foi introduzida por diploma
legislativo do Governo com autorização parlamentar.
3. O artigo 165º, n.º 1, alínea d), da Constituição atribui à exclusiva
competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, «o regime
geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de
mera ordenação social e do respectivo processo». O alcance da reserva
legislativa, no confronto com as restantes especificações constantes do mesmo
preceito, é aqui de nível intermédio. Não se trata de atribuir à Assembleia da
República toda a regulamentação da matéria, como sucede em diversos outros
casos, nem de definir as bases gerais do regime jurídico, que teria de
limitar-se às opções político-legislativas fundamentais, como se verifica
noutras hipóteses, mas de estabelecer as normas integradoras do regime genérico
e comum, deixando em aberto que o Governo possa vir a definir em relação à mesma
matéria, os regimes especiais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, pág. 670; acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 246/90).
Poderá ainda aceitar-se, na linha de anterior jurisprudência constitucional -
aspecto que foi aflorado na decisão recorrida e na alegação do recorrente -, que
a ulterior intervenção da Assembleia da República através da aprovação de uma
lei de alterações, no âmbito do controlo de apreciação parlamentar de actos
legislativos (artigo 169º da Constituição), pode implicar a ininvocabilidade da
inconstitucionalidade orgânica relativamente ao diploma originário, pelo menos
no que se refere às normas que tenham sido reproduzidas pela lei parlamentar ou
implicitamente aceites pelo órgão legiferante (cfr. acórdãos n.ºs 415/89, 786/96
e 368/02, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13º, Tomo I, pág. 507, e
vol. 34º, pág. 23, e Diário da República, II Série, de 25 de Outubro de 2002,
pág. 17780, respectivamente).
Independentemente, porém, da questão de saber se, no caso concreto, a Lei n.º
51/98, ao proceder à alteração de diversos dispositivos do Decreto-Lei n.º
86/98, convalidou a norma do artigo 39º quanto ao eventual vício de
inconstitucionalidade orgânica, o certo é que esse preceito, ao remeter o regime
aplicável em matéria de contra-ordenações relativas ao ensino da condução para o
estabelecido no Código da Estrada, limitou-se a operar a remissão para o
disposto no artigo 133º, n.º 2, deste diploma, na redacção então vigente
(introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/98), que determinava que as
contra-ordenações fossem sancionadas e processadas nos termos da respectiva lei
geral, apenas com as adaptações resultantes do que especialmente estivesse
previsto no Código.
Não estipulando o Código da Estrada qualquer disposição especial relativa à
prescrição do procedimento contra-ordenacional, que só foi introduzida com a
revisão efectuada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, segue-se que o procedimento por
contra-ordenações previstas no Decreto-Lei n.º 86/98 ficou sujeito, não obstante
a sobredita remissão para o Código da Estrada, ao regime de prescrição previsto
no no artigo 27º do Regime Geral das Contra-ordenações.
Não poderá dizer-se, por conseguinte, que tenha havido uma qualquer inovação no
regime definido pelo Decreto-Lei n.º 86/98 em matéria de contra-ordenações,
visto que essa matéria continuou a ser regulada, ao menos no que refere ao
específico aspecto da prescrição do procedimento contra-ordenacional - que está
aqui em causa – pelo regime geral aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de
Outubro, que foi sucessivamente alterado por diversos diplomas mas sempre com
precedência de autorização legislativa (cfr., quanto à norma do artigo 127º, a
Lei n.º 13/95, de 5 de Maio).
Não é assim possível imputar à referida disposição do artigo 39º do Decreto-Lei
n.º 86/98 o vício de inconstitucionalidade orgânica, apesar de ter sido emitida
sem autorização parlamentar, visto que ela não estipulou qualquer efeito de
direito inovatório que devesse recair na competência reservada da Assembleia da
República, limitando-se antes a reproduzir, ainda que por uma dupla via
remissiva, o regime preexistente.
Certo é que a revisão do Código da Estrada operada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005
veio consignar um regime diferenciado em matéria de contra-ordenações
rodoviárias, estipulando uma regulamentação específica, que só subsidiariamente
é integrada pelo regime geral das contra-ordenações (artigo 132º), e fixando um
prazo prescricional de dois anos (independentemente do montante da coima), que
agrava a posição processual do arguido em relação ao regime geral, que continua
a prever um prazo de prescrição de um ano para as contra-ordenações a que seja
aplicável uma coima inferior a € 2 493,99 (artigo 188º). E não restam dúvidas
que esse mesmo regime se torna aplicável às infracções previstas no Decreto-Lei
n.º 86/98, visto que o Código da Estrada revisto, segundo a definição constante
do artigo 131º, integra na categoria de contra-ordenações rodoviárias (a que se
aplica o referido artigo 188º) todas as infracções a normas desse diploma ou de
legislação complementar ou especial a que corresponda uma coima cuja aplicação
seja da competência da direcção-geral de Viação (agora substituída pela
Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária).
O que sucede é que, como bem refere o magistrado do Ministério Público na sua
alegação, esse novo regime legal, abrangendo também as contra-ordenações
atinentes ao ensino da condução, foi aprovado pelo Governo mediante prévia
credencial parlamentar, que foi concretizada através da já mencionada Lei n.º
53/2004, que previu especialmente a autorização para a qualificação como
contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a aplicação a todas elas
do regime contra-ordenacional previsto no Código da Estrada.
Ao definir um conceito de contra-ordenação rodoviária que abrange as infracções
previstas no Decreto-Lei n.º 86/98, o Código da Estrada, na sua nova redacção,
ressalva o vício de inconstitucionalidade orgânica de que a norma do artigo 39º
desse diploma pudesse padecer. Isso porque o regime diferenciado a que as
contra-ordenações do Decreto-Lei n.º 86/98 estão agora sujeitas, em matéria de
prescrição de procedimento contra-ordenacional, por efeito da remissão dinâmica
que é feita para o actual artigo 188º do Código da Estrada, resulta, não
directamente da norma remissiva, mas da alteração da estatuição operada na norma
ad quam.
Por qualquer das razões invocadas, seja a circunstância de a remissão do artigo
39º ser inicialmente efectuada para o regime geral das contra-ordenações, sem
qualquer carácter inovatório, seja porque actualmente a remissão para um regime
especial está coberta por autorização legislativa, não há fundamento para
considerar verificada a inconstitucionalidade orgânica.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional, por violação do artigo 165º, n.º 1, alínea d),
segunda parte, da Constituição da República, a norma do artigo 39º do
Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma do
acórdão recorrido em conformidade com o juízo de constitucionalidade formulado.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Junho de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Gil Galvão
* Conforme correcção decidida no Acórdão nº 382/2009 (fls. 378), de 23.7.2009