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Processo n.º 286/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. reclama da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu o seu
requerimento de recurso para este Tribunal. Vejamos os termos da Reclamação:
“A., arguido e recorrente nos autos à margem referenciados, Vêm, nos termos dos
n°s 1 e 2, do artigo 405°, do Código de Processo Penal, Reclamar para o Exmo.
Sr. Dr. Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, Da decisão proferida nos
presentes autos pelo Exmo. Juiz Conselheiro-Relator junto do Supremo Tribunal de
Justiça, no sentido de não admitir o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional pelo ora reclamante, invocando para o efeito considerar ter o
focado tema da inconstitucionalidade sido abandonado pelo reclamante, atento o
objecto do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça,
O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Salvo o devido e merecido respeito, cremos não assistir razão ao Exmo. Juiz
Conselheiro Relator quando decide não admitir o recurso interposto pelo ora
reclamante para esse Supremo Tribunal de Justiça.
2. Com efeito, nos termos do n°.2 artigo 76°, da Lei 28/82, de 17/11, ‘O
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser
indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75°-A, mesmo após o
suprimento previsto no seu n°.5, quando a decisão o não admita, quando o recurso
haja sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade
ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n°.1 do artigo
70°, quando forem manifestamente infundados’.
Ora, assim sendo, apenas nestas circunstâncias taxativamente definidas pela lei
pode o recurso interposto para o Tribunal Constitucional ser rejeitado.
3. O artigo 70° da citada Lei define os casos em que é admissível recurso para o
Tribunal Constitucional, sendo que o recurso cuja admissão foi negada foi
interposto ao abrigo da alínea b), do n°.1 e n°.2 de tal disposição legal.
4. Nos termos deste n°.2, ‘Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número
anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o
não prever ou por já terem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os
destinados a uniformização de jurisprudência’.
5. Ora, in casu, o recurso interposto não viola qualquer das emanações legais
supra citadas, motivo pelo qual foi interposto no estrito cumprimento da lei.
Na verdade, da questão que se pretende levar a esse Tribunal Constitucional não
cabe mais qualquer recurso ordinário, uma vez que os mesmos já foram esgotados
ao longo do processado.
6. Destarte, o recurso interposto é legalmente admissível.
7. Por outro lado, o recorrente cumpriu com todos os requisitos do artigo 75°-A
da Lei 28/82, de 17/11, conforme se extrai, inclusive, do despacho que decidiu
não admitir o recurso e que motivou a presente reclamação.
8. Resumindo, neste momento encontram-se esgotados todos os graus de recurso
ordinário relativamente à questão que se pretende ver apreciada e foi dado
cumprimento a todas as exigências legais de cuja verificação depende a
admissibilidade do recurso interposto para esse Tribunal Constitucional.
9. O reclamante jamais renunciou ao seu direito de recorrer para o Tribunal
Constitucional e, mesmo que o tivesse feito, tal renúncia seria ilegal atento o
disposto no artigo 73° da citada Lei.
10. Atento tudo o acima exposto, não podemos deixar de considerar que a
interpretação feita pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz Conselheiro Relator junto do Supremo
Tribunal de Justiça e plasmada no despacho que não admitiu o recurso interposto
pelo ora reclamante, e relativa aos requisitos legais da admissibilidade desse
mesmo recurso, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32°, n°.1,
da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, tal interpretação representa uma clara diminuição das garantias de
defesa do arguido, restringindo objectivamente o seu legítimo direito a recorrer
para esse Tribunal Constitucional.”
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“Dado o restrito objecto do recurso interposto para o S.T.J, considero
abandonado, aí, o focado tema de inconstitucionalidade, motivo pelo qual, pese
embora o teor do trecho final do n.º 2 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de
17/11, entendo não dever admitir o interposto para o T.C.”
O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade teve o seguinte
teor:
“(…) vem, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 70º, nº 1, alínea b)
e n.º 2; 73º, nº 1, alínea b) e n.º 2; todos da Lei n.º 28/82, de 15 de
Setembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do douto Acórdão
proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, por considerar
inconstitucional, por violação do artigo 29º, nº 5, da Constituição da República
Portuguesa, a interpretação feita em tal aresto, das regras do artigo 675º, do
Código de Processo Civil.”
Em resposta ao convite para aperfeiçoamento, apresentou o Reclamante articulado
do teor que se segue:
“(…)
1. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto decidiu considerar a
decisão condenatória proferida pela Primeira Instância no âmbito dos presentes
autos, ignorando a decisão proferida no âmbito do processo n°.265/02.3PAOVR, do
2° Juízo do Tribunal de Ovar, não obstante o facto de o arguido ora recorrente
já aí ter sido absolvido da prática de um crime de tráfico de droga praticado
até 10/2002 e, nestes autos, sem que se tenha dada como provada nova resolução
criminosa autónoma, ter sido condenado por um crime de tráfico de produtos
estupefacientes praticado desde 10/2002.
2. Assim, foi o arguido julgado duas vezes pela prática do mesmo crime.
3. O artigo 675° do Código de Processo Civil manda que, havendo duas decisões
contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em
primeiro lugar.
4. Ora, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em clara violação
do disposto no artigo 29°, n°.5, da Constituição da República Portuguesa,
interpretou aquela disposição legal no sentido de não ser aplicável ao caso
concreto, pela simples razão de o arguido ter sido absolvido no primeiro
processo e, portanto, considerar não existir continuação criminosa, não
reputando por violado o principio constitucional ne bis in idem.”
2. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal
pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, dizendo: “(…) Na
verdade, e para além de o recorrente não enunciar, em termos minimamente
inteligíveis e precisos, qual a interpretação normativa do preceito do Código de
Processo Civil (aplicável nos autos ao processo penal) que pretende questionar
no recurso de fiscalização concreta que interpôs – a sua argumentação assenta
numa visão obviamente inadequada do pressuposto “esgotamento dos recursos
ordinários possíveis”, que caracteriza os recursos tipificados na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82: tendo o recorrente exercitado tais meios
impugnatórios comuns, é evidente que a decisão recorrida apenas poderá ser a
proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, e não quaisquer precedentes decisões
das instâncias, naturalmente consumidas pela decisão final do pleito.”
Notificado desse parecer, o Reclamante nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Não obstante a reclamação ter sido deduzida nos termos do artigo 405.º, n.ºs
1 e 2 do Código de Processo Penal, a mesma deve ter-se por interposta ao abrigo
do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, dado ser
este o mecanismo processual expressamente previsto para a impugnação de decisões
de não admissão de recurso de constitucionalidade.
A reclamação deduzida padece, no entanto, de manifesta falta de fundamento. Com
efeito, o conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende da
prévia verificação de vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelo
recorrente, de inconstitucionalidade de uma norma durante o processo,
constituindo essa norma fundamento (ratio decidendi) da decisão recorrida, bem
como o prévio esgotamento dos recursos ordinários.
Ora, a norma cuja conformidade jusconstitucional o Reclamante pretende ver
apreciada não foi sequer aplicada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. E
só desta decisão poderia ser intentado o recurso de constitucionalidade e não,
ao invés do pretendido, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Com efeito,
como se colhe da pronúncia do Procurador-Geral-Adjunto, as “precedentes decisões
das instâncias [encontram-se] naturalmente consumidas pela decisão final do
pleito.”
III – Decisão
4. Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam, em conferência, na 1.ª
secção do Tribunal Constitucional, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) uc.
Lisboa, 26 de Maio de 2009
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos