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Processo n.º 327/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. No Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferida decisão singular,
ao abrigo do artigo 705.º do Código de Processo Civil, em que se negou
provimento a recurso de apelação interposto por A. e B. de sentença que julgara
improcedente uma acção intentada contra C. e D..
Os recorrentes interpuseram recurso dessa decisão para o Tribunal
Constitucional, dizendo fazê-lo ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC).
O recurso não foi admitido por despacho do seguinte teor:
“Notificados da decisão de fls. 262 ss, vêm agora os AA. A. e mulher B.
pretender interpor recurso para o Tribunal Constitucional referindo fazê-lo ao
abrigo do disposto na alínea c) do artigo 70º da Lei nº 28/82 com as alterações
da Lei 85/89 e com base na não aplicação do disposto no artigo 54º nsº 1 e 4 da
Lei nº 64/2003 de 23 de Agosto.
Os RR. responderam pronunciando-se no sentido da não admissibilidade do recurso.
Cabe decidir:
Estatui o artigo 70º nº 1 alínea c) da Lei nº 28/82, que ‘Cabe recurso para o
Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
a) (...)
b) (...)
c) Que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com
fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
Começaremos por dizer à partida, que ao contrário do que vem referido, quer a 1ª
Instância quer este Tribunal não recusaram a aplicação do artigo 54º nº 1 e 4 da
Lei nº 64/2003 de 23 de Agosto com base na respectiva ilegalidade, sendo certo
que de igual forma nunca essa questão foi suscitada naquelas instâncias;
efectivamente limitaram-se, nomeadamente esta Relação, a referir que a sentença
que decidiu pelo direito de preferência dos ora recorridos transitou em julgado,
como vem explanado na decisão de fls. 224 ss.
Assim sendo e porque salvo o devido respeito entendemos que o caso vertente não
se integra do disposto no citado artigo 70º nº 1 alínea c) da Lei nº 28/82, não
admitimos o recurso.
Custas pelo incidente a cargo dos recorrentes.”
2. Os recorrentes reclamam deste despacho, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da
LTC, sustentando, em síntese útil, que a não aplicação da norma dos n.ºs 1 e 4
do artigo 54.º da Lei n.º 64/2003, de 23 de Agosto (nulidade dos actos ou
negócios entre vivos de que possa resultar a constituição de compropriedade ou a
ampliação do número de compartes de prédios rústicos que não sejam precedidos de
parecer favorável da câmara municipal respectiva) só pode ter resultado de, a
menos tacitamente, a decisão recorrida considerar tal norma ilegal.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:
“O reclamante interpôs recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea c), da
Lei do Tribunal Constitucional, sendo pressuposto de admissibilidade deste
recurso, a existência de uma decisão em que tenha sido recusada a aplicação de
uma norma com fundamento na sua ilegalidade por violação de Lei com valor
reforçado.
Começaremos por dizer que, co-existindo no processo duas decisões – a que
apreciou o recurso e a que indeferiu a arguição de nulidades –, o recorrente não
identifica, expressamente, de qual interpõe recurso.
Por outro lado, quer do requerimento de interposição do recurso, quer da
reclamação do despacho que o não admitiu, não consta qual a exacta questão de
ilegalidade em causa, limitando-se o reclamante a afirmar que a não aplicação de
uma norma (a do artigo 54.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 64/2003, de 23 de Agosto),
só podia ter acontecido com base na sua ilegalidade.
Dir-se-á, por último, que, como se diz na decisão de fls. 39 e 40, e se constata
pela leitura das decisões, não ocorreu qualquer recusa de aplicação da norma,
por ilegalidade.
Pelo exposto, a reclamação deve ser indeferida.”
O ora relator proferiu despacho do seguinte teor:
“(...)
2. As decisões de 29/3/20009 e de 12/2/2009 foram proferidas pelo relator do
processo no Tribunal da Relação. As decisões dos relatores são, em princípio
impugnáveis pela via da reclamação para a conferência (artigo 688.º do CPC).
Efectivamente, a regra é a de que o exercício do poder jurisdicional cabe a essa
formação colegial, tendo a parte um meio de obter pronúncia definitiva a esse
nível. Assim, parece que só as decisões da conferência e não as decisões
singulares do relator são susceptíveis de recurso para o Tribunal
Constitucional.
Neste entendimento, a reclamação improcederá desde logo porque o recurso não
seria admissível em razão do objecto.
3. Notifique os recorrentes para se pronunciarem, querendo, sobre esta questão e
sobre o parecer do Ministério Público (fls. 42).”
Os reclamantes nada disseram.
3. A reclamação é manifestamente improcedente, não podendo o recurso
ser admitido, seja pela razão em que se funda o despacho reclamado, seja pela
razão que o despacho do relator acrescenta.
Com efeito,
3.1. A decisão de que se pretende recorrer foi proferida ao abrigo
do artigo 705.º do Código de Processo Civil que permite ao relator julgar o
recurso mediante decisão sumária. Todavia, esse poder do relator julgar singular
e liminarmente o recurso, dispensando a intervenção da conferência, só se torna
definitivo se não houver reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do
artigo 700.º do CPC. Os direitos das partes ficam sempre acautelados pela
possibilidade de reclamar (Neste sentido Lopes do Rego, Comentários ao Código de
Processo Civil, 2ª ed., Vol I, pág. 611). Com efeito, a decisão sumária é um
expediente destinado a conferir celeridade na apreciação dos recursos, mas não
substituiu a estrutura ou modo de funcionamento dos tribunais superiores. Estes
são, por índole, tribunais colegiais, cabendo o poder decisório à conferência.
Por isso se o relator lavrou despacho que a parte reputa ilegal e quer
impugná-lo, não pode interpor recurso directamente desse despacho. Tem de
provocar acórdão, que constitui o exercício definitivo do poder jurisdicional a
esse nível decisório. Se a reclamação for atendida, a questão pode ficar aí
resolvida sem necessidade de fazer intervir outra instância. E nenhuma razão se
vislumbra, face à letra do n.º 3 do artigo 700.º do CPC e à razão de ser da
reclamação (no plano estrutural e funcional) e à função do recurso de
constitucionalidade, para permitir que passe a ser objecto (em sentido
processual) de imediato recurso de constitucionalidade a decisão do relator que
julga sumariamente o recurso a pretexto de ter desaplicado normas com fundamento
em inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Consequentemente, para efeito do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a
decisão do tribunal susceptível de recurso é a decisão da conferência, pelo que
o recurso não é admissível.
3.2. Ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe
recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que recusem aplicação a
norma constante de acto legislativo por violação de lei com valor reforçado.
Ora, os reclamantes não identificam uma questão desta natureza, limitam-se a uma
conjectura: se a norma do n.ºs 1 e 4 do artigo 54.º da Lei n.º 64/2003, de 23 de
Agosto, não foi aplicada (como em seu entender deveria ter sido) tal só poderá
ter acontecido por ter sido feito sobre ela um juízo de ilegalidade. Trata-se de
uma suposição manifestamente destituída de fundamento. A decisão recorrida não
fez qualquer juízo sobre a validade da menciona norma por confronto com lei de
valor reforçado. Limitou-se a considerar precludida a possibilidade da sua
aplicação por efeito do caso julgado.
Consequentemente, merece inteira confirmação o despacho reclamado quando não
admitiu o recurso por não se verificar a hipótese prevista na alínea c) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC.
4. Decisão
Por tudo o exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte)
UC.
Lx, 8/6/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão